Um piscar de olhos. Esse simples ato do ser humano pode ser o bastante para se presenciar muitos contrastes. Lixo e luxo, belezas naturais e poluição, segurança e violência, satisfação e reclamações. Todas essas situações podem ser facilmente encontradas no bairro de Cruz das Almas, que fica situado numa área considerada nobre de Maceió. Ao mesmo tempo que tem grandes empreendimentos e cartões postais, o local assusta moradores e visitantes que comprovam o abandono de um bairro cheio de histórias para contar.

Neuryland Moraes Mendes, tem 65 anos e 45 deles foram vividos em Cruz das Almas, bairro onde criou filhos e netos e segundo ela, viveu grandes momentos da vida. “Quando eu cheguei por aqui tudo era muito diferente. Tinham poucas casas, poucas lojas, quase nada. A gente sabia que um dia iria crescer, mas imaginávamos que ganharíamos com todo o crescimento. Criei meus filhos, estou educando meus netos, mas, infelizmente, nada do que a gente pensava aconteceu”, disse, com saudosismo, a moradora. 

O local onde mora a aposentada Neuryland Moraes é um dos mais inusitados e críticos de Cruz das Almas. Isso porque, se sair na porta de casa, pode ver o mar, bem como se olhar para o outro lado, verá um sistema de tratamento de água, ponto que virou foco de mosquito da dengue e fedentina, além de terrenos baldios que viraram ponto para acúmulo de lixo e encontros de usuários de drogas. “Chega a dar desgosto. A gente é refém dentro da própria casa. Não pode ficar muito na porta por causa do fedor do “Riacho do Ferrugem” e desse marginais que usam drogas aqui, praticamente na porta de casa, à qualquer hora do dia”, lamenta.

De acordo com um funcionário da Casal, que opera a casa de bomba do sistema de tratamento e preferiu não se identificar, apesar do esforço para manter a vala limpa, o volume de água e dejetos é grande. “Eu faço o que eu posso, tento tirar toda sujeira que passa mesmo com o tratamento, mas, o volume é muito grande, vem da parte alta da cidade”, disse.

Sem iluminação, sobra insegurança

A presença de moradores de rua e usuários de drogas em vários terrenos baldios espalhados pelo bairro é apenas um detalhe. Cruz das Almas é um bairro que é iluminado no seu entorno, mas, o coração do bairro e várias ruas a iluminação é precária. Recentemente, a prefeitura fez um investimento na troca de postes e lâmpadas por toda a cidade, mas, boa parte da região ainda não foi atendida. No final de 2012, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), iniciou a instalação do sistema de câmeras de segurança na capital, justamente pelo bairro de Cruz das Almas.

Na oportunidade, o secretário Dário César foi questionado sobre a presença das câmeras e a falta de iluminação, mas afirmou que este não seria um problema. “Essas câmeras têm um alcance muito bom. Além disso, estamos avaliando toda a situação de iluminação junto a prefeitura para que fique tudo dentro do padrão”, afirmou.

Apesar do sistema de segurança, a presença de viaturas se dá, na maioria do tempo, nas principais vias, já que o Bairro de Cruz das Almas está entre a Avenida Gustavo Paiva que liga o bairro ao Centro da cidade e o litoral, além de estar contemplado pela orla marítima. Para o comerciante Genival Fernandes [que mora no bairro há 4 anos, mas que possui uma mercearia há 10], a possibilidade de se mudar para outro bairro já foi cogitada devido às dificuldades de moradia, da violência e dos prejuízos que acumulou no decorrer dos anos.

“Sempre gostei de morar aqui, mas ultimamente só tenho prejuízo. Já fui assaltado três vezes, reclamei, fiz Boletim de Ocorrência e nada. Não posso parar um caminhão para descarregar, porque as ruas estão todas desse jeito, esburacadas. Quando chove, a água entra na minha loja, é prejuízo para todos os lados. Como posso sobreviver assim”, afirmou.

Além da situação precária quanto a presença da Polícia Militar, vale lembrar que o bairro ainda tem uma delegacia de polícia. Porém, neste caso, a Polícia Civil só faz diligências deste que sejam investigativas ou em ocorrências de crimes.

Empreendimentos contrastam com o abandono de ruas

Mesmo com todas as dificuldades presenciadas no bairro, o que salta aos olhos é o contraste que pode ser visto na região. Cruz das Almas é um bairro cercado por uma bela praia, grandes hotéis, considerados entre os melhores do Nordeste, faculdade, escolas e a construção de um novo shopping, o maior e mais moderno de Maceió.

Acompanhando esse crescimento, vias estão sendo construídas para facilitar o trânsito na região. A primeira a ser inaugurada foi a Pierre Chalita, que liga o bairro da Serraria ao conjunto São Jorge, Barro Duro, Jacarecica, Cruz das Almas e litoral norte, onde foram aplicados R$ 10 milhões. Em fase de construção, a nova Avenida que liga a Juca Sampaio no Barro Duro à Gustavo Paiva em Cruz das Almas, terá o investimento da prefeitura no valor de R$ 7,7 milhões, para facilitar a mobilidade urbana na região.

Por fim, outra obra que vai interferir diretamente no dia a dia dos moradores do bairro, também terá ligação com o desenvolvimento na região, será a pavimentação da Avenida Pilar, principal via do bairro, que tem início na Avenida Gustavo Paiva e segue até a praia. Nesta obra, a prefeitura fará o investimento de R$ 250 mil, para que fique pronta até o final de agosto, caso a chuva não atrapalhe. 

Além de assinar a ordem de serviço, o prefeito Rui Palmeira ainda confirmou que haverá um trabalho redobrado, junto aos governos estadual e federal, para que todas as ruas do bairro estejam concluídas até o final do ano. “Cruz das Almas é um bairro que tem uma riqueza de cultura, belezas naturais e grandes empreendimentos. Então, nada mais justo que proporcionar aos moradores o cuidado devido com essa região que tanto cresce”, disse o prefeito Rui Palmeira.

Porém, nem tudo é prosperidade estrutural e econômica. O bairro também apresenta grandes problemas de saneamento básico deficiente, ruas esburacas e intransitáveis. Em 2008, no início do segundo mandato do então prefeito Cícero Almeida, a mesma Avenida Pilar, que não era calçada, mas era transitável, passou por um serviço inicial de pavimentação, que não foi finalizado e prejudicou toda a população.

O funcionário público aposentado, Cláudio Pereira, vive no bairro há 16 anos e nunca viu situação tão delicada como nos dias de hoje. “Não vou dizer que o bairro era perfeito, mas era habitável. A antiga administração chegou, talvez com boa vontade, mas deixou desse jeito, um lixo. Tenho uma mãe de idade, que tem problemas de saúde e para sair de casa para ir ao médico, é um sufoco, por conta dessa situação”, disparou.

Investimentos e abandonos a parte, o maior destaque do bairro de Cruz das Almas é o seu cartão postal, a praia. Reduto de surfistas, a orla é abandonada e tem movimento apenas durante o dia. A noite, mesmo com a iluminação reforçada, não é a adequada. Além disso, o abandono geral do bairro, forçou os comerciantes a deixarem os bares da orla e seguirem para outros locais e ramos.

Funcionando plenamente, em toda extensão da orla de Cruz das Almas, apenas dois restaurantes e uma banca de revista, que se junta ao pequeno movimento na principal praça do bairro, a “Ganga Zumba”, que foi revitalizada, mas tem poucos visitantes, uma vez que a segurança e movimento na região é precário.

Outro ponto claro de abandono é o terminal de ônibus do bairro. Cruz das Almas recebe e libera ônibus para as mais diversas regiões da capital alagoana. Porém, o ponto de chegada e partida está cada dia mais castigado. Além das interferências do tempo, sol e chuva, a falta de conservação praticamente destruiu o ponto. Guaritas e banheiros sem condições de trabalho e a sujeira se espalhando pelo local, afastando os usuários.

Em contato com o superintendente da Secretaria Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), Tácio Melo da Silveira, a nova administração municipal segue com projetos de revitalização do transporte urbano de uma forma geral, passando pela licitação dos ônibus, reforma e construção de novos terminais. “Estamos há seis meses no cargo e os primeiros meses servem para ações emergenciais e planejamento e neste caso, estamos cuidando da situação do transporte urbano de Maceió que não é nada fácil. Mas, os casos mais críticos terão prioridade”, afirmou.

Esperança dos moradores 

Estruturado no seu entorno e abandonado no “coração”, o bairro de Cruz das Almas continua localizado em uma área nobre, mas, desperdiçado pelo abandono do poder público. Quem sofre com isso são os moradores, que mesmo assim, acreditam na volta de dias melhores. “A gente sabe que é difícil mudar tudo muito rápido. Eu as vezes perco as esperanças. Mas, eu espero que pelo menos os meus filhos consigam viver aqui onde nasceram e cresceram, mas viver de verdade, num lugar bom de se morar”, afirmou dona Neuryland, a aposentada que se criou no bairro e viu filhos nascerem, crescerem e deixarem Cruz das Almas pela deficiência e falta de oportunidades.

Um bairro que tem história

Tudo começou com uma rua às margens da rodovia de acesso ao litoral Norte de Alagoas. As casas foram surgindo, construiu-se a igreja e, a partir da década de 50, o pequeno povoado transformou-se em um novo bairro de Maceió. Assim é Cruz das Almas, que triplicou sua população nos últimos 20 anos, com a abertura de novas ruas em demanda à praia e a construção de edifícios   de apartamento e dos hotéis.

Cruz das Almas ainda conserva o seu antigo povoado, quando para ir de lá ao Centro da cidade, era necessário muito sacrifício. Tem a igreja, a escola, o posto de saúde e algumas casas antigas, formando um centro cortado pela rodovia e formando uma praça, com ponto de ônibus. O restante de bairro é todo moderno, com muitas  mansões  e edifícios de apartamentos.

Foi também em Cruz das almas que se construiu o primeiro conjunto habitacional da Cohab, na década de 70.   São dezenas de casas, a maioria já remodelada, que formam várias ruas com nomes dos municípios alagoanos. Depois, o Ipaseal construiu  o Conjunto Residencial Dom Adelmo Machado, com prédios de apartamentos.

O bairro fica entre o morro e o mar. Muitas das ruas ainda não receberam pavimentação, mas dispõem de água canalizada e iluminação pública, precárias.