As Páginas Vermelhas do CadaMinutoPress desta semana traz uma entrevista exclusiva com o “sucesso de acessos” da internet Joselito Muller. O humorista se tornou um fenômeno por romper com todos os parâmetros do politicamente correto em seu blog. Vira e volta - mesmo com os textos declarados abertamente humorísticas - surge um “pato” (gíria para aqueles que acreditam que as notícias são verdadeiras) ou então, como o próprio Muller coloca, um mais “afetadinho”, que é quem se sente ofendido pela piada e ameaça de processo.
Joselito Muller destaca - durante a entrevista - que o humor, quando ridiculariza políticos, presta um serviço à sociedade. Além disto, o blogueiro fala sobre a patrulha dos dias atuais e diz que fazer piada e concorrer com a realidade brasileira é algo extremamente difícil. O CadaMinutoPress traz uma entrevista muito bem-humorada com um dos personagens que tem incomodado muito político nacional.
Atualmente, o politicamente correto acabou virando uma regra e acabou atingindo em cheio o humor, limitando inclusive a criatividade de muitos humoristas. Como você tem visto este cenário? É uma motivação a mais para que os verdadeiros humoristas se levantem contra a patrulha?
A imposição de censura a obras que ferem a suscetibilidade de certo público não é novidade. Há vários casos na história, como o processo contra Flaubert em razão do seu madame Bouvary, por exemplo. A novidade no mundo de hoje é que a afetação das pessoas atingiu níveis estratosféricos e a tendência é piorar cada vez mais. Como você enfatizou na pergunta, esse tipo de comportamento se tornou regra. Antes era exceção. Piadas que até pouco tempo eram consideradas ingênuas, hoje são vistas como crimes. O Didi Mocó de antigamente, se não estivesse sendo processado criminalmente, no mínimo estaria demitido. Isso, para quem tem medo da patrulha, é um pesadelo, porque tem que ficar se policiando a todo momento para não desagrada-la. Outra coisa que chama muita atenção é essa tendência do humor panfletário, que tem por objetivo defender certas agendas, criando a esdrúxula figura do “humor a favor”. Então muita gente, além de andar pisando em ovos para não desagradar a patrulha ideológica, ainda se esforça para agrada-a. Obvio que tem muitos interesses escusos envolvidos aí, e tem muita gente enchendo os bolsos de grana para se passar pelo ridículo de fazer humor a favor do governo e da agenda dessa gente afetadinha. A vantagem, se é que há alguma, é que tudo isso pode ser ridicularizado por quem não teme a patrulha. Ridicularizar esse pessoal tem sido uma tarefa muito gratificante. Então acredito que seja, sim, uma motivação para que humoristas sem vínculo com esses setores se levantem.
Por falar em patrulha, este – em sua opinião – tem sido o maior desafio para se fazer piada no Brasil? Pois não são poucos os comediantes com os quais já conversei que chegaram a desistir de uma piada ou de um texto justamente para não confrontar o policiamento. Por sinal, quais são os maiores desafios que você enxerga hoje no país para fazer o tipo de humor que o senhor faz?
Esse medo da patrulha, como falei, é um obstáculo a quem se curva a ela. Muita gente boa tem aproveitado este cenário para fazer um excelente trabalho. Agora se o sujeito quer se bem visto por todos, vai acabar não agradando ninguém. O que leva um sujeito a desistir de uma piada que eventualmente possa desagradar a patrulha, senão a vontade de agrada-la? Um sujeito que impõe censura prévia a si mesmo só eventualmente pode fazer um bom trabalho no campo do humor. O maior desafio, portanto, é ter ‘culh…’ para peitar a patrulha e ficar indiferente aos seus gritinhos afeminados, que certamente será aplaudido por muita gente.
Como surgiu a ideia do blog e dos textos que simulam os textos jornalísticos? É por si só uma reação ao atual momento? Você tinha noção da dimensão que iria acabar tomando?
Bom, há alguns anos eu já vinha publicando esporadicamente textos com esse formato na internet. Há uns anos aqui em Natal tinha uma prefeita que fazia uma administração muito desastrosa e certa feita foi publicado no diário oficial do município a destinação de não sei quantos milhões para um tal zoológico da cidade, que nunca existiu. O fato repercutiu bastante, já que se estava destinando dinheiro para algo que não existia. Então publiquei no Centro de Mídia Independente um texto em formato de notícia, dizendo que o macaco mais antigo do zoológico de Natal havia morrido. Nisso o site do jornal Correio do Brasil reproduziu o texto, e logo foi compartilhado por muita gente aqui na cidade, muitos alegando se tratar de uma matéria comprada pela prefeita com intenção de fazer a população acreditar que o zoológico existia de verdade. Logo percebi que o site do Correio do Brasil republicava textos do Centro de Mídia Independente, então passei a postar lá textos em formato de matérias jornalísticas, que eram reproduzidas no site do jornal. Não tardou para que os críticos da prefeita passassem a me acusar de ser um jornalista pago pela prefeita para defende-la, ao passo que a prefeita deu declarações públicas dizendo que eu era pago pela oposição para ridicularizar a gestão dela. Quando a prefeita me atacou na imprensa, dando mais visibilidade ao que eu publicava, eu aproveitei a deixa para fazer contato com a imprensa e dizer que eu não era porta-voz de força política nenhuma. Foi divertido ser atacado por ambos os lados (risos). Após isso, uns amigos lançaram uma revista chamada O Coyote, e eu fui convidado a escrever uma coluna. A revista é impressa, de periodicidade mensal e na época havia um blog, onde todos os colunistas faziam postagens. Como eu postava com maior regularidade, decidi fazer carreira solo (risos) e abri um blog. Desde então, estou aí dando dor de cabeça aos governantes.
Como você enxerga as reações desproporcionais a textos como os seus que são declaradamente humorísticos. Aqui em Alagoas – por exemplo – um deputado estadual chegou a repercutir uma das notícias de seu blog em plenário. Ele estava revoltado com o banheiro da Escola Belzebú (risos)?
Há duas questões que precisam ser observadas. Primeiro é quem acredita e propaga como se fosse verdade. Acredito que isso se dá pelo fato do cenário político e cultural atual ser um antro de bizarrices. Acontece, no entanto, que basta um pouco mais de atenção para se dar conta de que o conteúdo que publico em meu site é humorístico. As pessoas que se indignam e propagam como se fosse verdade, creio eu, o fazem por desatenção, ou até mesmo por querer serem enganadas. O cara assisti uma série de absurdo no cenário político e quando vê uma postagem do meu site, já se precipita em se indignar. Depois que se dá conta do equívoco, me ataca, dizendo que sou irresponsável por divulgar notícias falsas (risos). Outra coisa bem distinta é a indignação de quem vira chacota e ameaça me processar. Recentemente fiz uma postagem dizendo que uma fazenda da Luciana Genro tinha sido invadida pelo MST. Claro que quis ridicularizar o beautiful people que, sem abrir mão do seu patrimônio, defende que o patrimônio dos outros seja tomado de assalto. Ela ficou injuriada e disse que cogitava a possibilidade de me processar. Manuela Dávila também insinuou que iria me processar. Caso ambas gaúchas consultem um advogado que tenha mais cérebro que elas, acredito que serão aconselhadas a desistirem do processo, já que ser afetadinha não dá direito a ser indenizada por qualquer coisa.
Alguns de seus textos já renderam problemas para você como o que envolveu a deputadas petista Maria do Rosário. Como reagir diante disto? Afinal, são muitos os que se acham ofendidos, caluniados e difamados pelo senhor...
Como falei, acontece vez por outra de alguém se sentir ofendido. É necessário entender que o fato de alguém se sentir ofendido não significa que o conteúdo publicado é criminoso. Se eu digo que a Manuela Dávila declarou que foi parar em Nova York porque se perdeu indo para Havana, sei que isso vai incomoda-la, porque vai expor ao ridículo a defesa que ela faz do regime cubano, enquanto vai passear nos Estados Unidos. Agora ela ficar chateada ao ver que centenas, talvez milhares, de pessoas estão rindo da ideologia dela, não significa que difamei o caluniei. O delito contra a honra não se configura pelo que alguém sente, ou deixa de sentir. O correto a ser feito, quando se vai tornar alguém objeto de piada, é saber a distinção entre cometer um crime contra a honra e de expor tal pessoa ao ridículo.
Por sinal, qual a sensação de já ter sido processado criminalmente por conta de uma piada?
Na verdade não houve processo, foram inquéritos policiais. Veja bem, foram três inquéritos no total, para apurar crimes contra a honra da então senadora Ana Rita e da deputada Maria do Rosário. Quando eu soube da intenção da Ana Rita em me processar, eu mesmo me identifiquei, liguei para o gabinete dela e tudo. Quando foi a vez da Maria do Rosário, mesma coisa. Fui interrogado na Polícia Federal, pois se tratavam de uma senadora e uma deputada federal, mas como esperava, o objetivo dos inquéritos era tão somente me intimidar. Infelizmente, para elas, não funcionou.
Por mais que os seus textos sejam fictícios, eles guardam uma semelhança com a realidade. Alguns até correm o risco de cedo ou tarde virarem verdade a depender dos personagens que lá se encontram. Como concorrer com a própria realidade brasileira que – como muitos dizem – já é uma piada pronta?
Alguns textos já viraram realidade, infelizmente (risos). Concorrer com a realidade brasileira é realmente complicado, mas há uma diferença substancial: quando algo muito absurdo acontece de verdade, o conteúdo do fato é trágico. Ao se usar de hipérbole para ridicularizar certa situação hipotética, a mesma acaba se tornando engraçada e faz, nos fins da conta, o leitor refletir e desejar que a mesma jamais se torne realidade. O Brasil já inaugurou até – em função do politicamente correto, da patrulha, e do “financiamento ideológico” – o humor chapa-branca ou aqueles que querem impor limites ao humor. O humor tem limites? Como o senhor vê o cenário do humor chapa-branca que tem surgido neste país? Como disse anteriormente, não se pode fazer humor a favor. É sem graça, sem sal. Mas essa é só uma parte do problema. O mais preocupante, segundo meu ponto de vista, é a auto-censura que a patrulha impõe a quem tem medo dela. Por conta disso, muitos que não são financiados para falar bem do governo acabam se policiando para não desagradar a patrulha. Então temos de um lado essa gente que faz “humor a favor”, como esse Zé Ruela da Dilma Bolada e o Duvivier etc., e de outro lado gente que não faz “humor a favor”, mas faz de tudo para não desagradar a patrulha. Felizmente tem muita gente boa fora desse circuito, que conseguem inclusive fazer piada com esses humoristas chapas-branca.
O que dizer para aqueles que caem de “pato” e acabam reproduzindo os textos que o senhor publica como se verdade fosse? É reflexo de um país onde já não se consegue mais separar realidade de ficção em função dos nossos tragicômicos acontecimentos envolvendo a política.
Bom, só tenho a dizer para que sejam mais atentos ao que leem. Tem muita gente que vê a chamada e já saí comentando. Garanto que uma leitura minimamente atenta vai evidenciar que a intenção do que publico é meramente jocosa. Não se trata de desinformação. Mas é, sim, reflexo da realidade brasileira atual.
Certa feita, o humorista Danilo Gentilli classificou o humor como algo que devolve à humanidade aqueles que se sentem deuses, como alguns de nossos políticos protegidos por determinadas patrulhas. Na sua avaliação, qual a função e a importância do humor ácido neste momento da realidade brasileira?
Acredito que expor políticos ao ridículo, transformando-os em piadas, é um relevante serviço ao país. Isso serve também para alerta-los, conforme a pergunta enfatizou, que eles não são deuses e que aquilo que defendem podem ser alvo de chacota. Por isso é que várias dessas figuras ficam tão indignados comigo. Não discuto com eles levando-os a sério. Faço tento fazer as pessoas rirem deles e a isso não cabe réplica. Eles não têm o que fazer, além de ameaçar processar, já que não podem se defender de uma risada. Acredito que essa seja a função do humor ácido, se é que existe alguma.
Já houve algum texto que você desistiu de publicar por temer as conseqüências? O senhor avalia o que pode acontecer após a publicação de seus textos? Isto é levado em conta? Aliás, o que o senhor leva em conta antes de publicar qualquer texto em um blogs que deve ser um dos mais lidos do Brasil neste momento.
Nunca deixei de publicar nada temendo as consequências. O único filtro que utilizo e se o texto é minimamente engraçado ou não. Não temo pelas consequências, pois minha intenção não é macular a honra ou a dignidade de ninguém, mas tão somente expor as vísceras de certas ideologias e dizer para meus leitores: “Olha só que ridículo”.
Como é Joselito Muller fora do ambiente virtual?
Sou um cara como outro qualquer.
Para muitos, o humor que o senhor produz hoje também educa politicamente ao mostrar o ridículo de certas discussões. Você também enxerga assim? É uma preocupação do senhor a conotação política que os textos podem tomar?
Concordo com assertiva em parte. Acredito que o máximo que faço é demonstrar, às vezes, isso que você bem chamou de “ridículo de certas discussões”. A educação política, por sua vez, fica a cargo de cada um. A conotação política dos textos não é bem uma preocupação, mas uma consequência inevitável quando se aborda determinados temas, como os que abordo.
Qual a opinião sobre esta dicotomia entre o PT e o PSDB no país e os mais de 50 tons de vermelho presente sem nossa política?
Essa dicotomia, na atual conjuntura, favorece principalmente o PT. Não se pode fazer qualquer crítica ao governo, que já vem um militante petista apontando o dedo sujo e dizendo: “Você é tucano. É de direita.” Ao longo dos anos a militância petista repetiu tanto que o PSDB é um partido de direita, que acabaram acreditando nisso e, como se acham salvadores da pátria e parâmetro do que seria certo e errado, colocaram o PSDB no imaginário campo adversário e o utilizam como mal exemplo para tudo. Então se você critica a roubalheira que o pessoal do PT cometeu, eles falam, “Ah, mas o PSDB também rouba”, como se qualquer crítico do PT tivesse vínculo com a outra quadrilha adversária. Isso teve um propósito estratégico claro, já que qualquer coisa que seja à direita do PSDB já é considerada por eles como criminosa. Assim eles têm dominado o cenário político há décadas.
Estou no twitter: @lulavilar