Cerca de 13 milhões de brasileiros sofrem de algum tipo de doença rara, segundo pesquisa recente da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa). De acordo com o médico oncologista Dráuzio Varella, “rara é um termo que se aplica às doenças com cinco casos diagnosticados para cada grupo de dez mil habitantes. Cerca de 80% delas são de origem genética, o restante engloba tipos raros de tumor ou alterações imunológicas e reumatológicas. A idade dos progenitores é um dos fatores que pode estar relacionada ao aparecimento dessas enfermidades”.
Esse tipo de doença, em sua maioria é diagnosticada tardiamente e pertence a um universo composto por quase 10 mil males do gênero. O especialista em doenças raras do Ministério da Saúde (MS), João Gabriel Daher, afirma que muitas enfermidades começam a apresentar sintomas num período crítico para o início do tratamento.
“É extremamente comum os pais falarem que, quando pequenos, os filhos pareciam 'normais'. Ainda assim, algumas características podem ajudar na hora do diagnóstico. Fique atento, por exemplo, se a criança demora mais para sentar, caminhar ou demonstra atraso marcante para começar a falar. A falta de especialistas e centros dedicados agrava os obstáculos na busca por diagnóstico. Muitos testes, inclusive, precisam ser enviados ao exterior. Temos 156 médicos geneticistas em todo o Brasil, sendo que a OMS preconiza um para cada 100 mil habitantes. Há uma defasagem de cerca de 3 mil especialistas em genética. Se na região Sudeste há carência, imagine nas outras regiões do país”, esclarece Daher.
Doenças não estudadas
A dona de casa Neuza Alcântara teve um gestação normal quando ficou grávida da última filha, que foi diagnosticada com fenda palatina assim que nasceu, mas a avó da menina percebeu, quando ela tinha apenas seis meses, sintomas que não eram característicos da doença.
“Cristina era molinha, não nos encarava, não aprendeu a falar e à medida que foi crescendo passou a apresentar comportamentos típicos dos autistas. Tratamos ela como uma autista comum por 17 anos, até que um psiquiatra se interessou pelo caso e descobriu que além do autismo ela estava inserida nos números de uma síndrome raríssima, sem estudo algum no país”, explicou a comerciante Danielle Alcântara, filha mais velha de Neuza. Nem Danielle, nem sua mãe têm certeza sobre o nome da doença até hoje.
A dor e a angústia de um filho enfermo não se manifestam de maneira diferente dentro das classes sociais que compõe a sociedade brasileira. Ricos e pobres sentem-nas do mesmo modo. O que pautam as divergências são as perspectivas de cura (se existirem) e de tratamento ou acompanhamento, quando houver necessidade. No caso de crianças que nascem com algum tipo de doença congênita, esse amparo deveria ser inegociável e se estender também às famílias, principalmente àquelas sem acesso às informações que ajudarão a lidar com o problema e a insegurança que do parto em diante serão companhias diárias.
Cristina faleceu em fevereiro de 2009. Estava cega e muito machucada. Passou a vida inteira se auto-flagelando (sintoma da doença). Seu caso foi diagnosticado como o 10º no mundo e primeiro no Brasil. “Ela passava a maior parte do tempo acordada, se debatia muito, quebrava coisas dentro de casa, sentia dores de cabeça tão fortes que se jogava contra a parede. Nossa família não era normal. Era uma casa barulhenta, vivia suja e não tínhamos privacidade. Todos éramos doentes. Minha mãe saía para trabalhar e eu tinha que leva-la comigo onde quer que eu fosse. Pelo caminho ela ia recolhendo os papeis que achava no chão, cantando e rodando, imersa num universo que era só dela. Em 2007, minha irmã começou a perder a visão e os movimentos dos membros e órgãos, até ir embora desse mundo onde ela nunca esteve, de fato”, Danielle relata.
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