Boas obras como as de Otto Maria Carpeaux, José Guilherme Merquior, Vilém Fluser dentre outros que desempenham suas funções de intelectuais sem ligarem para “policia de pensamento” e sem depender desta. Nascem, nelas, reflexões importantes sobre a realidade vivenciada pelo país. O mal da patrulha ideológica - seja de qual lado ela estiver, pois é um mal que vai além do mero conceito dos campos políticos de “esquerda” e “direita” - é impor, por meio do politicamente correto, o estreitamento do horizonte por meio das adjetivações simplistas. 

Ao contrário do pensamento sem estreitamentos de horizontes, das patrulhas nascem máximas como: se criticar o Bolsa Família é porque é contra pobre; se falar algo contra cotas é porque é racista, isto de imediato. Do outro lado também: qualquer crítica ao capitalismo já é visto como esquerdopatia, como se não houvesse intelectuais sérios no campo da esquerda. Há. Cito um que admiro: Ronald Dworkin. Citou outro: Bauman. 

Com efeito da discussão menor, um lado da questão sempre terá o monopólio das virtudes. Ao outro, o mal eterno condenado ao fogo do inferno terrestre que impede o nascimento do “paraíso na terra”. Temos vivenciado esta época de “polícia do pensamento” na atividade intelectual do país. Por vezes, reputações são destruídas sem nem sequer pensar nos que sofrem com isto e na dimensão que isto atinge. 

Repito: não se trata do maniqueísmo esquerda e direita. Por exemplo, reverencio Carpeaux mesmo discordando da visão que ele tem sobre a necessidade de se “cristianizar o Estado”, como mostra em Caminhos Para Roma (uma excelente obra, por sinal!). O debate ali produzido nos permite tocar em muitos pontos essenciais de questões atemporais da vida em sociedade e da solidão do indivíduo. 

Carpeaux faz críticas ferrenhas - vejam só! - ao liberalismo econômico, com as quais, mesmo sendo um liberal, comungo. Críticas a um sistema de lucro desenfreado que subjuga o ser humano à condição de mercadoria. 

Todavia, também faz críticas ferozes ao marxismo que são válidas. Mostra os erros das “profecias” de Karl Marx ao interpretar o mundo pelo único viés econômico colocando valores, Estado, religiões e tudo mais como uma “supraestrutura ideológica”. Leitura válida para que se tenha um debate a partir das ideias. Otto Maria Carpeaux precisa ser lido e relido. Um grande intelectual necessário ao Brasil atual que tem reverenciado a luz da salvação em meio a tanta bobagem sendo produzida atualmente. 

Um grande brasileiro, mesmo tendo nascido fora do país!

Diante de um “país esgarçado” - conceito que ouvi do escritor Laurentino Gomes, em uma conversa que tivemos - que só enxerga alternativas pelo azul ou pelo vermelho, mas sem entender ao certo quais os projetos representados nessas matizes que por vezes tanto se assemelham, há uma série de brasileiros entregando fácil suas almas ao sentimento de ódio que vem tomando conta das esquinas. Um ódio que nos segrega. Nordestinos versus sulistas; negros versus brancos; índios versus “civilizados” e por aí vai. 

Mas há bons sopros de ventos conduzindo a nau das incertezas. Entramos em uma importante fase de releituras históricas que nos apresentam visões múltiplas do passado. Precisamos sim desta revistação. Entender o passado é pensar o futuro. Do contrário, aceitaremos a mentira posta sobre o que passou como mecanismo de dominação do presente… e do futuro por parte de quem se acha no dever de contar a “história oficial”. Algo que - de forma brilhante - o escritor George Orwell já colocava em seu 1984. 

Nestas releituras - o leitor que me acompanha sabe o quanto me agradam! - já citei a trilogia de Laurentino Gomes (1808, 1822 e 1889), já citei a obra de Lira Neto sobre Getúlio Vargas, já citei até um pequeno livro de grande importância: Mentiram e Muito Para Mim do escritor Flávio Quintela. Um outro que nunca tinha falado, até porque o desconhecia, mas me deixou muito contente ao encontrá-lo, por acaso, jogado em uma mesa dentro de uma livraria: A História do Brasil Vira-Lata de Aurélio Schommer. 

Os primeiros capítulos desta obra já trazem os erros históricos - sem ligar para a patrulha ideológica - cometidos, por todos os lados do poder na época, com a questão indígena e faz o paralelo com o presente e com o futuro. E assim segue com outros momentos históricos que nos levaram ao coitadismo, ao vitimismo e a noção folclorizada que temos de povo. Somos um povo rico, gentil, generoso, solidário, bem-humorado, capaz de ri se si mesmo (o que é uma grande virtude) e que se reconstrói fácil por ser trabalhador e guardar sempre a crença e a esperança no futuro. Orgulha-me encontrar virtudes maravilhosas no sertanejo, no sulista, enfim…óbvio que temos defeitos, quem não os tem. No entanto, ressalto aqui qualidades que enxergo pensando em outra frase que escutei de Laurentino Gomes: “O Brasil vive um momento em que chama cada um dos seus cidadãos para construir o futuro. Somos um país continental e que sempre se manteve unido”. 

Gomes destacava esta unidade de uma forma tão lírica e rica, no bate-papo que teve com leitores aqui em Alagoas, que quem de lá saiu, saiu tomado pela esperança em dias melhores. Dias de pensarmos mais no que nos trouxe até aqui, dias de maior reflexão sobre o presente, dias de mais educação e menos ódio, dias em que de fato assumamos a responsabilidade para com o futuro e não para com a patrulha, venha ela de onde vier. Nossos erros são excelentes professores. Eis uma máxima irrefutável. 

No mais, expor-se ao contraditório é - sobretudo - uma forma de reforçar as convicções ou mudar de rumos em função de ser convencido por melhores argumentos. O contrário é sempre cegar-se. 

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