Os pouquíssimos leitores do blog que assino jamais haviam lido neste espaço uma poesia ou um texto mais melódico, digamos assim. Não que eu não goste, nem faça. Mas porque é preciso, acredito, ter muita coragem para expor e tornar público sentimentos e pensamentos que, se não forem verdadeiros, o autor é um excelente ator, qualidades que não tenho, definitivamente e infelizmente.

A poesia que publico abaixo é de autoria de Murillo Rocha Mendes. Aos 79 anos e viúvo há quatro, vive uma danada de uma intensa saudade da mulher que amou e viveu desde a adolescência.

Agora, embora tenha saboreado a vida e o amor com a intensidade que lhe é característica, parece não ter mais planos para o futuro. E dá pra entender os motivos: Sem o amor da vida, os olhos fraquejando, o coração batendo descompassadamente, a audição se indo e as proibições para prazeres como atividade física e a gula.

O interessante sobre ele é como construiu a poesia abaixo, que mais parece uma despedida. Uma forte virose que afetou os intestinos e que ainda perdura teimando em esvair suas energias e sua paciência.

Para Murillo Mendes - um homem sempre de atividades intensas como secretário de Fazenda, Educação, deputado federal e Procurador -Chefe do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas - as limitações da idade e a falta da mulher amada tornam a vida, o aqui e agora, apenas um instante que o separa do reencontro com Celina, seu amor, passado, presente e futuro.

Espero que gostem.

Palavra e Promessa

                                                              Murillo Rocha Mendes

 

Meus olhos estão morrendo...

acomodados, moribundos

sem o vislumbre de novos projetos

vazios, opacos

sem a alegria dos áureos tempos

 

Meus olhos estão morrendo...

fugidios, passivos

sem a magia das fantasias

dos sonhos e das conquistas

contemplativos, presos no infinito

perdidos e acorrentados no horizonte

 

Meus olhos estão tristes...

evasivos, tíbios, sem rumo

fixos nos desvãos do imensurável

sem brilho, acorrentado no passado

sem olhar e ver o aqui e agora

conformados, submetidos

à finitude que se avizinha

 

Meus olhos estão vivendo...

a percepção da vida eterna

a crença na infalível Palavra

a renovação de votos e promessas

de eterno amor

na certeza

(com a graça de Deus)

da redenção do ansiado reencontro

com minha sempre amada companheira

esposa amantíssima e amiga solidária

 

Meu inquieto cérebro ancorou...

(ou encalhou?)

no vazio tedioso do nada

nas fortalecedoras lembranças do pretérito

que o mantém suplicante e diligente

nutrido na fertilidade da fé

aceitando e compartilhando a Promessa

vivo na fortuna de assentadas esperanças

as mais ansiadas e salvíficas