“Quando estamos fora de uma determinada situação, pouquíssimas vezes conseguimos enxergar o sofrimento do outro e olhar para trás. Embora mesmo ficando sensibilizados com alguns fatos, quando realmente enfrentamos o problema, começamos a criar uma perspectiva melhor não só para você, mas de ajuda para o outro também”. O depoimento é de Daniel Barbosa, 29, que saiu da lista de espera para receber a doação de um rim e se prepara para o transplante. A conquista de Barbosa é aguardada com muita expectativa por mais de 342 alagoanos inscritos na lista de espera para o transplante de rins.
Na semana nacional de campanha de doação de órgão, o Ministério da Saúde afirmou que o número de doadores dobrou nos últimos 10 anos, patamar conseguido devido à intensificação das campanhas de incentivo à população. Em 2011, com uma crise de edema pulmonar, Barbosa descobriu que precisaria de transplante de rins para manter a função do órgão, que é filtrar o sangue do organismo. O paciente lembra que, durante os primeiros meses de tratamento da hemodiálise, a adaptação na alimentação e o afastamento do emprego foram as principais mudanças sofridas na sua rotina diária.
“A mudança de vida foi radical. Tive que me adaptar para fazer a hemodiálise três vezes por semana, e com isso a empresa me colocou em beneficio. Além disso, a minha alimentação mudou completamente, não posso tomar muito líquido, nem comer todo tipo de comida. Quanto mais liquido você toma, vai acumulando e com o tempo vai parando de urinar”, relatou Barbosa, lembrando que as atividades físicas também ficaram comprometidas.
Emocionado por receber o órgão do irmão, o paciente afirma que para terminar com o tratamento da hemodiálise existe apenas duas chances. “Ou você recebe o transplante ou recebe uma graça muito grande para que os rins voltem a funcionar”. O irmão de Barbosa realizou o teste de compatibilidade após a segunda crise dele, onde ficou internado por mais de uma semana. “Nós dois estamos nos preparando para o transplante. Antes de receber já estou com uma ótima sensação pelo doador ser meu irmão. Isso é um gesto grandioso demais, pois sabemos que tem muitas pessoas quem tem irmãos compatíveis, e nem todos se prontificam”, ressaltou.
Ao ser indagado se antes da doença ele era um doador de órgãos, Barbosa garante que não havia analisado e pensando na questão, mas a doença lhe ajudou a enxergar a vida de outra maneira. “Após o processo de recuperação, vou buscar me dedicar a ajudar pessoas que precisam de assistência médica”.
O trabalho da Central de Transplante
No estado são realizados apenas transplantes de rins, córneas e coração. De acordo com a lista da Central de Transplantes de Alagoas, existem 59 pessoas a espera do transplante de córnea e uma para coração. No primeiro semestre do ano, foram realizados sete transplantes de rins, sendo três intervivos, e 26 de córneas. A assistente social da Central de Transplantes, Kelly Brandão, afirma que o número de doações de córneas tem aumentado e o tempo de espera para realizar o transplante, diminuído.
Segundo ela, há alguns anos uma pessoa aguardava cerca de uma década para conseguir o transplante de córnea. “O maior número de pessoas abordadas é no Hospital Geral do Estado e, graças a sensibilidade das pessoas, conseguimos reduzir para seis meses o tempo de espera na lista para córnea”, afirmou a assistente social, acrescentando que apenas no HGE existe uma equipe especializada para abordar as famílias para falar sobre a doação.
Kelly explica que, pela Legislação Federal, todo hospital com mais de 80 leitos deve ter umaComissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT). De acordo com ela, o papel da Comissão é abordar as famílias após a confirmação do óbito para que elas digam sim para doação. “Estamos tentando implantar essa comissão na Santa Casa e no Hospital dos Usineiros. No momento da dor, a família não vai lembrar de dizer que quer doar os órgãos do familiar. Tem que haver um profissional que esteja fora da situação para sensibilizar e oferecer oportunidade da doação”, ressalta.
A assistente garante que, para aumentar o número de transplantes, os hospitais precisam intensificar o trabalho de notificação para a Central de Transplantes. Segundo ela, a Central não pode desenvolver o trabalho de abordar as famílias sem ter conhecimento sobre o estado de saúde do paciente.
Sobre o transplante de outros órgãos – fígado, pâncreas, tecidos, medula óssea e outros - o coordenador da Central de Transplante, Carlos Alexandre, afirma que o estado não tem um hospital geral especializado que possa abrigar a estrutura de um centro de transplante grande porte, como existe nos estados vizinhos de Pernambuco e Bahia. “Para ter esse centro aqui no estado, o interesse tem que partir dos hospitais, sejam eles filantrópicos ou particulares. Os critérios exigidos pelo Ministério da Saúde não são muitos, mas tem que ter uma estrutura mínima”, frisou o médico.
Mesmo conhecendo as dificuldades de algumas pessoas para se deslocar para outros estados, Alexandre não classifica como grande a falta da realização desses transplantes em Alagoas. O médico garante que a demanda dos outros órgãos aqui é pequena. “É muito mais simples e rápido utilizar uma estrutura já montada e preparada, do que montar essa estrutura e não ter muita demanda”.
O médico destaca que a distribuição da demanda não é exclusiva de Alagoas. Segundo ele, a carência existente em Sergipe segue para Bahia, a do Piauí segue para o Ceará e outras seguem para Pernambuco. “Mesmo não tendo essa estrutura, temos projetos no estado para realizar transplante de medula óssea e pâncreas, pois a demanda vem crescendo gradativamente”, salientou.
Seja um doador e salve vidas
Para Kelly Brandão o ato de conversar com familiares sobre o desejo de ser um doador é muito importante. Segundo ela, quando a família sabe que aquele parente tinha o desejo de ser um doador e expressou isso ainda em vida, a abordagem da Comissão de Transplante fica muito mais fácil.
“Esse é o primeiro passo para doação, não precisa deixar nada por escrito. Doação após o falecimento, só parente até segundo grau pode autorizar. O que precisa ter hoje é mais informação do doador em expor o seu desejo para família. O transplante é um procedimento de alta tecnologia, mas se não houver o ato de solidariedade da família em dizer sim para doação isso não irá acontecer”.
A afirmação da assistente social é expressa pelas doadoras Isabelle Rocha e Laudiane Fernandes junto aos seus familiares. Empresária de 35 anos, Laudiane garante que decidiu ser doadora desde que entrou na fase adulta e não contou com a influência de ninguém. “Foi uma inspiração divina. Sempre converso com o meu esposo e com amigas sobre o assunto, e deixo clara a minha vontade. Tenho comigo a certeza de que depois que morrer de nada vai servir o meu corpo, mas posso ajudar a aliviar o sofrimento de famílias que podem salvar seus membros queridos. Não passei nada parecido, mas, se passasse gostaria que alguém me ajudasse”, relatou.
A advogada Isabelle Rocha diz que a vontade de ser doadora começou com um gesto pequeno, a doação de sangue. Aos 37 anos e mãe de uma menina de cinco anos, Isabelle conta que na sua família todos sempre conversaram abertamente sobre o tema. “Minha filha está crescendo já conhecendo a importância de ajudar o próximo. Sempre fui 100% emocional e acho que devemos ter, acima de tudo, amor pelo próximo. Sempre tive o positivismo em casa de ajudar as pessoas e levamos isso as outras gerações”.
Uma doença silenciosa
A Doença Renal Crônica (DRC) é uma das enfermidades que mais causa mortes no Brasil, ao lado do Acidente Vascular Cerebral (AVC) e do Infarto do Miocárdio. De acordo com especialistas da área, um em cada dez adultos brasileiros possui algum tipo de doença renal, sendo que a grande maioria desconhece essa situação.
Por ser considerada uma doença silenciosa, muitas pessoas somente procuram os médicos quando a doença está em um estado avançado, tendo que se submeter assim a diálise. É preciso estar atento aos sintomas indiretos da doença, como a pressão alta, sangue na urina, inchaço nas pernas e no rosto, náuseas, vômito, anemia (palidez), hábitos noturnos de urinar, mal estar e infecções urinárias recorrentes.
Os especialistas apontam que para a prevenção é recomendada a redução no consumo de sal, gordura e de produtos industrializados, sejam eles doces ou salgados. O uso irregular de remédios como antiinflamatórios também deve ser evitado.