Ex-baterista dos Engenheiros do Hawaii, psicólogo, astrólogo, escritor, compositor, enfim...o currículo é extenso e a produtividade é muita, porém todas ligadas à necessidade de se comunicar e – até mesmo – de se entender. É um pouco de Carlos Maltz, que fez da palavra uma arte; da arte um ofício. É assim que ele – seja pelos livros, pelas músicas ou pelas redes sociais – tem estimulado discussões dentro de temas relevantes na Era de peixes de mares rasos, como costuma definir.
Em uma conversa descontraída, porém com profundidade, Carlos Maltz comenta sobre sua carreira, como tem visto o cenário da música e da literatura recentemente no país. O escritor-música não vê muita diferença na forma de trabalhar a palavra. De acordo com ele, é a necessidade de fazer. “Cara, eu tenho que escrever se não eu fico maluco. Eu escrevo para isto: para não ficar maluco. O importante é fazer. Por que não surgem hoje outras bandas como Pink Floyd e Engenheiros? O que há de diferente? São pessoas, cara! A criatividade está aí, a necessidade também”, manda ver.
Para Maltz, o grande problema é que – atualmente – as pessoas possuem um excesso de ferramentas tecnológicas sem estarem preparados para elas. “Isto faz as pessoas falarem demais e ouvirem de menos. É um diálogo que é não-diálogo. Qualquer texto é uma guerra. Todo mundo fala, mas ninguém está nem se ouvindo ou querendo conversar. Pensar nesta questão do diálogo é fundamental. O diálogo para mim sempre foi um mote, tanto que é o tema do meu primeiro livro que é O Abilolado Mundo Novo, que é simplesmente diálogos dentro de um chat virtual”.
A experiência de escrever uma obra de diálogos, apenas com personagens falando entre si, desprezando um enredo, e debatendo temas existenciais. “Eu fiz um sorteio aleatórios que geraram datas e mapas astrológicos e eu comecei a dar vozes a estas pessoas que existiam abstratamente e começaram a falar na minha cabeça. O diálogo hoje faz muita falta, embora a gente nunca tenha tido tanto espaço para o diálogo, como temos hoje em dia”, frisa.
A visão de Maltz da comunicação no mundo pós-moderno é de que “somos uma civilização com a necessidade de nos cuidarmos para não adquirirmos um carma gigantesco. Nós temos ferramentas muito adiante do uso que estamos dando a elas. A internet nos permite ir muito além do que o uso que estamos dando à rede. É uma Ferrari que usamos de maneira tosca e rudimentar para bater-boca em um momento superpolarizado, no Brasil e no mundo, de forma superviolenta. Tem gente que já se sente obrigada a ser contra de forma bastante agressiva e sem a menor necessidade”.
Indagado sobre o futuro deste mundo, Maltz avalia que é impossível prevê o que será em anos. “Estamos apenas no começo deste processo”. “Em meu novo livro falo de implantes nano-neurais e tal. Isto é uma coisa vista como absurdo, que é colocar a internet já dentro da cabeça das pessoas em uma sociedade futurística, mas quem aposta em quanto tempo falta para isto? Estamos no começo de uma grande rede mundial e somos infantis ao usar uma ferramenta tão sofisticada. Mas, por incrível que pareça, a linguagem internet, que é o que eu uso nos livros, trouxe – de alguma forma – a palavra com muita força. As pessoas estão criando um “novo inglês”, mas escrevendo e buscando entrar em contato. Por outro lado, é algo fantástico que está acontecendo. Isto vai se desenvolver em nível exponencial”.
Diferença
Sobre a diferença em relação ao tempo áureo dos Engenheiros do Hawaii, Maltz avalia que a comunicação no passado – por meio da arte – explorava mais as poucas ferramentas que tinham e apostava melhor no conteúdo. “Tínhamos esta preocupação. Houve sempre uma ligação da música com os livros e da busca por temas relevantes. A gente gostava de dizer alguma coisa que é relevante. Lembro que o escritor Jorge Luis Borges diz uma coisa muito interessante: se você não encontrar na sua cidade motivo para escrever o seu livro, não vá a Paris. Ele diz isto porque mostra a necessidade de se conectar e contar a história de pessoas. Os motivos para a música, para a poesia, para os livros, estão aqui. Ninguém precisa ir lá longe para saber. Aqui está o que a gente precisa. No passado, a gente fez isto. E a música brasileira – quando olhamos nós mesmos para nós mesmos – peitou de igual para igual as bandas que eram de fora. E peitamos cantando em português e sem ser cover de ninguém”.
“Outro dia eu fiquei impressionado com um anúncio de jornal em que se procuravam músicos para montar uma banda cover e dizia: ‘não me venha com composições próprias’. Que é isso? E as minhas histórias, as histórias de vocês, as nossas, estas precisam estar sendo escritas e a gente precisa estar escrevendo. É preciso colocar a cara a tapa em busca de mostrar conteúdo e reflexão. Precisamos refletir”, salientou. “Somos empurrados hoje a refletir menos e questionar menos. Será que nos sobrou apenas a raiva? A pessoa que não leu e já não gostou? A nossa construção é do diálogo e não disso que está aí. Vocês conseguem imaginar o Humberto Gessinger catando sabonete na banheira do Gugu?”.
“Saiu o diálogo, ficou a raiva e as coisas ficaram rasas diante do excesso de informação”
“Não quero aqui fazer apologia à dificuldade de conseguir informação, mas o excesso de informação nos trouxe dificuldades”, sentencia ainda Carlos Maltz, indo de encontro à corrente majoritária. “O que quero dizer é que tínhamos mais espaço para absorver uma informação e refletir sobre ela. Outro dia foi ao trabalho ouvindo Pink Floyd e só o trajeto da minha casa para o consultório foi a introdução da primeira música. É muito difícil que hoje em dia alguém tenha paciência para ouvir arte assim, ou ler um livro com este tempo. O espaço para a reflexão é fundamental. Se você passa o tempo inteiro no ‘zap zap’ você vai saber qual é a pasta de dente do teu artista favorito e um monte de informação, mas qual a relevância disto? É como trocar o celular velho pelo novo que rastreia uma nave lá na lua, mas você não consegue saber o que se passa com teu vizinho. A falta de espaço para pensar nos leva o tempo que temos para adquirirmos a profundidade. É importante pensar sobre o que queremos comprar”.
De acordo com Carlos Maltz, não se trata de falar mal de tecnologia, pois as ferramentas são muito importantes, mas de se ter a noção de que a máquina nunca vai dominar o homem porque é o homem que fez a máquina. É um dos motes de seu novo romance que é O Último Rei do Rock. “Essa história de achar que só o ‘novo é que é bom’ é burrice”.
Como resgatar esse processo de criação dentro de uma indústria que enlata os formatos que devem ser produzidos, inclusive os que parecem mais “inteligentinhos”? Eis que Carlos Maltz responde: “no meu caso é uma coisa pessoal. Como já disse, eu tenho que escrever livro para não ficar doido. Então, é algo meu mesmo. Esse é um bom motivo. Alguém me perguntou qual a interferência da gravadora nos discos dos Engenheiros? Nenhuma. Eles não nos desprezavam, mas ganhavam dinheiro com o disco a partir do momento que a ideia deu certo. E era uma ideia sincera. Alguém também nos perguntou porque nunca tocávamos as músicas do mesmo jeito no show. Mas a resposta é: nós tocávamos sempre diferente porque não sabíamos tocar sempre igual. A gente não conseguia tocar igual. Tocar sempre a mesma. A criatividade é de graça. Pensar é grátis, ainda. Você pode pensar o que você bem entender. É algo seu e você pode fazer dele o que bem entender. A coisa foi ficando muito ‘bundona’ e foi nos deixando abaixo da tecnologia. Isto é um absurdo. O guitarrista tem que ser maior que a guitarra. O Edgar Scandurra toca com guitarras podre só para mostrar o quanto toca pra caramba. A tecnologia não pode ser maior que tu porque foi você que gerou aquilo”.
De acordo com Maltz, como a máquina não é mais inteligente que o humano nunca, então a gente começa a se rebaixar nas formas de comunicação limitadas pela máquina, pela indústria, abrindo mão da criatividade. “Isto não pode ocorrer. É preciso que você seja você”. Em O Último Rei do Rock, este mundo caótico é apresentado dentro de um romance cheio de questões existenciais que vão da lida com o sucesso, bem como o confronto com a própria solidão por meio do personagem que é um roqueiro decadente. É com este universo de reflexões que o leitor vai lidar quando abrir o novo livro de Carlos Maltz, direta ou indiretamente, por meio das experiências dos personagens. Maltz diz – no livro – que estamos no final de um período em que o mundo avança de forma tão rápida que faz com que corramos demais para não ficarmos para trás, porém sem perspectiva de onde chegar. “Isto faz com que algumas pessoas queiram olhar para trás e sentem saudades do passado, quando não tínhamos tantas ferramentas para dizer o que quiséssemos dizer, porém tínhamos mais coisas a dizer. Será que estamos nos transformando na era dos peixes de água rasa, com muita informação na superfície, mas num mar sem profundidade”.
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