Ela brinca, corre, pula, estuda e vive muito feliz como uma criança normal, mas Bruna Moreira Albuquerque Ferreira, de 5 anos, está entre a estatística de casos inusitados. Ela tem o coração do lado direito do tórax, assim como todos os outros órgãos também são invertidos.
Quando Bruna completou um ano e três meses, a família descobriu que a pequena tinha condição congênita, mais conhecida pela medicina como SitusInversusTotalis. Apesar de assustar, a garota não tem nenhum problema de saúde em decorrência dessa alteração na localização dos órgãos.
Essa diferença foi identificada pela Avó, Flora Regina Gomes, e pela mãe, Monique Moreira Gomes, de 28 anos. De acordo com Monique, no início o medo era muito grande. “Fiquei assustada quando ainda era suspeita que o coração dela batia do lado contrário, até que durante um banho de Bruna minha mãe disse a mesma coisa. Em outra ocasião recebemos a visita do médico, Felipe Omena em nossa casa e pedimos que ele verificasse. Após identificar, ele afirmou que tinha 99% de certeza que o coração dela era do lado contrário”, disse.
Bruna, mãe e avó foram orientadas a procurar um médico especialista. “Fomos numa pediatra e ela pediu que fosse realizado um eco cardiograma, onde foi possível observa a localização do coração. Ficou comprovado que era do lado direito, foi pedido outro exame, um ultrasson que também confirmasse a inversão dos outros órgãos”, disse Monique Gomes.
Condição não é impedimento
Um caso muito raro, oSitusInversusTotalis é uma anomalia que faz com que a pessoa nasça com o coração do lado direito do tórax, mas essa condição não impede que Bruna faça qualquer atividade. Assim confirma sua pediatra Maria Irene Monteiro, que está na profissão há 23 anos, e cuida de Bruna desde quando ela tinha 1 ano e 3 meses. “Ela nunca vai ter nenhum problema em decorrência disso, os órgãos funcionam completamente normal. A única diferença é que se encontra em lados contrários”, disse.
De acordo com a pediatra, ela desconhece outro caso de SistusInversusTotalis aqui em Alagoas. “Bruna veio para uma consulta normal e quando tentei escutar o coração do lado esquerdo não tinha. Essa é uma condição congênita hereditária muito rara e não tem repercussão clínica nenhuma, ou seja, ela não vai ter doença em decorrência disso”, afirmou.
A inversão pode ser ainda parcial, quando é apenas a inversão do coração, ou pode ser o SitusInversusTotalis, quando são todos os órgãos, como é o caso da Bruna, que é uma condição ainda mais rara. “Esta anomalia congênita, um defeito que não traz clinicamente nada, não precisa de tratamento e, na grande maioria das vezes, as pessoas só descobrem quando escutam as batidas mesmo. Eu nunca tinha visto, essa foi à primeira vez”.
A causa dessa condição é explicada pelo gene recessivo. “É hereditário, os filhos dela podem ter ou não. O gene é recessivo, é como olho azul. É importante que as pessoas que estão perto dela saibam da inversão, porque em um caso de acidente isso pode ser perigoso. Ao invés do médico estar apalpando o fígado, está no baço, é tudo trocado”, explica a pediatra Irene Monteiro, acrescentando que a probabilidade para que a mãe, Monique, tenha outro filho com o SistusInversusTotalis é de 25%.
Caso para estudo
Bruna Ferreira tem orgulho em dizer aos amigos e familiares que é diferente. Em entrevista a equipe de reportagem do CadaMinuto ela afirmou que nunca deixou de fazer nada por conta disso. “Falo para todo mundo que tenho o coração do lado direito”, disse a pequena de cinco anos de idade.
Para um procedimento cirúrgico Bruna teria que ser estudada, pois a anatomia ainda era desconhecida entre alguns médicos. “Não foi nenhuma intercorrência durante a gestação. Se deu na fecundação mesmo, quando juntou os genes”, completa a pediatra Irene Monteiro.
Medicina explica
Na medicina existe ainda casos de pessoas que levaram um tiro do lado esquerdo, mas não morreram pelo fato do coração se encontrar do lado contrário e ter o pulmão perfurado. Para o cardiopediatra Benício Romãoessa, a condição não é nada assustadora. “Essa condição faz com que a pessoa tenha o fígado do outro lado, o apêndice que é do lado direito fica do lado esquerdo. Muitas vezes as pessoas têm uma dor de apendicite, mas o médico não dá o diagnóstico correto e acha que é outra coisa por estar do lado contrário”.
Em alguns casos, o SitusInversusTotalis vem acompanhando de outra cardiopatia: “como alterações nas câmaras atriais, mas quando não vem associado a nenhuma outra cardiopatiadejunte, quer dizer, de mistura do sangue venoso com o arterial e não tem nenhuma outra má formação associada, é simplesmente uma pessoa que nasceu com os órgãos invertidos e assim tudo dela é trocado. Isso é genético, mas tem um componente hereditário”, explicou.
A estatística diz que um para cada 10 mil nascidos tem o SitusInversusTotalis e por isso é considerada uma doença rara. Em 95% dos casos, as pessoas transcorrem em uma vida normal. “Eu tenho quatro casos de SitusInversusTotalis e um deles tem problemas respiratórios, bronquite alérgica, mas na maioria das vezes não possuem nada. Seguem uma vida normal com prática de exercício”, enfatizou Benício Romão.
Existem gêmeos que são considerados “espelho”, por apenas um possuir o SitusInversusTotalis. “Porque ele é na verdade o espelho do outro e isso realmente acontece”.
Caso nacional
Um outro caso divulgado recente foi o do adolescente de Ribeirão Preto, São Paulo, que também tem SitusInversusTotalis. Foi o caso do gêmeo Guilherme Guimarães, citado em entrevista como se um fosse o reflexo do outro. O médico geneticista João Monteiro de Pina Neto, do Hospital das Clínicas (HC) de Ribeirão Preto, explica que a anomalia é rara.
A mãe dos gêmeos, Gleycelene Couto Guimarães, conta que descobriu a diferença entre os filhos somente após um exame pedido pelo pediatra. “Quando bebês, eu até trocava as mamadeiras, eles eram iguaizinhos. Foi bem depois que ficamos sabendo que o Guilherme tem ‘SitusInversusTotalis’, que quer dizer que foi gerado um espelho do Matheus, com todos os órgãos do lado direito”, explica.
Adolescente ou adulto
A equipe da reportagem também entrou em contato com outro cardiopediatra, e ele contou que algumas pessoas que possuem o SitusInversusTotalis descobrem apenas quando já se encontra na fase adulta. “Na maioria dos casos eles descobrem quando adolescentes ou adultos, porque essa é uma situação assintomática, ou seja, não tem sintoma. Eles descobrem porque um dia alguém precisa examinar e identifica que o coração não esta no lugar, que deveria, ou faz um eletrocardiograma ou eco cardiograma”, expôs Ivan Romero.
“Uma paciente identificou apenas aos 35 anos de idade, após um exame e ela não possui nenhuma diferença para quem descobre assim que nasce. Existe ainda médico cardiologista que nunca viu uma pessoa com SitusInversusTotalis”