No tênis de cadeira de rodas, Esther Vergeer tornou-se uma das lendas do esporte. Com sete ouros paralímpicos, 470 vitórias consecutivas e 10 anos de invencibilidade, a holandesa trilhou umas das carreiras mais vitoriosas de um atleta profissional. Com tantos recordes, a tenista decidiu reavaliar seu futuro e anunciou a aposentadoria em fevereiro. Em entrevista ao Estado, Esther conta seus motivos de decidir dar adeus às quadras e como foi lidar com a perda do movimento das pernas aos 8 anos de idade, ainda uma menininha. Humilde, diz que nunca se sentiu imbatível e que o tênis paralímpico a fez encontrar o seu caminho.

Como você se sente por suas conquistas?

Eu me sinto orgulhosa. Olhando para trás, para toda a minha carreira, me sinto muito orgulhosa por tudo o que conquistei, por tudo o que eu fiz. Tive uma carreira incrível e que me deu muito prazer e alegria. Eu percebia a cada dia que podia viajar o mundo, que podia conhecer pessoas maravilhosas, ir a lugares maravilhosos. Eu acho que sou muito sortuda por poder ter feito isso.

Tem algum título que você considera mais importante?

O título ou o jogo que mais se destaca para mim é provavelmente o da medalha de ouro em 2008 nos Jogos Paralímpicos (em Pequim). Eu estava atrás em um match point, quase perdendo o ouro e encontrei força mental para mudar o jogo e vencer. Acho que esse foi o mais marcante.

O que a motivou por tanto tempo?

Minha maior motivação foi ter a minha equipe sempre ao meu redor e o fato de sempre estar buscando alguma coisa para melhorar. Esportes para deficientes e tênis em cadeira de rodas são tão novos e ainda têm muito a ser desenvolvido em termos de treinos, diferentes fontes de treinadores e culturas, mas também em material e equipamentos. A cada momento encontravámos algo que poderíamos melhorar.

Você um dia achou que ficaria tanto tempo sem perder?

Não, não. No início, quando eu comecei a ganhar alguns jogos, é claro que você não pensa. Depois de alguns anos as pessoas começaram a falar e veio o número 100 e 200 e cada vez as pessoas comentavam o quão inacreditável isso era. Mas não, nunca havia pensado antes que isso poderia acontecer e ainda acho um pouco extraordinário ou estranho de que isso tenha sido possível.

Em 10 anos sem perder, você se sentia mais confiante ou às vezes mais insegura?

Eu me sentia insegura muitas vezes. Muitas pessoas pensavam que eu era muito confiante, que eu não tinha dúvidas. Mas eu tinha muitas dúvidas, tinha dúvidas sobre meu tênis, sobre o que as pessoas esperavam e o que elas diriam. Em muitos momentos, convivia com dúvidas.

Alguma vez passou na sua cabeça que você era imbatível?

Não, não, não. Eu sempre pensei e sempre disse a mim mesma que sou apenas um ser humano e que poderia ser batida a qualquer hora. Cada vez que entrava em quadra, tinha consciência de tudo o que poderia acontecer. Eu só tentava sempre ser melhor do que na última vez e estava sempre trabalhando duro para ser a melhor jogadora de tênis. Se trabalhasse duro o suficiente, jogaria meu melhor tênis e alguém poderia ser melhor do que eu e a derrota poderia acontecer. Mas no meu caso isso nunca aconteceu (risos).

Qual você acha que era seu segredo, afinal, foram 10 anos sem derrota?

Eu ainda me divertia jogando tênis e trabalhava duro todos os dias. Se tivesse um objetivo na minha cabeça, lutava por ele dando 150% de mim. É claro que também havia a equipe que criei ao meu redor, sempre me apoiando.

Por que você decidiu se aposentar agora?

Depois da Paralimpíada de Londres, eu estava assim: ‘Ok, já tenho sete medalhas de ouro agora, quais são meus novos objetivos?’. Eu não conseguia achar meus novos objetivos no momento. Então, comecei a perceber que havia uma vida após o tênis. Comecei a criar outras coisas interessantes além do tênis. No início era apenas uma coisa emocional que estava passando depois de ganhar mais uma medalha de ouro, mas depois de alguns meses eu não tinha aquele sentimento, aquela urgência de querer voltar às quadras. E foi um sinal para mim que talvez era hora de escolher uma nova carreira, de traçar novos objetivos fora das quadras de tênis.

E o que você pretende fazer agora?

Eu não tenho um plano exato do que quero fazer. Uma certeza é que quero ficar mais envolvida em minha fundação, que ajuda crianças com deficiências a praticarem esporte. Eu quero trabalhar na Holanda, mas também descobrir o que posso fazer internacionalmente. Quero ficar mais envolvida nesse mundo, dar muitas palestras e ver o que consigo desenvolver nessa área. E, como diretora de um torneio (ABN MRO weelchair tennis), gostaria de ver quanto ele pode crescer.

Você lembra de seus objetivos quando começou a jogar?

Quando era jovem, nem sabia que havia um ranking mundial. Quando comecei, só queria me divertir no tênis. No esporte, eu encontrei alguma coisa que poderia ultrapassar limites, achei meu novo eu com minha deficiência, pude descobrir quem era e o que podia fazer. O principal motivo quando comecei era que me divertia, me sentia confortável e bem com aquilo, não era porque gostaria de me tornar número 1 do mundo. Isso veio uns cinco anos depois de ter começado, quando as pessoas começaram a me falar que era talentosa, que tinha um dom. Então, comecei a perceber que talvez pudesse me tornar número 1 e isso se juntou aos meus novos objetivos.

Você pode me contar um pouco da sua história e como foi lidar com isso?

Eu tinha oito anos quando passei por uma cirurgia nas costas. A cirurgia não correu bem e quando acordei estava paralisada. É claro que para uma garotinha foi muito difícil lidar com isso. Meus pais, minha família, meus amigos continuaram me tratando normalmente e a Holanda tem ótimas instalações. Eu não me senti diferente dos meus amigos e foi dessa forma que tentei lidar com isso. Tinha momentos muito difíceis em que algumas coisas não eram fáceis nem divertidas ou que não podia mais fazer. Mas por causa do meu ambiente e do esporte, as duas coisas combinadas, me fizeram perceber que tinha muitas possibilidades e me ajudaram a desenvolver meu novo eu, a criar mais autoconfiança, mais independência.

Por que você escolheu tênis de cadeira de rodas?
 

Era um dos esportes que havia sido introduzida durante meu período de reabilitação. E adorei, amei o jogo. Em um esporte individual, você pode escolher o jogo, quem quer enfrentar, com quem deseja treinar, com quem quer trabalhar. Gosto dessa independência.

Hoje em dia, quem é seu tenista favorito?

Eu sou uma grande fã de Roger Federer. Ele é um dos meu heróis. Eu o admiro como atleta, como jogador de tênis e como pessoa fora das quadras.