Tanque d’Arca vive ciclo vicioso de denúncias de corrupção

14/09/2015 06:42 - Interior
Por Candice Almeida
Image

O município de Tanque d’Arca, distante cerca de 100 km da capital alagoana, é um dos municípios com pior Índice de Desenvolvimento Humano no Estado. Possui um orçamento anual estimado em R$ 29 milhões, para servir aos pouco mais de seis mil habitantes. Mesmo com tão parcos recursos e tanta responsabilidade, a administração da cidade tem sido disputada por três políticos locais.

Em 2012, Roney Tadeu Valença (PMDB) foi reeleito para o cargo de prefeito, juntamente com seu vice, Valdemir Bezerra Lima (PMDB). No entanto, deixaram o mandato, em face de investigações envolvendo a aplicação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), verba federal, durante o período de 2009 a 2012. Ambos, além de outras 18 pessoas, dentre elas a procuradora do município, foram afastados de seus cargos, por decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região.

Os afastamentos só se deram em junho de 2013, primeiro ano do segundo mandato de Valença e Lima. Por isso, assumiu a prefeitura o presidente da Câmara Municipal de Tanque D’Arca, Antônio Teixeira (PMN). Que chefia o Poder Executivo Municipal desde 10 de junho de 2013, aguardando que a situação dos titulares eleitos seja resolvida.

Um município tão pequeno e com tão grandes disputas tem gastos estimados pela Lei Orçamentária Anual (LOA) de R$ 1,4 milhão só com contratações temporárias, sendo que só a folha de servidores do município já custa, pelo menos, R$ 5 milhões por ano.

Chama a atenção o valor pago a título de contratações, quase um quarto da folha de pessoal, não só pelos valores anuais, mas, principalmente, pelo valor pago a algumas categorias de funcionários, como pedreiros e garis.

Com certeza, Tanque D’Arca é um dos poucos lugares no mundo onde um pedreiro tem seu trabalho mais valorizado que o de um engenheiro. O portal da transparência municipal publica, semestralmente, a folha de pagamento dos funcionários municipais, nela é possível encontrar uma série de servidores com salários pagos dobrados e sem deduções.

A reportagem copiou trechos da folha de salários destes funcionários para que o leitor pudesse conferir. A integra pode ser encontrada no endereço eletrônico: http://www.tanquedarca.al.gov.br/transparencia/. 

Engenheiro recebe R$ 3,8 mil a menos que pedreiro e ganha menos que gari

Na folha de pagamento da Prefeitura de Tanque d’Arca, enquanto um engenheiro, contratado pela secretaria de obras e viação, recebe R$ 1.456,00 com descontos, um pedreiro, também contratado pela mesma secretaria, recebe R$ 5.280,00. Sobre esses dados, o prefeito preferiu dizer que a oposição estaria por trás das denúncias.

O salário do pedreiro é composto por: R$ 1.760,00 de salário, R$ 3.520,00 de benefícios e nenhum desconto, nem previdenciário e nem de imposto de renda, totalizando o valor R$ 5.280,00. Na mesma secretaria estão lotados os garis com salário, inacreditável, de R$ 1.512,96 com descontos ou R$ 1.576,00 sem quaisquer descontos previdenciários ou de imposto de renda.

Não que um gari não mereça, mas até o gari recebe mais que o engenheiro. R$ 788,00 é o salário base do gari, mas ele também recebe mais R$ 788,00 a título de benefícios e vantagens, quando é tributado seu salário tem R$ 63,04 de desconto previdenciário, mas, pelo menos, três garis não têm quaisquer descontos de seus vencimentos, perfazendo o total de R$ 1.576,00.

Coincidentemente, o contrato de cinco garis foi assinado no “aniversário” de dois anos da posse do prefeito interino, ex-presidente da Câmara Municipal de Tanque D’Arca, Antonio Teixeira. O próprio prefeito confirmou que sua posse se deu no dia 10 de junho de 2013 e, conforme constatado no portal da transparência do município, os cinco garis e apenas eles assinaram seus respectivos contratos no dia 10 de junho de 2015. 

Prefeito nega haver fantasmas na pasta da qual seu irmão foi titular

Causa estranheza também que os valores tão discrepantes com o que o mercado considera aceitável sejam aplicados justamente da secretaria de obras e viação, cujo secretário, até o mês de agosto era o irmão do atual prefeito, Gilvan Teixeira. Informações não confirmadas pela polícia e nem pelo Ministério Público Estadual dão conta de que estes funcionários contratados pela secretaria de obras nunca trabalharam para a prefeitura.

Mas como teriam seus nomes incluídos na folha de pagamento dos salários dos servidores municipais? Há uma tese de que estes trabalhadores já foram empregados do então secretário de obras e irmão do prefeito no município de Taquarana. Inclusive, denúncias anônimas informam que os valores sequer são pagos por depósito em conta informada na folha, o que pode indicar um possível desvio de verbas.

Diante de tantas discrepâncias de valores e denúncias, a reportagem procurou o prefeito Antônio Teixeira para compreender o que se passa em Tanque D’Arca. Inicialmente o prefeito sustentou que não havia funcionários fantasmas em sua administração e antecipou-se em apontar os antigos gestores. “Funcionário fantasma aqui, quando a gente entrou, existia muito, mas eu tirei. Se existe hoje essa pessoa tem que provar o que está falando”.

Sobre os valores de salários que estão listados na própria folha de pagamento encontrada no portal da transparência do município, o prefeito respondeu: “Essa questão, se existiu qualquer pagamento nestes valores eu respondo por meus atos. Eu tenho conhecimento de tudo e não temo a nada”, afirmou Teixeira sem qualquer receio.

O prefeito afirmou à reportagem que seu irmão não é mais e secretário e admitiu que nem decorou o nome do recém-nomeado secretário, que “chegou esses dias de São Paulo e está no município”. “Nem sei quem é”, deixou escapar o prefeito interino. Mas depois de “puxar aqui” (na memória), confirmou que se trata de Elielson de Oliveira Santos.

Mas aproveitou para se defender dizendo que nada do que lhe acusam é verdade e que “isso é coisa da oposição”. Sobre a prova que foi encontrada pela reportagem no próprio portal da transparência do município, Teixeira disse que “fizeram uma montagem”. E esclareceu que sobre esta montagem e outra – um vídeo divulgado na internet onde apareceria recebendo dinheiro e guardando-o nas meias e cueca – já está “tomando as providências”. “Eu estou tranquilo”, disse.

Prefeitura paga salários a dois prefeitos e um vice afastado

Analisando a folha de pagamento dos servidores do município de Tanque D’Arca é possível constatar que, mesmo afastados, prefeito e vice continuam recebendo seus respectivos salários. Roney Tadeu Valença continua recebendo a remuneração de R$ 10.000,00, mesmo sem estar exercendo as atividades de prefeito.

Líquido, Valença recebe o valor de R$ 3.248,65, isto porque sobre o valor de R$ 10 mil incidem R$ 513, em dedução previdenciária, e R$ 1.739,56 de imposto de renda. Também é deduzido o valor de R$ 2.252,57, que pode ser a título de empréstimo consignado.

O vice afastado, Valdemir Bezerra Lima recebe R$ 6.667,00, mas com as deduções, recebe o valor de R$ 3.409,29, mesmo sem trabalhar. Inclusive “proibido de adentrar nos prédios públicos” por decisão judicial. Tanque D’Arca, apesar de ser um município tão pequeno e com tantas necessidades para os cidadãos, paga mensalmente altos salários ao prefeito e vice afastados.

O advogado Marcelo Brabo, especialista em direito eleitoral, explicou que a anomalia é comum em Alagoas. Quando o afastamento se dá em razão de ação de improbidade administrativa, ou até mesmo de ação penal, os políticos afastados continuam recebendo seus salários. Brabo frisou que, em regra, a decisão explica “sem prejuízo da remuneração”.

Diferente do que ocorre quando o afastamento se dá em razão de decisão eleitoral, quando os políticos afastados deixam de receber a remuneração. Brabo esclareceu que quando se trata de condenação transitada em julgado, ou seja, quando a decisão de perda do mandato se dá de forma definitiva, então os políticos perdem também sua remuneração, independentemente da natureza da ação que respondam.

Como se não bastasse, o presidente da Câmara, eleito vereador, mas que “ganhou” a prefeitura por força de decisões judiciais, também recebe o salário de R$ 10 mil, sendo que, após descontos, recebe R$ 4.754,71. O próprio prefeito em exercício, Antônio Teixeira, afirmou à reportagem que “quando desconta empréstimo, sobra R$ 4.700”.

Aliás, este foi o argumento de Antonio Teixeira para justificar seu desinteresse em candidatar-se à reeleição no próximo ano. Teixeira reconheceu que este é um desejo de seu grupo, mas afirmou que hoje não tem interesse em reeleição. Contanto, inclusive, que quando trabalhava na roça – com batatas e negociando amendoim – chegou a ganhar R$ 200 mil em seis meses e que lidava com mais de trinta trabalhadores rurais.

O prefeito também falou sobre a denúncia de que a prefeitura não estava repassando os empréstimos descontados em folha dos servidores para a Caixa Econômica Federal. Antônio Teixeira reconheceu que “o consignado foi atrasado por causa deste entra e sai de prefeito, mas já foi repassado”. 

Gecoc investiga extorsão de prefeito contra empresa vencedora de licitação

Outra denúncia que o prefeito Antonio Texeira já tinha conhecimento e que está sob investigação do Grupo de Combate às Organizações Criminosas (Gecoc) de suposto pedido de propina. As denúncias dão conta de que, para realizar uma obra para o município de Tanque D’Arca, a empresa precisa não só vencer a licitação, mas também repassar um percentual para o prefeito, a título de propina.

A denúncia aponta que “inicialmente era cobrada uma comissão de 10% do valor total das obras de calçamento de acesso a Serra do Cruzeiro e serviços de limpeza urbana realizadas no município. Meses depois, o prefeito passou a exigir 30%”. Mas, aparentemente, a empresa não concordou em repassar os valores e procurou o Gecoc.

Confrontado com estas informações, o prefeito limitou-se a questionar: “Como é que a construtora fala que eu pedi propina? Por que não chamou a Polícia Federal na hora?”. O prefeito confirmou que estas são informações que o Gecoc vem investigando, inclusive o grupo já teria começado a ouvir as pessoas que trabalham com o prefeito.

Outra denúncia diz respeito à apreensão de um caminhão, que teria sido tomado da empresa pelo prefeito em lugar da propina que não vinha sendo paga. O prefeito afirmou desconhecer completamente esta acusação. “Eu nunca peguei caminhão de construtora nenhuma. Desconheço. Informação errada. Não tenho conhecimento de construtora que diga que eu pedi propina”.

A reportagem não conseguiu maiores informações sobre as denúncias que estão sendo investigadas pelo Gecoc. A assessoria disse apenas que o caso “está em apuração e não vão comentar sobre a situação”.

Comentários

Os comentários são de inteira responsabilidade dos autores, não representando em qualquer instância a opinião do Cada Minuto ou de seus colaboradores. Para maiores informações, leia nossa política de privacidade.

Carregando..