Um trabalho que resgata a memória de Alagoas por meio de seus filhos ilustres. Este é a missão do professor Francisco Reynaldo Amorim de Barros com o ABC das Alagoas, que terá sua segunda edição lançada na próxima bienal.
Apesar de paulista, Francisco Reynaldo Amorim faz questão de frisar que teve reconhecida sua “cidadania” alagoana. “Eu sou um alagoano. Como não? Eu não faria este trabalho por outro Estado, mas só por Alagoas que nos brindou com mentes maravilhosas ao longo de sua história”, salientou.
Conversar com o professor é recuperar o orgulho de ser alagoano apesar dos escândalos envolvendo o Estado ao longo dos anos e mais recentemente. Ao falar do ABC das Alagoas, Francisco Reynaldo Amorim também chama atenção para a importância do resgate histórico da Terra dos Marechais e de se chamar atenção para uma intelectualidade – nos diversos campos do conhecimento – que anda esquecida.
Confira a entrevista
O senhor nasceu em São Paulo e se dedicou a um trabalho que visa resgatar a memória de Alagoas por meio de verbetes que envolvem muitas pessoas ilustres e que contribuíram com o nosso Estado. Como surgiu esta paixão por Alagoas e o desejo de realizar este trabalho?
Primeiro: eu sou alagoano. Como não? Eu tenho uma lei dizendo que eu sou alagoano. Não é registro civil, mas está lá assinado pelo governador que eu sou alagoano. Logo, foi este amor a Alagoas que eu sempre tive e mantive. No momento em que eu pensei em fazer alguma coisa, num período em que eu tinha menos trabalho, decidi fazer algo que preenchesse esta minha lacuna de Alagoas para comigo mesmo. Fiz este pequeno levantamento de seis mil verbetes sobre o nosso Estado. E digo isto com muito orgulho: o nosso Estado. O meu e o seu, porque meu pai é de Palmeira dos Índios e minha mãe é de Capela.
Este trabalho do senhor – o que é muito interessante – não resgata apenas aqueles alagoanos aos quais nós já estamos habituados a reverenciar, como Graciliano Ramos, Nise da Silveira e outros. O senhor vai fundo em uma pesquisa que traz nomes até então desconhecidos do grande público, mas importantíssimos. É uma pesquisa que rompe o senso-comum, como relembrar o trabalho relevante da cientista Previato. E agora o senhor nos surpreende com uma segunda edição. O que ela traz de diferente?
Eu aumentei o número de instituições presentes neste novo trabalho, com a história delas. Eu achei que valeria apenas que tivéssemos acesso a este tipo de informação para sabermos mais sobre Alagoas. Acrescentei artesãos e artistas, além de violeiros. Eu sou apaixonado pelo trabalho dos violeiros. Eu se pudesse lançava este livro na Associação dos Violeiros de Alagoas. Eu tive uma preocupação em ampliar e pesquisar mais sobre os alagoanos. Nós ficamos sempre em Graciliano Ramos e Jorge de Lima. Eles possuem reconhecimentos merecidos. Afinal, Graciliano é muito maior que Alagoas. É maior que o Brasil. Mas, Alagoas tem muito mais gente. Eu resgatei não apenas os que já estavam esquecidos, mas os que ainda não sabíamos que existia. Eu tenho muito vontade de fazer uma palestra aqui em Alagoas um dia com o seguinte tema: os alagoanos que Alagoas não conhece.
E o time é grande?
Sem dúvida alguma. É grande e significativo. Na área da Física você tem muita gente boa e olhe que eu nem posso julgar porque não é área que eu conheço, mas pelos títulos e referências você vê o quanto eles são respeitados. Além de nomes de outras áreas, como Nise da Silveira, que eu conheci e trabalhei, com muita honra, com o marido dela. Eu faço questão de dizer que aprendi a pesquisar com doutor Mário Magalhães da Silveira, que era um grande homem e marido da doutora Nise.
O trabalho do senhor está sendo relançado pela biblioteca do Senado Federal. Agora, é uma gráfica que não tem alcance comercial como outras editoras. Por que a gente não consegue ter um trabalho tão importante deste para estudantes, professores e para alagoanos de uma forma geral nas livrarias e de fácil acesso?
É uma questão complicada. Como o trabalho é denso, a edição é muito cara. Inclusive, quando terminei a 3ª edição levei a um editor daqui de Alagoas e ele disse: “pelo amor de Deus tire isto da minha mesa”. Porque é realmente caro. Muito simples de dizer: a primeira edição custou para o Senado R$ 120. Ele colocou a venda a R$ 40. Nenhuma editoria faria isto. Isto me frustra muito, ainda mais quando lancei a primeira edição que sequer havia livraria em Maceió. Agora voltou a existir livrarias aqui. Então, o ABC de Alagoas ficou uma edição jogada, mas eu tive o cuidado de uma coisa: andei 101 municípios de Alagoas levando os dicionários. Levei para bibliotecas. Eu tenho orgulho de dizer isto. Só ficou faltando a minha ida a cidade de Belo Monte, que eu tive que deixar para a segunda edição.
Vale ressaltar que o ABC das Alagoas possui uma versão online para consultas. Lá há o histórico do senhor e uma grande parte do trabalho. Como o senhor enxerga esta ferramenta para a sociedade?
Correto. Torna o trabalho acessível e dá maior divulgação. A versão online neste momento não está atualizada. Nós teremos que fazer uma revisão, mas antes do lançamento do livro na Bienal, já estará atualizada a versão online. Mas, eu digo uma coisa: é sempre uma versão online. Livro bom é livro de papel mesmo, sabe? É a leitura prazerosa. O prazer de pegar o livro é insubstituível.
E como o senhor avalia a importância da própria obra do senhor para o resgate de nossa memória enquanto alagoanos?
É difícil demais eu avaliar o meu próprio trabalho. Não posso julgar a minha própria obra. É uma tentativa de pagar uma dívida com Alagoas. Eu tinha a dívida de não ter nascido em Alagoas. Eu sempre brinco que eu virei um comprador de imóveis do BNH. Eu pensei que tinha feito alguma coisa por Alagoas, mas recebi tantas homenagens e títulos que eu continuo devendo a este Estado. Eu apenas lembro-me do que disse o senador José Sarney no lançamento da primeira edição deste dicionário. Ele disse o seguinte: “amanhã será inaugurado o Aeroporto de Maceió. Ele ficará velho. Hoje, está sendo lançado este livro. Daqui a 200 anos estará novo e sendo lido”. Eu acho bondade dele, mas dá a ideia do que significa querer resgatar a memória de Alagoas.
O senhor demonstra uma grande paixão por Alagoas em um momento em que temos uma população que sofre e tem dificuldade de cultivar o orgulho pelo Estado diante dos casos de corrupção, os índices negativos, enfim...como manter viva esta paixão por Alagoas, professor? Como o senhor faz para enxergar Alagoas desta forma tão bela e a reverencia?
Veja, o que me levou a pensar sobre este trabalho foi a imagem de Alagoas na época em que comecei a escrever. Alagoas sofria. Estava saindo de um período difícil com outro presidente alagoano que deixou uma mazela – para alguns – muito grande. Hoje a gente vê que não era tão grande assim. Mas Alagoas sempre foi tratada como Estado sem maior importância, quando em termos intelectuais é de uma importância significativamente grande para o país. Um ABC de outro estado não tem os nomes tão significativos como tem o de Alagoas. Agora, é um local onde as pessoas têm necessidade de sair para poder aparecer. A gente não tem ideia do que seja o número de alagoanos importantes por aí, dando aulas, fazendo ciência, fazendo jornalismo. Havia certo momento em que grande parte dos jornalistas do Rio de Janeiro eram alagoanos. Havia neste estado uma tradição da leitura e da intelectualidade que precisa ser resgatada. Nós tínhamos orgulho de saber utilizar o idioma. Orgulho do saber conhecer.
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