Quem precisa de atendimento de urgência e emergência em hospitais públicos e privados em Alagoas sabe que a paciência é a companheira inseparável. Não há como prever o tempo de espera nas unidades de saúde espalhadas pelo estado e, em muitos casos quando a única saída é recorrer ao serviço oferecido pelo setor público, a situação é ainda mais calamitosa.
Ter um plano de saúde poderia ser a garantia de atendimento eficaz, rápido, disponibilidade de médicos e satisfação do paciente. O que se percebe é que nem mesmo desembolsar mensalmente grande parte da renda da família para manter o plano consegue espantar a dor de cabeça.
E o que falar da rede pública? O retrato é ainda mais desastroso. Necessitar do atendimento é, em muitos casos, fazer uma verdadeira peregrinação e sem a certeza de conseguir encontrar a solução para o problema. Casos não faltam e sempre são notícias em Alagoas.
Grávidas em trabalho de parto que precisam sofrer, ainda mais, com o descaso. Idosos que muitas vezes morrem sem conseguir marcar a consulta ou realizar um simples exames. Pais desesperados que perdem o controle ao ter o filho febril nos braços e não encontrarem nos hospitais especialistas adequados para fazer o diagnóstico.
Em Maceió, esse sofrimento pode estar com os dias contados. Um projeto de lei, que recentemente foi aprovado por unanimidade na Câmara Municipal de Vereadores, visa estabelecer um prazo máximo de espera nas unidades de saúde públicas e privadas, tanto nas urgências como nas emergências. No entanto, o cidadão ainda não deve comemorar. Após a aprovação, o projeto segue para as mãos do prefeito de Maceió, Rui Palmeira (PSDB) que pode sancionar ou vetar.
Muitos falam em polêmica envolvendo o projeto de lei de autoria do vereador Silvânio Barbosa (PSB), que defende sua iniciativa afirmando que a ideia surgiu após conversar com cidadãos, enquanto visitava algumas unidades de saúde no Benedito Bentes. “Não vejo um projeto polêmico, mas um projeto que visa ajudar o cidadão. Não há um cidadão para criticar. Foi justamente baseada numa proposta de um morador do Eustáquio Gomes, que me questionou o porquê de não apresentar um projeto que regulamentasse os hospitais atender a população num tempo rápido de 15 a 20 minutos. Achei o tempo curto e por isso estendi para até 50 minutos”, explicou o parlamentar.
Pelo que consta no projeto, em caso de emergência, o tempo máximo de espera é de 30 minutos (em dias normais e finais de semana), e de 40 minutos em feriados e vésperas de feriados. Em casos de urgência, o limite aumenta para 50 minutos nos dias normais e uma hora em vésperas de feriado. Na justificativa do PL, Barbosa alega que a demora no atendimento é um dos graves problemas do Sistema Único de Saúde (SUS), mas não entra em detalhes sobre os possíveis impactos da lei no sistema de saúde público e privado.
“O cidadão passa por um desespero tão grande, um desrespeito do serviço público e como se não bastasse isso, quem paga um plano de saúde para ser atendido imediatamente, leva-se horas para ser atendido. Isso num plano particular. Imagine o serviço público, como, por exemplo, acontece no mini pronto-socorro do Benedito Bentes. O cidadão chega às sete horas da noite e 1 da manhã não é atendido, e tem dias que você chega a esperar mais de 12 horas e não consegue atendimento. O SUS já repassa mensalmente milhões de reais ao serviço público de saúde estadual, municipal, para que eles possam prestar um serviço de saúde de qualidade. O cidadão não pode, seja ele do público ou privado, estar a procura de um médico, de um exame, de um clínico, de um pediatra, de uma sutura e levar horas para ser atendido. Como percebi esse desrespeito à humanidade, eu vim estabelecer o projeto de lei onde pudéssemos limitar o tempo de espera para que pudesse reduzir e melhorar o atendimento nas unidades de saúde de Maceió”, defendeu Silvânio Barbosa.
Segundo Barbosa, caso os hospitais não cumpram a lei, o Ministério Público pode estipular, para o serviço público, que seja instaurado um processo administrativo sob a unidade de saúde, aplicando-se as medidas de suspensão do gestor, para que possa ser reparado o porquê do descumprimento.
Veto ou sanção?
No dia da aprovação do projeto de lei na Casa de Mário Guimarães, o CadaMinuto já adiantou que é quase como certo o veto do prefeito Rui Palmeira, apesar da expectativa dos usuários do sistema de saúde público e privado pela aprovação do projeto. Isso porque matérias similares aprovadas no parlamento mirim já foram vetadas pelo chefe do Poder Executivo Municipal.
Exemplo foi como ocorreu no primeiro semestre deste ano. O prefeito vetou o PL de autoria da vereadora Heloísa Helena (PSOL), que obrigava as empresas de ônibus a reduzir o tempo de espera dos passageiros nos pontos e terminais no máximo 20 minutos. A prefeitura alegou a inconstitucionalidade do projeto para justificar o veto, além da impossibilidade de estabelecer prazos diante de imprevistos como acidentes de trânsito e questões como aumento da frota ou do fluxo de veículos em uma determinada região.
Já em outubro do ano passado, um projeto de autoria do vereador Dudu Ronalsa (PSDB), limitando em 20 minutos o tempo para atendimento nos caixas dos supermercados, também foi vetado pelo Executivo após ser aprovado na Casa de Mário Guimarães. E é o que deve acontecer com o PL de Silvânio Barbosa, já que uma medida como esta pode esbarrar em inúmeras justificativas da prefeitura.
No entanto, o entendimento do parlamentar é contrário. “Caso haja o veto é lamentável, porque ele está vetando o atendimento à saúde do cidadão. Espero que o prefeito não faça isso e que como ele é uma pessoa do meio do povo, da sensibilidade humana, ele perceba a importância de se ter dentro da cidade de Maceió unidades de saúde atendendo a população o quanto mais rápido possível, assim o prefeito possa valorizar o cidadão de Maceió, possa sancionar o projeto e aplicar as medidas necessárias dando condições”.
Barbosa ainda discorda quando se taxa o projeto de polêmico e afirma que as prerrogativas de prefeito há como contratar servidores, ampliando o número de trabalhadores que sirvam à saúde e ao cidadão que depende do serviço de qualidade. “Dinheiro para isso ele tem. Condições para isso ele também tem. Ele só faz o veto se ele não tiver competência e capacidade de adotar os mecanismos capaz de colocar uma saúde eficiente em Maceió. Dizer que não vai ter como atender, estimular a violência, que o povo vai começar a criar problemas, comprometer os atendimentos, isso não é desculpa, não é solução”.
Outro problema questionado pela reportagem ao vereador é quanto à deficiência de servidores no município, já que muitas vezes a espera está ligada a falta deles nas unidades de saúde. Para Silvânio Barbosa, o município precisa fazer um censo para verificar onde está cada trabalhar e assim colocá-lo nas unidades, trabalhando à disposição da população. “Outra solução seria a contratação da reserva técnica da saúde, de um concurso que já passou de dois anos, mas teve uma prorrogação de mais dois anos. Vamos colocar esses servidores à disposição do maceioense nas unidades de saúde para atender com condições eficientes, com responsabilidade. O que falta é o município procurar os seus servidores para trabalhar em função da população”.
Outro PL também voltado à saúde e que deve ser votado em pouco tempo na Câmara é sobre mecanismos adotados em várias cidades que disponibiliza à população os nomes dos plantonistas, a especialidades deles e o horário. “É o projeto de fixação da tabela com esses dados, porque muitos pacientes reclamam que quando chegam ou não se tem o especialista, nem se sabe o horário de atendimento, ou mesmo há casos de servidores que não dão atenção necessária aos pacientes. Vai ser mais um projeto polêmico, porque todo o projeto em defesa do povo, onde o beneficiado é o povo, aquele que necessita das questões de saúde, tudo é polêmico. O problema é que não é bem visto pelo poder público”, concluiu.
Cidadãos apóiam, mas eficácia do projeto é questionada
Que a ideia de limitar a espera no atendimento em hospitais é bem vista e seria uma solução para parte do caos vivenciado no sistema público não há o que questionar. A opinião é compartilhada pela vendedora Renata Barbosa, que sem plano de saúde ainda depende de hospitais públicos.
Casada e mãe de uma garotinha de três anos, Renata afirma que nunca precisou vivenciar situações de desespero em filas para atendimento, mas que teme esse dia chegar. Para evitar passar por problemas com a filha, ela resolver ter um convênio com plano de saúde e mesmo assim ainda relata que certa vez a criança adoentada e com muita febre chegou a ficar minutos intermináveis a espera de atendimento num hospital particular.
“Se quando você consegue pagar um plano de saúde a situação é complicada, imagine para quem não tem. Felizmente, nunca fui vítima dessa espera interminável, mas como sabemos que o sistema de saúde no Brasil, como um todo, é ineficaz prefiro não arriscar com minha filha e garanti o plano de saúde dela. Agora quero fazer o meu e do meu marido. Notícias de situações tristes nos chegam diariamente, e tenho a certeza que essa lei seria bem vista por todos os cidadãos caso seja sancionada”, colocou.
Mas uma fala do jovem chama a atenção. Ao parabenizar a iniciativa e a aprovação da lei pelos vereadores, Renata Barbosa lembra que não adianta uma lei ser sancionada se não houver uma fiscalização rigorosa. “Existem várias leis que entram em vigor, mas que no final das contas de nada servem porque não há fiscalização. Se isso acontecer, então nada adianta. Que haja limite na espera e que também haja fiscalização e punição em caso de descumprimento”, finalizou.
E é justamente este o ponto que o advogado especialista em Direito do Consumidor, Marcelo Madeiro, vê fragilidade na lei em caso de sanção do prefeito. Ao CadaMinuto, Madeiro explicou que não há inconstitucionalidade na lei, mas que o projeto poderá cair na ineficácia pela falta de um órgão específico no município para fazer a fiscalização.
“No caso do particular, ou quando nos referimos ao Estado, o Procon é o órgão fiscalizador. Mas no município não existe esse órgão o que acarretará numa lei onde as penalidades não poderão ser aplicadas rigorosamente, pela falta de quem possa fiscalizar o descumprimento”, explicou Madeiro.
O Procon estadual, segundo o advogado, já vive assoberbado e não consegue finalizar muitos casos que chegam com a rapidez necessária. “Imagine se cada município aprovar uma lei dessas e o Procon tiver que atuar nesses casos. Já há o atendimento de casos por vários municípios e com mais esse volume seria impossível fazer a lei valer e vigorar da maneira adequada”, acrescentou.