Conversei, durante uma das edições do Jornal do Povo, na Rádio Jornal AM-710, com o engenheiro pós-graduado em Economia Adhemar Ranciaro, que é professor do curso de Economia da Universidade Federal de Alagoas. O bate-papo passou por diversos temas da economia alagoana e da atual situação vivenciada no país, em que se aponta para uma recessão, inflação amedrontando e alguns preços que já preocupam o consumidor, como é o caso da gasolina.
Ranciaro trata dos temas e mostra a sua visão de como tais questões podem influenciar na vida do brasileiro. Conversamos também sobre a estagnação econômica do Estado de Alagoas e a preocupação da atual pasta da Fazenda em tirar o Estado de uma situação de déficit estrutural – como afirma o secretário da Fazenda, George Santoro – de R$ 700 milhões. Segue o bate-papo.
Diante dos aumentos de preços que surpreenderam os brasileiros no início do ano, está o da gasolina. Em alguns locais, com comerciantes reajustando acima do que foi anunciado pelo governo. Um detalhe é que é o aumento de um produto que não influencia apenas na vida dos que possuem automóveis. Em que pode pesar isto na vida de todos os brasileiros?
A gasolina é um insumo utilizado na cadeia produtiva de muitos produtos. Por exemplo, todo produto que saia de algum lugar fora do Estado incorre em custos de transporte onde estão embutidos os custos da gasolina. Algumas indústrias vão utilizar isto – além do aumento da energia elétrica – para aumentar os seus produtos, repassando para o consumidor. Isto é lógico. Você tem outras situações em que este insumo também é utilizado. Então, no final das contas a maioria dos produtos que compramos tem a consequência do aumento do combustível em seu preço. É errado você afirmar por aí que só as pessoas que possuem automóveis e dependem diretamente da gasolina que vão sofrer. Às vezes quem nem depende diretamente é quem sofre mais.
Esta é a única consequência indireta ou ainda existem outras?
É bom lembrar que quando o preço do combustível sobe não é apenas o consumidor que arca com o aumento deste preço. O produtor também sofre com isto. Ele arca com uma parte diminuindo suas margens de lucro. Pode vir a ocorrer de ele ter que fazer novos arranjos na produção e isto pode acarretar também em desemprego. Então, na redução do trabalho nas empresas.
Outro ponto que tem preocupado as pessoas é a inflação. Somente em janeiro a taxa da inflação foi revista cinco vezes chegando à perspectiva de 7,1%. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem se esforçado para colocar as coisas no eixo com medidas. Estas medidas do ministro estão sendo as corretas neste momento?. É possível dizer que diante destas medidas a perspectiva é melhorar?
Bem, para responder isso é preciso falar um pouquinho do geral. A ideia é que tivemos no país um ciclo elevado de consumo, uma aceleração de crédito e chegou a época da vaca magra. Como chegou este período, a ideia é de que a quantidade de gastos e crédito seja refreada de certa forma para que o governo possa sanar as suas contas. As contas do governo impactam diretamente na nossa vida diária. O pessoal mais leigo não consegue dar a devida importância quando os jornais falam de superávit ou déficit do governo, mas isso impacta sobre agenda do mercado. Na vinda de investimento e saída de capital. Isto tem a ver com as medidas do Estado. O governo está realizado um ajuste de austeridade. Quer mostrar que vai incorrer em resultados positivos. Quer mostrar que vai ter mais receita do que despesas.
Então é o caminho correto?
Ele (o ministro) está partindo da premissa de que ele vai aumentar a receita e manter a despesa e não fazer uma redução tão grande na despesa. Com isto, incorre e superávit e mostra para os agentes do mercado o seguinte: “olha estamos fazendo o nosso dever”. Só que isto está sendo feito de que forma? A partir do momento que você começa a aumentar tributos, a tributar as pessoas, a capacidade produtiva acaba diminuindo, porque estes recursos serão empregados para aumentar receita de governo. O governo vai realocar isto para outros fins, que seja pagamento de juros de dívida etc. Quando o governo faz ajuste via aumento de receita ele tira o dinheiro das pessoas. É uma teoria. Eu particularmente não concordo com este jeito porque o governo federal tem muita gordura para queimar. Muitos gastos. Infelizmente, alguns destes gastos vai afetar direitos.
De quais direitos o senhor está falando?
Ele vai afetar direitos que a população conseguiu ao longo do tempo. Mas é preciso pensar em longo prazo que o direito de hoje pode implicar no esforço de amanhã. No gasto das próximas gerações ou que nesta próxima geração – só que mais no futuro – este momento vai chegar. Este momento chegou no Brasil. Esse é um problema.
Então, diante do que você fala, um dos passos seria mesmo falar de flexibilização de direitos trabalhistas. Por que veja bem, este é um assunto tabu, que fala de garantias conquistadas por trabalhadores durante anos. Pelo que você coloca seria necessário discutir algo neste sentido também no país? Flexibilizar leis trabalhistas poderiam ajudar na economia?
A CLT – leis trabalhistas – foi criada nos moldes da Carta de Lavoro de Mussolini, o ditador do facismo. A ideia era que você garantiria diversos direitos aos trabalhadores, mas no final das contas esses direitos acabam se refletindo – e até justificando – nos motivos pelos quais o brasileiro recebe um salário tão baixo. Imagine que você seja chamado para uma profissão, como um caixa de supermercado. Quem te contrata paga R$ 1 mil. Só que quando ela te paga isso, paga muito mais por você. Paga o dobro para fins de tributo junto ao governo. E você que é trabalhador vai receber R$ 1 mil e destes são descontado a previdência. Imagine que você receba R$ 900. Ele tinha mais de R$ 2 mil para te contratar, mas deste valor você só vai receber R$ 900. Quem sofre nas faixas de renda maior com o Imposto de Renda acaba com o salário reduzido. Este é um grande problema da legislação que a gente tem. Outra coisa são os custos trabalhistas associados a ações judiciais. Em muitos conflitos, há um viés de ganho de causa ao trabalhador. Este custo é embutido na expectativa do empregador, que já monta seus custos pensado nisto. No final das contas são contratadas menos pessoas e com salários menores para que o empregador tenha menos dor de cabeça no futuro.
Outro ponto da economia. Os jornais falam diuturnamente de alta de dólar, mas pouco se explica no que isto implica para a vida das pessoas que não estão nem aí para o dólar. Qual impacto disto na vida do cidadão comum?
Isso afeta em algumas coisas. Pode ter certeza. O dólar alto reflete em insumos da indústria que são utilizados para produção de diversos produtos que são cotados na moeda estrangeira. Você tem commodities que são cotados em dólar: petróleo, soja, milho. Então, a cotação do dólar vai influenciar nisto. Outra coisa: muitos insumos da indústria brasileira acabam sendo importado e é pago o valor do dólar na data vigente. Este custo vai estar em produtos que chegam para você no supermercado. São aumentos repassados parte para o consumidor e parte para reduzir a margem de lucro do produtor. Desta forma, o produtor também vai ter que arranjar sua produção para continuar vendendo. O desconforto é sempre o aumento dos preços.
E aquela pessoa que tem o dinheiro dela guardado. A poupança deixou de ser um grande negócio há muito tempo. Qual a melhor opção de investimento diante da situação em que o Brasil se encontra hoje?
Está complicado decidir isto neste momento. Um investimento seguro com o menor risco possível é difícil. Há investimentos de grande retorno, mas são arriscados. É preciso que o cidadão conheça o mercado e tenha traquejo para lidar com ele. Então, no caso, hoje – com esta escalada de juros – é possível buscar títulos do tesouro nacional. É uma hipótese. Os títulos são empréstimos para o governo. O governo paga daqui a 10, 15 anos um maior valor. Existem diferentes tipos de empréstimos que você faz para o governo. Eles são líquidos e você pode vendê-los a qualquer hora para outras pessoas. Pode ser um bom negócio para cobrir a inflação e receber uma gordurinha a mais.
Vamos falar um pouco de Alagoas. A Secretaria da Fazenda tem mostrado um cenário de um Estado quebrado diante do balanço que foi divulgado. O Estado que gasta mais que arrecada, com um déficit estrutural de R$ 700 milhões e um ajuste fiscal. Se o senhor fosse o secretário da Fazenda neste momento, quais medidas seriam as melhores para o Estado?
O problema ao lidar com Estados é que a margem de manobra para as unidades da federação poder lidar com suas finanças é muito baixa. Diferente da União, que tem liberdade maior para tratar da sua contabilidade. As unidades federativas têm uma série de obrigações impostas constitucionalmente e são de obrigatórias e reduzem margem de manobra para gerenciar as contas públicas. É muito delicado mexer e tentar fazer ajustes sem que elas sofram ou cometam ilegalidades perante a lei. É um grande problema. O poder é muito centralizado na União. Se você pegar Alagoas, uma parte da receita é das transferências constitucionais. O Estado acaba nem tendo margem ou liberdade para controlar direito as suas receitas. Algumas liberdades há em pequenas margens de alguns tributos. Mas de forma geral tanto as receitas quanto as despesas estão atreladas à legislação. Na verdade, os gastos com investimentos que seriam obras que fossem melhorar as condições de vida da população acabam tendo que vir mesmo de emendas parlamentares, transferências da União e convênios. O Estado não consegue obter via receita própria. É muito complicado lidar com o orçamento estadual e principalmente Estados como Alagoas.
O fato de Alagoas não ter diversidade econômica e ter historicamente dependido tanto do setor sucroalcooleiro piorou e muito isso ou não?
Aí entra em questões mais institucionais. Como alavancar uma economia como a de Alagoas? Olha, particularmente você vai ter opinião para tudo quanto é gosto. Economia não é uma ciência exata e tem várias formas de enxergar o problema. Na minha concepção, Alagoas – de certa forma – não seja atraente a alguns investimentos. O que precisa fazer é entender mais a fundo o regime institucional de regras com relação a investimentos externos. Que venham do resto do Brasil ou de fora para que Alagoas possa desenvolver um mercado mais pujante. Respeito ao contrato, a propriedade privada, interferência mínima do governo nas relações. São pontos que precisam ser mais estudado. Eu entendo que existem alguns problemas no Estado associados a questões tributárias, burocráticas. A burocracia aqui é muito grande para abrir uma empresa. Eu tenho um exemplo simples: para solicitar energia elétrica é uma burocracia infernal. Para tirar uma licença também. Teve um empresário aqui que quis montar um sistema de tratamento de água na empresa dele e a quantidade de licenças que ele teve que tirar era absurda. Ele estava buscando a melhoria, mas mesmo assim a burocracia e as taxas, as demoras, o custo de oportunidade, acabou prejudicando muito. Um primeiro olhar é para a desburocratização da tentativa de se empreender. Depois começar a olhar as regras de respeito a contrato e propriedade privada. Alagoas precisa desburocratiza a tentativa de se empreender para ter economia pujante.
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