Acessibilidade. Segundo o dicionário, o substantivo é qualidade do que é acessível, de tudo aquilo que tem acesso e facilidade na aproximação. O termo, apesar de claro, ainda não foi compreendido em sua totalidade em Alagoas, assim como em outros Estados, e quando o assunto diz respeito às pessoas com deficiências, o conceito é ainda mais restrito, resumido a portas e rampas. Para o presidente da Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas (Adefal), Luiz Carlos Santana, houve mudanças visíveis, por força da lei, mas as dificuldades ainda são muitas. Embora ressalte o avanço, o presidente também destaca que muitos direitos dos deficientes ainda não são respeitados.

De acordo com o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Nordeste é a segunda região com a maior porcentagem de deficientes entre a população, com 7,4%, atrás do Sudeste, com 9,7%.  Em Alagoas, são 3.120.494 (27,54%) pessoas com alguma deficiência, seja física, visual, auditiva ou mental. “Hoje, a população de deficientes é que mais cresce em todo o Brasil, mas a acessibilidade não acompanha este ritmo. Para muita gente, um lugar acessível é aquele que tem rampas e portas largas. Mas a acessibilidade vai bem além disso e representa o nosso simples direito de poder fazer tudo como pessoas normais, com o mínimo de ajuda possível”, ressalta Luiz Carlos.

O presidente da Adefal comenta que, além da rotina entre ruas e avenidas desestruturadas, uma das maiores dificuldades dos deficientes em Alagoas diz respeito à realização de transações bancárias e do acesso às agências. Segundo Santana, os bancos passaram por modificações em virtude de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto em 2008 pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF), mas afirma que ainda há questões irregulares, como é o caso dos caixas de atendimento. Ele também fala sobre a “falta de respeito por parte da população”, visto que muitas pessoas sem deficiência utilizam os poucos espaços reservados e adaptados à acessibilidade.

“Nem todas as agências têm caixas adequados. Em Maceió, por exemplo, são poucas. O maior problema é que os equipamentos, principalmente para os cadeirantes, são em altura irregular, que nos obriga a ficar em posição desconfortável para poder acessar o teclado da máquina e até para ver a tela. Além disso, temos que ficar com a cadeira de lado, pois não há espaço para que possamos nos aproximar completamente do caixa. Os balcões de atendimento também não são acessíveis. Normalmente estão em altura superior à posição da cadeira, o que dificulta o atendimento”, disse Luiz Carlos.

Outro problema diz respeito aos deficientes auditivos e visuais. Segundo o presidente da Adefal, as agências não estão preparadas para atender esse público, pois não têm pessoal capacitado. “A lei obriga os bancos a disponibilizarem intérpretes, mas isso não é visto, obrigando o deficiente a depender completamente da ajuda de outra pessoa para realizar a transação bancária, que é algo tão particular, já que envolve dados pessoais. A maiorias das agências também não têm caixas adaptados aos deficientes visuais, sem teclas em braile. As pessoas têm que entender que acessibilidade não é só porta larga e rampa, mas sim a garantia do atendimento em sua totalidade e uma comunicação adequada”, reforça o presidente.

Sobre o atendimento automático, Luiz Carlos observa que a assistência funciona de acordo com o horário comercial dos bancos, o que consideravelmente é normal, mas torna-se uma dificuldade, já que em outros períodos, como finais de semana, o deficiente depende da ajuda de outra pessoa, familiar ou amigo, ou pode deixar de realizar a sua operação se não tiver alguém para auxiliar, visto, também, que as agências não são preparadas para que o portador realize a transação sozinho, independente da sua deficiência. O correto, segundo o presidente, seria que o atendimento fosse permitido em sua totalidade, tornando-se de fato acessível.

A situação também é alvo de crítica por parte do Sindicato dos Bancários de Alagoas. À reportagem, o presidente da entidade, Jairo França, afirmou que, de fato, as instituições não são preparadas para este tipo de atendimento, os bancários não são capacitados e a estrutura ainda não é adequada. “O bancos dizem que são acessíveis, mas a Adefal aponta o problema que realmente existe e pode ser visto. Entre uma instituição que diz que cumpre a lei e outra que vê a situação de perto e sente a necessidade, dou voz ao discurso de quem realmente sofre com isto, que são os deficientes”, disse França.

Jairo França, presidente do Sindicato dos Bancários de Alagoas

TAC

O TAC foi proposto pelo MPF nacionalmente a todas as agências credenciadas à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em 2008. Em Alagoas, o cumprimento do termo ganhou força graças ao trabalho da procuradora da República Niedja Kaspary, que, desde 2003, quando passou a atuar no Estado, tem se dedicado às causas sociais referentes aos direitos do cidadão, estando os deficientes entre os públicos pelo qual desenvolve seu trabalho.

Kaspary ressalta que a ação foi nacional, mas destaca que no Estado foi iniciada a partir de uma representação feita por meio do site do MPF de Alagoas, onde um portador de deficiência, identificado por Carlos Roberto da Silva Silveira, de São Paulo, fez um pedido à Procuradoria para que sejam cumpridas as exigências conforme prevê a Lei 10.098/2000, popularmente conhecida como a Lei da Acessibilidade.

Na representação, o deficiente trouxe um relato sobre a sua experiência no Estado e detalhou o que diz a lei. “Solicito que aceitem esse pedido como uma representação. Sei que poucos estão preocupados com esta legislação. Eu trabalho no Sindicato dos Vigilantes de São Paulo, mas o pessoal dá pouca atenção ao assunto. Por esse motivo estou solicitando tal providência. O mesmo texto vou enviar para outros Estados onde há representação do MPF”, disse Silveira na denúncia feita pelo site.

Segundo explicou a procuradora, entre a série de recomendações, o TAC exigiu das agências a adequação arquitetônica e de equipamentos eletromecânicos das instituições de acordo com o que prevê a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a adaptação do mobiliário, instalação de assentos preferenciais, destinação e sinalização de vagas reservadas nos estacionamentos, instalação de sanitários adaptados, adaptação de caixas automáticos para todas as deficiências.

A fiscalização e levantamento nas agências foi realizado pela Superintendência Municipal de Controle do Convívio Urbano (SMCCU) de Maceió, por meio da Comissão de Acessibilidade, que, a pedido da procuradora, detalhou os problemas nas instituições. Em relatório, a comissão informou que: nenhuma agência apresentava o certificado de acessibilidade emitido pela Prefeitura de Maceió, nenhuma possuía equipamento de autoatendimento acessível aos cadeirantes, não possuíam telefone de atendimento adaptado para comunicação com e por pessoas com deficiência auditiva, não possuíam sanitários adequados, não possuíam pessoal capacitado para atendimento nem intérpretes e, quando tinha profissioal exclusivo, este afirmava que não dominava a linguagem estudada, não possuíam mobiliário adequado nem local específico para atendimento, o tempo de espera era considerado longo, a sinalização inadequada, os espaços para embarque e desembarque, quando tinham, não passavam por manutenção.

Niedja Kaspary, procuradora da República

 

Segundo Niedja Kaspary, o período para adaptação foi de, em média, um ano e, após isto, todas as agências que firmaram o TAC cumpriram o que estava previsto e o processo foi arquivado. O procuradora lembra, ainda, que outra recomendação neste sentido já havia sido feita. Em 2003, assim que chegou em Alagoas, a procuradora recomendou a adequação da acessibilidade nos prédios públicos federais.

“A questão da acessibilidade é um problema nacional. Em Alagoas, a situação já mudou muito. Antes, era impossível um cadeirante acessar a escola que estudava. Hoje, apesar dos problemas ainda existentes, foram feitas modificações que facilitaram a vida destas pessoas, mas ainda há muito o que se fazer. É um trabalho de formiguinha. Mudou, talvez não da forma nem na velocidade em que desejo, mas mudou”, disse a procuradora.

Ela acrescenta que, assim como fez o deficiente Carlos Roberto, outras pessoas também podem podem colaborar denunciando por meio do site do MPF (http://www.pral.mpf.mp.br/), indo à sede do órgão, situado na Avenida Juca Sampaio, 1800 (próximo ao Forum), no Barro Duro, ou enviando correspondência ao mesmo endereço, com CEP 57.045-365. Sobre o TAC, a procuradora ressaltou que, apesar de arquivado, a qualquer momento, a partir de uma representação, o processo poderá ser reaberto para a aplicação de multa por descumprimento.

Kaspary encerrou a entrevista fazendo um apelo à população em relação ao respeito às vagas exclusivas em estacionamentos. “É uma falta de respeito o que acontece nos estacionamentos de Maceió. Além da falta de fiscalização, as pessoas utilizam de espaços que são exclusivos aos deficientes e idosos por pura comodidade, por serem mais próximos do acesso aos locais onde estacionam. Se por um lado falta acessibilidade, falta estrutura, por outro também falta respeito da população, um fato vergonhoso que só vem de encontro aos nossos esforços para mudar esta situação”, completou.