O cientista político Rodrigo Leite traz um texto em seu blog abordando um tema sobre o qual muito comento nas redes sociais. Leite - com quem já conversei em uma das edições do Blog do Vilar Ao Vivo - consegue ser “cirurgicamente preciso” em relação ao maniqueísmo de algumas discussões que trazem a versão do “golpe azul” e do “golpe vermelho”.
Apresenta em seu texto o fanático que anda sempre com a razão. Por consequência, o ser que não erra e está sempre pronto para lhe tirar da escuridão alienada e te levar sabe-se lá para onde. Ler o texto de Rodrigo Leite me fez ainda lembrar do Poema em Linha Reta do escritor português Fernando Pessoa.
Por vezes, me vejo recitando mentalmente quando me deparo com alguns fanáticos da pós-modernidade líquida, como diria Zygmunt Bauman. Mas, enfim...o texto de Rodrigo Leite fala por si só. Quem quiser ler mais textos do cientista político encontrará aqui.
Segue o texto abaixo.
Estou no twitter: @lulavilar
SUA EXCELÊNCIA o FANÁTICO POLÍTICO DO GOLPE
Rodrigo Leite
Cientista político
Comparados aos jornalistas, os cientistas políticos são bem-aventurados. Nesse clima de protestos, enquanto o jornalismo (trato aqui do jornalismo político) tem a responsabilidade de informar uma furiosa sucessão de fatos, os cientistas políticos têm a chance de correr para a cama quentinha da teoria. Politólogos podem observar os fatos duma distância longínqua, bem ali naquelas fronteiras que separam o empírico do filosófico. Triste daquele que num dia como hoje precisa escrever um texto de três mil caracteres em tempos que os tweets mais perspicazes têm validade de quinze minutos. Faz um texto sobre a constituinte! – Não tem mais constituinte; Faz um texto sobre a PEC-37 que estava ali! – Qual? O gato comeu.
Por outro lado, a ciência também não é essa calmaria toda. Talvez seja tempo de rever minhas posições teóricas. E se rolar uma crise de paradigma? E se Karl Popper atacar novamente? – nesse caso, a derrocada de minha teoria predileta é tão certa quanto o terremoto que vai destruir Los Angeles. Pois é, Mário Quintana, a esperança é um urubu pintado de verde. Tenho mais de trinta e preciso achar minha turma. Já decidi. Gostoso mesmo é ser fanático. Fanático não erra. Fanático está sempre certo. O universo simbólico do fanático sempre arranja no meio do caos uma bóia que salve o seu delírio. Para além dos fatos, para além da ciência, para além do universo. O fanático é foda.
Na panacéia que o Brasil está, jornalistas, políticos profissionais, sociólogos, donas de casa estão perplexos – exceto o fanático. Há várias espécies de fanatismo. Eu escolhi ser um fanático político. O fanático político falando do golpe é minha versão preferida. Para essa categoria O Golpe de Estado que se avizinha é uma realidade, aconteça ele ou não. O fanático goza sadicamente com a hipótese do golpe. O fanático luta decidido contra O Golpe, mas sua apoteose é O Golpe. Há uma delícia depravada em soltar o grito ainda preso: Eu já sabia!!! Eu avisei!!!
Você pode escolher ser um “Fanático Político do Golpe” nas cores vermelha ou azul. Eu prefiro a cor vermelha, não que haja nenhuma superioridade em relação ao azul, não vou gerar polêmicas que eu não sou disso, mas eu sempre gostei mais de Gabriel Garcia Marquez do que de Mario Vargas Llosa. Todos deveriam amar o fanático político do golpe, ele não tergiversa, não tem trololós, não-me-toques ou rapapés. É fácil brincar com ele: basta dar cinco minutos de atenção que ele começa a gritar: Fascista, Golpista, Reaça. O azul, por seu turno grita: Comuna, Gayzista e PTralha. O adjetivo “canalha” é item de série nas duas versões.
O mundo está muito confuso. Só o fanático é ilustrado. Por isso que gosto de debater com eles – dureza mesmo é agüentar os perdigotos.