Não há como escapar dos efeitos imediatos de uma crise que – por mais pontual que seja – é reflexo direto de como o Brasil cultivou a mentalidade intervencionista ao longo dos séculos, como muito bem frisou o cientista político Bruno Garschagen em seu Pare de Acreditar No Governo.

O atual governador Renan Filho não pareceu contrariar esta mentalidade ao fechar seu arco de alianças para governar Alagoas e ao apoiar o governo federal de forma tão veemente ao longo da trajetória política. Não falo da aliança eleitoral de 2014. Falo – inclusive – de suas posições como deputado federal.

Vale ainda – ao analisar o intervencionismo que vem desde a época colonial – citar Thomas Paine quando crava, em um panfleto político de 1776 que o “Estado é um mal necessário”. Os mais açodados ouvem as palavras de Paine como se ele disse que devemos acabar com o Estado. Longe disto, Paine coloca é que sempre devemos repensar e vigiar a função do Estado, para que ele seja restringido ao servir e não ao ser servido. É para isto que devem existir leis e – cá e acolá – se pensar em desregulações que incentivem o setor produtivo.

É preciso que o Estado saia de cima das costas do cidadão que paga altos tributos para ter serviços ineficientes e ainda banque o custo da corrupção que assola países, estados e municípios privilegiando os amigos do rei e os parasitas que se apegam fácil as tetas do Estado. Ora, para fugir desta realidade não basta um bem intencionado governante. É preciso que ele sabia pensar em curto, médio e longo prazo em como remodelar o Estado ao ponto dele se tornar mais leve e eficiente.

Hoje, o Brasil tem problemas gravíssimos porque a grande maioria de nossos políticos (a totalidade) tem medo de tocar em pontos vitais: reforma do pacto federativo, trabalhista, da previdência e reforma tributária. É colocar o dedo na ferida? É! Mas se eternamente fugirmos aos debates essenciais teremos que nos deparar sempre com crises pontuais que possuem raízes profundas. Sempre pensaremos em superá-las de maneira superficial. Ou seja: não superar de fato, mas apenas conduzir o “pesado barco estatal” a mares aparentemente mais calmos.

Os estados da federação sofrem os reflexos disto. Em Alagoas, não é diferente. O governador Renan Filho (PMDB) é extremamente certeiro no diagnóstico, inclusive sincero nas preocupações mais recentes em relação à queda de receita e o pagamento dos servidores públicos. Vejam: sempre os mais pobres que sofrem. Renan Filho falou sobre o assunto em excelente matéria elaborada pelo jornalista Davi Soares. Nas análises do chefe do Executivo alagoano, uma frase me chamou a atenção: “economizar em crise”.

O governador está certo. Mas, economizar e cortar na carne é só um ponto. Não se pode esquecer a oportunidade que esta crise nos dá. É impossível ainda esquecer que parte desta crise é fruto de uma matriz econômica adotada por um governo federal que teve – e tem – o apoio do atual governador de Alagoas. Se ele ainda acredita nesta matriz econômica que só recorre a políticas de ajustes de cortes (necessárias ao momento), mas que não olham para o adiante, ele (o nosso governador) acredita em um engodo.

E aí, as crenças e boas intenções do governador são como aquelas que povoam o inferno. Elogio e sempre elogiarei o chefe do Executivo alagoano em todos os cortes que ele fizer neste gigantesco mastodonte que é o nosso Estado. Por isto, os elogios feitos ao espírito da Lei Delegada mesmo ela tendo pontos questionáveis aqui e acolá.

Todavia, que nossos políticos – e isto inclui Renan Filho pela sua posição no comando do Estado pelo trânsito fácil em Brasília e a ligação direta com o senador Renan Calheiros (PMDB), um dos homens mais fortes da República hoje – aproveitem a crise para assimilar ideias que não são novas, mas sempre foram renegadas em função das cores ideológicas e da mentalidade intervencionista que toma conta do nosso país ao longo de décadas.

Em resumo, caro governador, trata-se de assimilar a concepção que coloca a liberdade econômica – e Alagoas precisa e muito de pavimentar o caminho para a diversificação econômica e o empreendedorismo – como pano de fundo de outras liberdades. Sem esquecer dos esforços que o senhor vem tendo para tentar manter a folha salarial em dia, garantir investimentos, enfim...ter uma agenda paralela de pensar em Estado e não em governo, onde – lá na frente – tenhamos uma realidade bem diferente desta.

Alagoas é uma terra de potencialidades e possibilidades. O Turismo é uma indústria por si só. Sabemos. Fácil de enxergar. Mas pense em projetos que residem dentro do governo e carecem de menos burocracia e mais interação com o setor produtivo. Lembro um: o Plano Tecnológico e os Polos de Desenvolvimento Tecnológico. Em Pernambuco – bem aqui ao lado – ações como esta geraram bilhões, mobilizaram empregos e mostraram as pessoas que elas não precisam depender tanto do Estado para sobreviver e que a força estatal pode ter uma mão menos pesada quando se posta como serva da sociedade, como fio condutor na mediação de conflitos, no estabelecimento de normas que facilitem o mercado, enfim...

Colocar o Estado agora para repensar a questão do ICMS antecipado que vitimiza vários empreendedores pequenos também pode ser uma agenda interessante. Não podemos aderir ao muro das lamentações como se não fosse possível transpor o muro. Nem podemos comprar uma visão romântico-otimista de que o amanhã vai ser melhor sem termos uma visão bem mais ampla do que superar uma crise pontual como se ela fosse uma lombada em uma estrada. É a estrada que está errada governador, ao longo da história.

Com isto, não estou culpando gestão A ou B, mas a mentalidade instituída e muitas vezes institucional. Eu apenas sugiro ao governador a ajudar a mudar esta mentalidade, sendo um político diferente que pontue sempre o real papel do Estado que com certeza não é um de uma “babá” como defende o governo federal do qual Renan Filho é aliado. Vale lembrar Margareth Thatcher quando dizia que “socialismo acaba quando acaba o dinheiro alheio”.

Dinheiro alheio no caso é o dinheiro público que representa a receita do Estado. Creio não ser preciso explicar o efeito cascata que me faz afirmar isto nem o quanto outro pacto federativo é de fundamental importância para se começar a corrigir questões neste sentido.

Sei que pensar em outro Estado diante de séculos de existência é confrontar um mundo de interesses de “amigos do rei”, mas lembro ao governador de algo dito pelo filósofo Arthur Schopenhauer: “quem quer se ocupar em produzir o bom e o autêntico e evitar o ruim, tem que desafiar o juízo das massas e de seus porta-vozes e, por vezes, até desprezá-los”.  Afinal, tem que residir no fundo do ser o desejo de vencer barreiras e quebrar paradigmas.

Sei que Alagoas é pequena comparada ao Brasil e que um caminho deste não se trava sozinho, mas não há caminho travado sem primeiro passo dado. E o tamanho geográfico de Alagoas nunca foi empecilho para que daqui brotasse novas ideias. Entre os liberais, por exemplo, está Tavares Bastos que escreveu uma obra magnífica chamada Cartas ao Solitário. Se cada um de nossos políticos trouxesse tal livro no bolso...

Poderia aqui citar tantos outros alagoanos que desbravaram sendo antagonistas do status posto e assim mostraram – lá na frente – o grande poder de suas ideias. O próprio Marechal Deodoro da Fonseca. Figura controversa, como mostra Laurentino Gomes em seu 1889, mas quer queira quer não, fundamental para passar de Império para República. Não julgo o mérito, mas a força da ideia para a mudança.

Creia – caro governador – que por mais imprevisível que seja o tempo exato desta crise pontual, ela traz dentro dela uma crise crônica e imanente, porém não transcendente, pois é possível transcender a mentalidade oligárquica e intervencionista de Alagoas mudando hábitos, ações e discutindo o real papel do Estado. E quem melhor para dar exemplo de abertura a esta discussão que não o próprio governador?

Fiquei feliz de encontrar este espírito de repensar o Estado na Lei Delegada, mas ainda acho pouco. Em curto prazo, facilitemos a produção e o empreendedorismo em nosso Estado. Em médio e longo prazo, discutamos o tamanho deste Estado e a sua influência na vida das pessoas. E no meio desta discussão, exercitemos cada vez mais a honestidade intelectual ao invés do interesse político apontando as causas reais e as raízes dos problemas, ao invés de discursos pela metade para não bater de frente com os aliados ou do oportunismo das agendas salvadoras da pátria que no fundo, no fundo, representará o mais do mesmo, como faz agora o Senado.

E como frisa – de forma brilhante em uma analogia - o jornalista Davi Soares ao final do texto, e a fatura das alianças políticas de 2014 está sendo paga pelo servidor e pelo trabalhador de uma forma geral. Todavia esta fatura é um boleto que vem sendo gerado há muito tempo. 1) fruto da mentalidade já citada neste texto; 2) e daqueles que se aproveitaram desta mentalidade histórica – mais recentemente – para emplacar uma matriz econômica que nos tomou pela visão romântica embotada que não enxergou, por isso mesmo, o abismo. Se não mudar, vocês sabem o que acontece com quem dá um próximo passo à beira do abismo. 

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