Hoje é o dia em que se comemora a Proclamação da República. Logo mais, aqui no CadaMinuto, será publicada uma entrevista com o autor de 1889, o escritor Laurentino Gomes que revisitou este capítulo da história e traz diversas curiosidades em sua obra.
Quis o destino – como chamará atenção a matéria – que ele participasse da Feira Literária de Marechal Deodoro justamente nesta data. Gomes é um desconstrutor de mitos. Todavia, mais que isto é alguém que tem deixado a História do Brasil mais acessível. Tem sido uma porta de entrada para escritores mais densos e tão necessários nos dias atuais.
Além da reportagem que entra no ar logo mais, tive a preocupação de gravar a mini-palestra que Laurentino Gomes concedeu aos leitores na Livraria Nobel. Transcrevi e compartilho com vocês por achar uma reflexão para os dias atuais.
O trecho que é a fala de Laurentino Gomes segue em negrito.
Se a gente fosse buscar - para se identificar - as principais mudanças do código genético de nossa história, provavelmente elas estariam nestas três datas: 1808 – a chegada da família real – 1822 – com a independência do Brasil – e 1889, diante da proclamação da República. São mais importantes que 1500, a chegada de Pedro Álvares Cabral, porque durante os 300 anos o Brasil foi apenas uma grande fazenda de Portugal. Uma fazenda extrativista.
Era um país isolado, analfabeto, marcado pela escravidão, pela falta de escolas, livros e jornais. Com a chegada da Corte – em 1808 – tudo isto muda rapidamente. D. João VI chega e precisa transformar o Brasil para continuar governador a partir da antiga colônia. Então, ocorre um processo de transformação tão rápido, tão acelerado!, que a consequência óbvia e natural seria 1822, que é a independência.
Não dá para entender a independência do Brasil sem olhar para trás. Estes 13, 14 anos anteriores em razão da presença da Corte. Há coisas boas. Por exemplo, o Brasil não se fragmentou neste período, ao contrário de outros. O país se manteve unido. Um país grande e de dimensões continentais ficou integrado. Eu vejo como um ponto positivo.
Este é um ponto positivo para ser lembrado hoje, quando a gente vê tanta besteira nas redes sociais pregando a separação do Brasil. Um Brasil que votou na Dilma e o outro que votou no Aécio. Isto é um absurdo. Isso é uma conquista do passado que precisamos preservar hoje.
Todavia, nasceram também problemas que nós precisamos corrigir. Esse foi o momento de muito “toma lá, dá cá”. Houve a partir daí muita promiscuidade na relação público-privada. Os ricos da colônia financiavam a Coroa, davam apoio político, e recebiam do rei títulos de nobreza e privilégios nos negócios públicos e privados e assim por diante.
Oliveira Lima – um grande historiador pernambucano de D. João VI – diz que foi o maior período de corrupção da História do Brasil. Mas vale lembrar que o Oliveira Lima morreu faz tempo, né? Essa comparação dele – em função do que vemos aí – ficou prejudicada. A partir de 1808, temos um período de também de crescimento da violência e agravamento dos problemas sociais no Rio de Janeiro.
Em 1882, a nossa independência ocorre de uma forma conservadora. Se a gente observar o projeto do José Bonifácio, ele queria não só um país independente, mas que abolisse a escravidão, educasse todo mundo, acabasse com analfabetismo, incentivasse a indústria e comércio e fizesse a reforma agrária gradativamente e nada disto aconteceu.
Então, o Brasil separou de Portugal, mas manteve a estrutura social vigente. Foi o último país da América a acabar com tráfico negreiro e a escravidão. O analfabetismo que – em 1808 – era de 99% da população, na Proclamação da República (1889) ainda era de 80%. O Brasil fez uma reforma agrária às avessas no século XIX, onde concentrou a propriedade da terra. Queria que os imigrantes se tornassem escravos brancos e não proprietário. O Brasil aboliu a escravidão, mas abandonou os escravos a própria sorte.
Então, são passivos históricos que nós herdamos. Hoje, muitos das dificuldades que enfrentamos, é em razão disto. Coisas que o país deveria ter realizado desde sua independência e não fez. O Brasil empurrou com a barriga uma série de problemas que se resolvidos naquela época teríamos alçado a um patamar de desenvolvimento.
O que eu procuro fazer – nos livros – é construir uma obra divertida, bem-humorada, com detalhes pitorescos em relação aos personagens, mas também tentando iluminar e mostrar as sombras desse passado que ainda nos atormenta. São fantasmas de coisas mal resolvidas que nos assombra neste presente. Um destes fantasmas é a nossa República. Uma República que prometia muito como participação popular, respeitar o direito do voto, respeito aos direitos civis, as liberdades individuais, mas que vem como uma ditadura, golpe militar, permeada por períodos de autoritarismos com pouca democracia.
É uma República que só recentemente realmente enfrenta o desafio de construir o futuro com participação de todos. Nossa democracia é um instrumento muito jovem. De 1984 para cá. Eu acho que a grande novidade na história do Brasil é esta democracia, que aos trancos e barrancos se mantém com muito custo.
Estamos observando agora um país esgaçado, muito radicalizado nas opiniões, muito intolerante, onde as pessoas não suportam a opinião do outro. Mas, ainda assim um aprendizado. Nós nunca tivemos a chance de fazer isto no passado. Daqui a 200 anos, quando um jornalista, ou historiador, se debruçar sobre este período e quiser olhar para o Brasil de hoje, talvez ele chegue a conclusão de que estamos vivendo um período tão transformador, tão rico, quanto foi o período da Corte e da Independência.
Estamos em um período inédito onde todos nós estamos sendo chamados para a construção do futuro.
Outro aspecto interessante é que a História vem servindo como a construção de uma identidade nacional. A história não serve apenas como viés de entretenimento, para observar o D. João comendo seus franguinhos e a rainha maquiavélica e tal. A História do Brasil tem uma função importante. Só olhando para o passado conseguimos entender quem somos hoje. É o conhecimento do passado que nos deixará bem mais preparado para construir o futuro.
Porque assim nós entendemos quem nós somos. Características, defeitos e virtudes. Só assim para tomar as decisões que este país está pedindo para nós tomemos na participação política. Não é por acaso que as pessoas estão lendo mais História do Brasil. Elas estão olhando para o passado para responder as perguntas que o Brasil está fazendo hoje. Quais são as decisões? Quais são as nossas prioridades? Bolsa-família ou não? Cotas ou não? São questões importantes que tem a ver com a forma como nós nos constituímos no passado. A História é construção e formação de cidadania e ensina as pessoas a respeitar o papel que a democracia brasileira está nos cobrando neste momento.
Laurentino Gomes , em Maceió, no dia 14/15/2014
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