Médico alagoano com ELA impedido de viajar chega em Jesuralém; leia carta aberta enviada à imprensa

28/03/2015 14:46 - Maceió
Por Redação com assessoria
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O médico alagoano Hemerson Casado Gama, diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) em 2012, foi impedido de seguir viagem em voo da companhia aérea Alitalia na última quinta-feira (26), após ser informado pelo supervisor da empresa de que “pacientes com ELA não viajam em sua aeronave”.

O médico havia ganho a passagem do Governo do Estado para buscar tratamento médico fora do país. Uma carta aberta pelo profissional da saúde foi enviada à imprensa, na tarde deste sábado (28).

Leia na íntegra:

O DESCONHECIDO É ESSENCIAL AOS OLHOS

Chegamos a Israel depois de uma experiência inenarrável que levaremos tempo para esquecer, se é que esqueceremos. A ajuda do Governo do Estado, que volto a dizer, não tem obrigação legal de nos ajudar, mas a acessibilidade de quem faz o executivo imaginou que eu posso ter uma chance e ajudar não custa muito. 
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A ajuda veio também de forma implacável de parentes e amigos próximos e alguns anônimos que se envolveram com toda a confusão no intuito de ajudar. Agora, já deitado na minha cama de hotel, em Jerusalém, parei para refletir sobre tudo que aconteceu. Este evento não é uma simples demonstração de procura pela fama e em busca por uma boa causa jurídica.
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 Este evento na verdade, cabe sim o repúdio popular, das organizações civis do consumidor, de pacientes de qualquer circunstância e aquelas associações que cuidam da defesa de pacientes de qualquer natureza. Eu lamentei muito que as entidades ligadas a ELA não se manifestaram, isso só comprova a minha luta isolada e minha exclusão deliberada por parte destas instituições.
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 O que aconteceu foi realmente grave e as escusas que podem ser dadas não passam de um conjunto de letras microscópicas que aparecem na frente da nossa TV como se fossemos perfeitos idiotas, pois ali toda regra e qualquer promoção, qualquer medicamento ou qualquer beneficio se esconde como já diziam as organizações tabajaras.
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Deliberadamente os gerentes Luigi e Adriana não olhavam no meu rosto, nem nos meus olhos, tratavam de explicar à minha esposa, que já em desespero chorava aos prantos e não conseguia entender aquela situação de ignorância total. Quero lembrar a você que me lê nesse momento, que se você estivesse naquela aeronave não poderia carregar seu celular, nem o joguinho de seu filho, nem seu laptop, nem seu IPod, nem sequer uma escova de dente elétrica, ou seja, 11 horas de viagem sem alternativa.
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O bipap para quem não conhece é um compressor que capta e filtra o ar ambiente e transfere essa pressão para as vias aéreas, evitando que pessoas com ronco inconveniente e com apneia que tem a sua vida em risco, não tenham a oportunidade de se proteger durante uma viagem. Quem usa o bipap sabe do que estou falando. 
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Eu entrei em transe, me senti absurdamente humilhado. Durante boa parte da minha vida as pessoas paravam para me ouvir e pela primeira vez eu parecia não existir. Eu queria explicar que eu não dependo do bipap para viver, durmo sem ele, era apenas um conforto para que uma longa jornada fosse menos desconfortável. O pior de tudo foi perceber a cumplicidade dos funcionários que alegavam não ter tomada nenhuma no avião, mas após todo o transtorno, um funcionário chamado Leonardo disse que haviam tomadas na classe executiva, mas que não poderíamos utilizar o aparelho, somente a bateria. Ainda assim solicitamos upgrade para executiva sem nem saber dessa informação. 
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O gerente Luigi, após nos retirar da aeronave, de forma leviana informou que consultaria as empresas aliadas à Alitalia. Ele rapidamente voltou dizendo que outras empresas só levariam também no aparelho com bateria, o que não existe no mesmo. O máximo que pode precisar no aparelho é o break, como em qualquer computador. A palavra final do Senhor Luigi foi a seguinte: "A nossa empresa não leva esse tipo de paciente". Nem ele me pediu uma explicação médica e nem respeitou meu atestado, do meu renomado neurologista Dr. Fernando Gameleira. Eu gritei ininterruptamente por duas horas que olhassem no meu rosto, não fossem covardes e falassem comigo. Liguei pra uma promotora da justiça amiga nossa, porque a polícia federal disse não ser assunto deles. Já na ANAC uma funcionária loira e um negro alto de óculos, se ativeram a ouvir a explicação do gerente da Alitalia e disseram que este não era assunto de resolução deles.

Meu corpo se contraia por completo. Eu certamente descarreguei toda reserva de adrenalina e minha frustração aumentava ao perceber que minha voz não conseguia ser pronunciada, que eu não conseguia um movimento qualquer para atingir alguma daquelas pessoas.Contudo, nem com toda ajuda e carinho que tivemos da TAM consegui tornar a minha viagem confortável. Sofri muito com dores lombares e musculares, o que me levou a apelar para medicamentos. O resultado disto  foi um desmaio devido a queda de pressão e um atendimento médico de urgência dentro do avião. Graças a ajuda do grande Pai do Universo tudo conspirou para que chegássemos a Terra Santa, mas nada me tira da cabeça o desprezo, a insensibilidade e o preconceito. Fui tratado como um demente, não responsável legal por si próprio. Imaginei os índios, os negros, os nordestinos, os judeus, os especiais que sofrem o mesmo que  senti na minha pele e na minha alma.
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Quero agradecer a todas as manifestações de apoio, à imprensa, e quero anunciar que essa batalha não é só minha, mas de milhares de brasileiros que diariamente são tratados como lixo. Abrirei representação na Câmara, na Assembleia Legislativa, no Congresso, no PROCON, na ANAC, procurarei os órgãos de defesa do cidadão e o Ministério Público Federal, para que este ato de agressão diplomática a um cidadão brasileiro seja motivo de muita discussão sobre a verdade e a mentira no setor de aviação. Eu estou em Israel. Peço que levem essa mensagem aos lugares mais longínquos e as pessoas mais influentes que puderem. Vamos fazer essa revolução compartilhando entre os amigos.
 

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