Vejam como a democracia é linda. Acabei de ler o texto do jornalista e blogueiro Davi Soares – a quem admiro profundamente, por sua honestidade intelectual e competência de apuração – e sinto-me feliz em estar em um veículo de comunicação no qual posso discordar e concordar dele sem celeumas, sem agressões, mas com civilidade e mútuo respeito.
Primeiro ponto com o qual concordo: Davi Soares diz que há uma “histeria” quando o assunto é ideologia de gênero nos planos estadual e municipais de educação. Eu concordo. Criou-se esta “histeria”. Buscar suas raízes? Algo que não farei. Cada um que responda pelo que diz ou escreve.
A “histeria” se dá porque se criou uma falsa polêmica para esconder reais discussões. A estratégia da cortina de fumaça. Qual a real discussão? A presença ou não de militância dentro dos textos dos planos de educação. Militância LGBT, no caso. E a palavra é esta “militância”, pois nada tem a ver com sexualidade. Em todos os textos que fiz sobre o tema, deixei claro meu respeito ao ser humano, independente dele ser homossexual ou heterossexual.
Para mim, a questão sexual é apenas uma característica do ser. Ela não define caráter, nem comportamento ético ou moral. Ponto final! Conheço homossexuais que admiro bastante em função de serem pessoas íntegras, competentes, honestas. Há heterossexuais pelos quais tenho desprezo, por serem corruptos, desonestos intelectualmente, e acumularem outras práticas que são lamentáveis. O vice-versa neste caso também é verdade.
Motivo? Porque a orientação sexual nada tem a ver com os valores que vão me tornar uma pessoa melhor ou pior. E no que isto difere da militância? A militância prega justamente o contrário. Que uma orientação sexual deve ser destacada ao extremo como alicerce na formação de valores, para tratamentos desiguais, preconceitos, ou até mesmo privilégios. Logo, o que se discute é a presença ou não desta militância. Quem coloca o tema de forma séria faz isto, sem cair em histerias. Tratei o tema por várias vezes no entendimento de que existe esta militância nos planos. Sem qualquer tipo de histeria.
Sei que houve quem não fez o mesmo e destilou visões distorcidas ao falar de ideologia de gênero. Como do outro lado, há os desonestos intelectuais que subvertem a questão para fazer parecer que há uma guerra entre “homossexuais e heterossexuais”. Isto é absurdo. Quem faz isto, aí sim vende uma visão limítrofe do tema. Não é o caso de Davi Soares, que sempre busca o respeito ao contraditório e textos embasados.
Sendo assim, a discussão que busquei travar em meus espaços é sobre os trechos do plano que trazem a presença ou não de militância, porque acho que na Educação deve ser combatido todo tipo de militância com exceção para a militância pela liberdade de pensamento, respeito aos direitos humanos e às diferenças. Se fosse uma militância religiosa eu estaria falando a mesma coisa. É para combater! O que é diferente de combater a religião em si. Se fosse uma militância ideológica eu estaria dizendo a mesma coisa. É para combater! O que é diferente de se combater ideias a respeito de uma corrente política. A escola pode abordar – e deve! – as concepções de todas as correntes políticas para criar no cidadão o amplo conhecimento para a livre escolha consciente. O mesmo se dá com demais saberes.
É só isto.
Quanto aos valores, repito: a família é peça fundamental para a educação dos filhos. E dizer isto não significa ir de encontro às liberdades individuais. Trata – antes de tudo – de, por meio do amor familiar, as crianças terem consciência de valores essenciais ao ser humano, o que incluiu o respeito ao próximo e às diferenças.
A questão da militância em um plano de Educação é pontual? Sim. É só um ponto. É o mais importante? Não. Mas é importante sim. É um direito de um cidadão opinar em todo e qualquer ponto ali presente. Neste quesito, chamo até atenção para outros pontos que poderiam ser mais detalhados no Plano e ter mais atenção. É outro ponto que concordo com Davi Soares. É preciso discutir o combate ao analfabetismo, o aprendizado para que não tenhamos analfabetos funcionais chegando às universidades, o envolvimento de pais, mães e comunidade com a escola para que a Educação não seja terceirizada apenas para o ambiente escolar deixando as figuras paternas – essenciais e prioritárias no processo! – de lado.
Tudo isto deve ser discutido. Além disto, o financiamento dos planos para que não tenhamos neles uma carta de Papai Noel, onde tudo se pede sem saber quem financia. Eu senti falta disto nos planos que li. E vejo esta questão como essencial e – de fato – foi pouco debatida. Talvez por histerias geradas, sobretudo depois da apresentação de todo tipo de cartilha. Algumas são falsas, obviamente. Outras, são anteprojetos pedagógicos de fato existentes. Quem pesquisar – como eu procurei fazer – vai separar umas da outras.
Portanto, os planos de educação são – evidentemente – muito maiores do que uma ou outra questão pontual que ele contenha. Mas é preciso debater pontos. E para este blogueiro, discutir ao máximo para deixar o plano livre de toda e qualquer militância para que ele priorize justamente as questões voltadas a Educação, a formação humanística, científica e cultural, ao respeito ao próximo, à promoção da igualdade sem segregações por etnia, crença ou sexo, é fato.
Eu só conheço dois gêneros: masculino e feminino. E ao contrário do que pensam muitos ditos especialistas e intelectuais de plantão, é sim possível defini-los biologicamente. Se, diante da existência da vida, naturalmente os seres humanos traçarem seus caminhos, devem ser respeitados, amados e reconhecidos pelo que são e não por suas práticas sexuais. Precisamos brigar pelo fim do preconceito. Para que sejamos todos tratados como seres humanos e ponto final. O respeito e os direitos merecidos a todos pelo simples fato de serem humanos. Obviamente, os deveres também.
São valores que sei que Davi Soares preza: o do respeito ao próximo independente de suas escolhas privadas. São os respeitos que eu prezo também. Neste ponto somos concordantes.
Onde discordo então?
Bem, sem qualquer traço de histeria e pautado pelo que está escrito nos planos, eu me indago sobre a presença da militância que se baseia na ideologia de gênero. E não é preciso estar a palavra “ideologia” lá para se perceber.
Falei disto aqui, mostrando os trechos do plano estadual. Mostro novamente.
Eis o que contém o Plano Estadual até então: “Garantir, nas três esferas de governo, a realização de cursos interdisciplinares, preferencialmente presenciais, de formação inicial permanente e continuada e em serviço para todos os profissionais de educação, e conselheiros ligados à educação das escolas públicas. Esses profissionais deverão desenvolver projetos de intervenção pedagógica nos espaços educacionais e discutir a inclusão nos currículos das temáticas relativas à orientação sexual e à identidade de gênero, formando multiplicadores, respeitando as especificidades locais e regionais.
Fomentar a avaliação, a elaboração, produção e distribuição de materiais de referência (obras científicas e literárias) e didático-pedagógicos, nas três esferas de governo, que abordem as temáticas e promovam o reconhecimento e a valorização da diversidade sexual e de gênero, considerando o lugar de fala de LGBT e acessibilidade para pessoas com deficiência, destinados à formação de profissionais e demais áreas, a utilização em sala de aula, biblioteca e salas de leitura. A formação e os materiais devem estar acessíveis em linguagens e formatos alternativos (libras, Braile, letras ampliadas, em formato digitalizado e audiovisual com legenda).
Diretriz 4 - Criar, fomentar e garantir o acesso e a permanência de estudantes e profissionais LGBT nos espaços educacionais em todos os níveis e modalidades de ensino, combatendo a discriminação e o preconceito, respeitando a livre orientação sexual e identidade de gênero, por meio de Programas e ações específicas.
Diretriz 5 - Realizar, fomentar e apoiar prêmios de práticas e iniciativas, concursos e campanhas e outros eventos, divulgação de calendário de lutas LGBT, pesquisas e material didático, respeitando as especificidades, as diferentes linguagens (públicos e mídia), em formatos acessíveis e alternativos para maior visibilidade aos LGBT e promover o respeito e o reconhecimento da diversidade sexual e de expressões e identidades de gênero”.
São pontos que indago. Como o fiz ao questionar se a escola seria o ambiente para “divulgar o calendário de lutas LGBT” ou para “maior visibilidade ao LGBT”. Afinal, reconhecer a diversidade sexual e respeitá-las é obrigação de todo ser humano. O ser humano que agride o outro – de que forma for – em função de sua orientação sexual merece ser punido, nos limites da lei por isto. Assim como aquele que agride o outro em função de suas crenças religiosas.
Apenas os textos que coloco em aspas para mim representam militância. Com esta, eu chamei atenção por discordar dela. Processo natural em uma democracia. Chamar atenção para um ponto, até mesmo para que argumentos contrários possam me convencer de que estou errado. Até aqui não fui convencido. Não vejo razão para “calendário de luta” alguma fazer parte de currículo escolar. Já pensou o calendário de lutas islâmicas em sala de aula? De lutas cristãs? De lutas da esquerda? De lutas da direita? Serei contra a todos eles – repito – em sala de aula.
No Plano de Educação municipal chamo atenção para este ponto que lá está:
"14.3. Inserir, a partir da vigência do plano, no planejamento estratégico da SEMED/ Maceió, ações afirmativas de Gênero e Diversidade Étnico Racial, articuladas com questões ambientais e culturais, que combatam o sexismo, a homofobia, a intolerância religiosa e todas as formas de discriminação e preconceito".
Eu perguntei anteriormente e volto a perguntar mais uma vez: “ações afirmativas” aí presente significariam cotas? Não que eu seja contrário a cotas, mas acho que elas são mais efetivas quando seguem – por exemplo – questões econômicas, na busca de favorecer os mais pobres e em grau de maior vulnerabilidade social, como preferirem, para que possamos construir uma sociedade mais igual, mais justa. Se não são cotas futuras que abrem espaço nos planos, o que ações afirmativas aí significam dizer? Em minha opinião, abre portas para militâncias.
São alguns dos pontos que acho que merecem questionamento e – como bem coloca Davi Soares – sem qualquer tipo de histeria, mas com base no escrito, no posto, no analisado e não em invencionices que acabam comprometendo um debate sério de parte a parte e levantando uma celeuma onde o pontual vira o todo. O pontual precisa sim ser debatido de forma séria, mas assim como as demais questões.
Estou certo de que aqui no CadaMinuto travamos o debate pautado pelo respeito, pela ética, sem a promoção de qualquer tipo de preconceito. Aliás, buscamos justamente o contrário: que as pessoas sejam tratadas de forma igual, tendo suas diferenças respeitadas. É o que o brilhante jornalista Davi Soares também busca. Eu sei disto porque convivo com ele diariamente no CadaMinuto e sou um fã de seu trabalho. As discordâncias aqui são pontuais e próprias da democracia.
Heterossexuais e homossexuais para mim são apenas pessoas. São para mim apenas seres humanos. Que merecem felicidade, que merecem o amor, que merecem o respeito, que merecem constituírem suas famílias e serem felizes. Quem promove o preconceito é quem usa de uma determinada questão para militar em prol da segregação. Acaba gerando inclusive os inflamados discursos de ódio.
E aí, quando o ódio se alastra vai gerando malucos de tudo que é lado.
Parabéns Davi, por trazer uma visão da discussão. De minha parte, o outro ângulo da questão. Por isto que sou um amante da liberdade e da democracia. Que a discussão seja sempre assim para qualquer tema. Sadia e pautada no que está posto.
Estou no twitter: @lulavilar