Para construir a teoria presente em seu livro “Polícia e estigma: A construção do sujeito desviante”, o sociólogo Carlos Martins foi à procura de respostas sobre o que movia um policiaL durante uma abordagem na rua. A pesquisa é fruto do estudo desenvolvido em seu mestrado. No entanto, o professor universitário viveu momento semelhante ao já sofrido por muitos cidadãos negros, ao ter a casa invadida pela polícia, há três anos, “confundido” com um bandido.
A pesquisa que se debruçou sobre o depoimento de 127 policiais militares da Rádio Patrulha de Alagoas foi iniciada muito antes de Martins ter a casa invadida por policiais civis, em agosto de 2012, quando os agentes de segurança realizavam buscas por assaltantes de bancos nas imediações de sua residência, na Serraria. O resultado, segundo ele, modificou o objeto da pesquisa e mostrou a construção de um sujeito o qual os policiais buscam para combater o crime.
“Fui em busca de saber o que movia um policial durante um abordagem. De saber em busca de quê e de quem ele vai ao sair para a rua. A partir desses depoimentos construí uma teoria e pude constatar a existência de um sujeito”, colocou Martins. O livro será lançado na Bienal do Livro de Alagoas.
Martins mostra uma realidade muito triste para população negra, principalmente para os jovens negros alagoanos. Em seus estudos na área policial, ele afirma que é “muito claro na cabeça do policial quem é o bandido aqui em Alagoas. O Policial vai para ruas com intuito de combater. E se combate com alguém que é o inimigo”.
O “sujeito desviante” tratado em sua obra é o jovem negro, residente na periferia, que usa determinada marca de roupa, anda com determinado jeito e gesticula com o braço quando anda. Essas características o professor coletou durante suas entrevistas com policiais da pesquisa.
Martins é claro ao afirmar que o modelo de segurança pública em Alagoas não contempla a população negra de forma protetiva. “Quando fui fazer a essa investigação, é impressionante como o policial sabe fazer esse personagem de quem é o inimigo da sociedade. Ele apresenta características culturais e criminaliza esse sujeito no discurso de que é igual a quem pratica um homicídio, tráfico de drogas ou rouba. Na política, que tem como prioridade o enfrentamento, com certeza os negros serão vitimados”, disse ele.
Ao fazer essa relação, ele lembra o que motivou a invasão em sua residência. Quando se preparava para ir à Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde trabalha, o sociólogo foi surpreendido pela polícia em sua própria residência, que o “confundiu” com bandido que teria efetuado assalto a uma agência bancária.
À época, ele contou que ouviu barulho no portão de sua casa e foi ver quem era. Os indivíduos se identificaram como policias e pediram que abrisse a porta. Sem querer esperar que fosse buscar a chave, eles arrebentaram o cadeado.
“A invasão na minha casa se deu como? Quando o helicóptero estava sobrevoando procurando assaltantes de banco, me viram na minha residência, em meu espaço e no meu terreno. Em menos de três minutos arrombaram a minha porta. Quando cheguei à delegacia, as pessoas estavam prestando depoimento dizendo que os caras eras loiros olhos azuis”, recordou ele.
Experiência aterrorizante reforçou compromisso com conscientização
Martins levou o caso a conhecimento da sociedade e anos após o ocorrido ele afirma que nunca deixou se abater, apenas assumiu o compromisso de transformar a experiência aterrorizante em ensino, tanto que atualmente ministra curso de formação para policiais militares sobre sociologia do crime e violência.
“Situações como essa marca profundamente, mas não me abala não. Eu tratei o caso de forma pedagogicamente e fui mostrar a população como se faz, denuncie procurei a imprensa e bati em muitas portas. Doeu muito, pois fiquei exposto devido à visibilidade, mas em momento nenhum pensei em retroagir”, concluiu.
O Mapa da Violência 2015 apontou novamente Alagoas no topo do ranking na taxa de homicídios cujas vítimas são adolescentes entre 16 e 17 anos. Os dados, referentes ao ano de 2013, e mostrou uma taxa de 147 para cada 100 mil habitantes em todo o estado.
Ainda de acordo com o Mapa, em Alagoas, o número de adolescente entre 16 e 17 anos mortos é de 176 negros para 7 brancos. De 0 a 17 anos, é de 280 para 14. No Brasil, proporcionalmente, morreram quase três vezes mais negros que brancos. A taxa de homicídios de brancos foi de 24,2 por 100 mil, enquanto a taxa de adolescentes negros foi de 66,3 em 100 mil.
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