Durante reportagem especial do último domingo (1), o Fantástico investigou graves denúncias que envolvem programas de distribuição de água em caminhões-pipa no Nordeste. Em Alagoas, a equipe constatou a má qualidade da água, além de denúncias que indicam que oficiais e ex-oficiais do Exército cobram propina de caminhoneiros para que seja realizada uma fiscalização menos rigorosa.

Para a investigação, a equipe de reportagem percorreu durante dois meses os estados de Alagoas, Pernambuco, Piauí e Bahia e constatou a má qualidade da água e os prazos de entrega que raramente são respeitados. Durante este período foram encontrados “tanques imundos, água contaminada e entregas que nunca chegam”.

A equipe presencia ainda a venda de um tanque de combustível. Por lei, quando o tanque esgota a sua vida útil deve ser destruído para que nada seja transportado.

“Tanque para combustível jamais pode ser usado para armazenar ou transportar água. Sempre vai causar problema de saúde. Inacreditável a cor da água”, afirma Anthony Wong, toxicologista da Faculdade de Medicina da USP.

Distribuição

O principal responsável pela distribuição de água no semi-árido brasileiro é o Exército, que coordena a "Operação carro-pipa". São 835 cidades, em nove estados, totalizando quase quatro milhões de pessoas.

Este ano, o governo federal já gastou mais de meio bilhão de reais nesse programa, que conta com cerca de seis mil "pipeiros", como são chamados os caminhoneiros que distribuem a água. Cada um recebe do Exército um pagamento de até R$15 mil por mês.

Um dos pipeiros contratado pelo exército, sem saber que estava sendo gravado, assumiu que o tanque dele já armazenou combustível e era subterrâneo, ou seja, ficava debaixo das bombas de gasolina.

De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal, nos últimos dois anos, já foram identificados 70 caminhões-pipa suspeitos de transportar água em tanques que já armazenaram combustível. Esses veículos prestavam serviço para o Exército e também para estados e prefeituras.

A superintendente da Polícia Rodoviária Federal de Alagoas, Vera Lúcia Pretto, afirmou que foi feito um relatório com o levantamento de veículos de transporte de combustível e encaminhado para o Ministério Público. “Nós fizemos um relatório de todo o levantamento e encaminhamos para o Ministério Público”, diz Vera Lúcia Pretto Cella, superintendente da Polícia Rodoviária Federal de Alagoas.

Em Palmeira dos Índios foi encontrado um tanque, ainda com terra, num posto desativado. Segundo o dono do tanque, outros veículos já tinham sido vendidos para seu utilizado para carregar água na operação-pipa. No entanto, para entrar no programa do Exército, o tanque tem que ser modificado numa oficina e lavado com sabão para tirar “as sobras do combustível”

O engenheiro e professor da Faculdade Saúde Pública/USP. Pedro Mancuso,explica a gravidade da situação. “Você não pode lavar um caminhão e achar que ele está bem. A água vai estar contaminada e não é adequada para o consumo humano”, explica Mancuso.

Quem bebe dessa água pode ter diarreia e até câncer. “Pode provocar tumores em qualquer órgão do corpo: coração, pulmão, fígado  principalmente, baço”, afirma o toxicologista.

Epidemia

Entre maio e agosto, houve uma epidemia de diarreia em Alagoas. Foi a única registrada no Brasil nos últimos 10 anos: 131 mortes, e um total de mais de 52 mil casos.

Durante a epidemia, não foram feitos testes para detectar combustível. Mas os laudos apontaram que a água estava contaminada por fezes e bactérias.

“A água que está sendo transportada pelos caminhões-pipa e a qualidade desses caminhões-pipa, com certeza, foram preponderantes para essa epidemia de diarreira”, afirma Micheli Tenório, promotora de Justiça.

Propina

De acordo com o Ministério Público, existem denúncias que indicam que oficiais e ex-oficiais do Exército cobram propina de caminhoneiros. Segundo as acusações, dando dinheiro, o motorista consegue ser contratado e passa por uma fiscalização menos rigorosa: o veículo é liberado para o serviço, mesmo sem condições.

“Se chegar ao fim e ao cabo dessas investigações e que tudo indica, nós chegaremos nessa conclusão de que houve esse episódio lamentável de propina, de corrupção, isso é realmente repugnante”, afirma Michelini Tenório, promotora de Justiça.

Veículos com pneus carecas e a placa adulterada passam pela vistoria do Exército.  

Suspeita de fraude

De acordo com o Fantástico, a empresa Wash Service ganhou duas concorrências públicas do Exército para distribuir água. Entre 2012 e 2013, já recebeu mais de R$ 4,2 milhões. Mas, no lugar onde seria a sede da empresa, em Maceió, não há nenhuma placa de identificação e ninguém foi encontrado.

 

*Com informações do Fantástico