Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) defenderam nesta terça-feira que o Ministério Público (MP) investigue o suposto envolvimento do ex-presidente Lula com o esquema operado pelo empresário Marcos Valério. Condenado a 40 anos de prisão, o operador do mensalão afirmou à Procuradoria-Geral da República (PGR) que pagou despesas pessoais de Lula em 2003, por meio de depósitos na conta de uma empresa do ex-assessor pessoal de Lula, Freud Godoy, segundo revelou o jornal O Estado de S. Paulo.
“É grave. Isso aí, se procedente, é realmente grave”, analisou o ministro Marco Aurélio Mello, destacando que o MP tem três linhas a seguir. A primeira seria considerar que as denúncias não têm fundamento e arquivar o depoimento; a segunda seria aprofundar as investigações e pedir a instauração de inquérito; e a terceira vertente seria considerar que há elementos suficientes para propor diretamente uma ação penal.
Sobre o envolvimento de Lula, Marco Aurélio reafirmou declaração dada há dois meses na qual disse que o ex-presidente tinha conhecimento de tudo o que se passava em seu governo. “Lula foi chefe de Estado, mas também foi chefe de governo. Pela trajetória dele, é um homem experiente em termos de vida. Sempre ralou muito e, portanto, é um homem safo, que quer dizer esperto. Logicamente, tinha o domínio, pelo menos do que acontecia no Brasil”, afirmou o ministro.
Mais cedo, durante reunião do Conselho Nacional de Justiça, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, também disse, rapidamente, que as acusações de Valério deveriam ser investigadas. Questionado se considerava graves as denúncias, Barbosa limitou-se a dizer, pela assessoria, que tomou conhecimento “não oficial” do depoimento de Valério. “Tomei conhecimento oficioso, não oficial”, informou.
Ainda segundo a reportagem de O Estado de S. Paulo, Barbosa e o ex-presidente do Supremo Carlos Ayres Britto chegaram a ter acesso ao depoimento logo após Marcos Valério ter falado à PGR, em setembro. Apesar de tomar conhecimento das denúncias, os ministros, em conjunto com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidiram não tomar qualquer decisão naquele momento porque poderia afetar o julgamento do mensalão, que já estava em curso.
O ministro Gilmar Mendes, a favor do aprofundamento das investigações, destacou que as denúncias não terão influência sobre o processo do mensalão. No entanto, elas podem servir para dar embasamento às outras ações sobre o assunto que correm na Justiça. “Dependendo do estágio em que estão, sim (podem afetar as ações correntes). Ou até provocar uma investigação autônoma. Mas o juiz aqui nesse processo é a procuradoria, ela que tem que fazer a avaliação”, afirmou Mendes.
Há outros 45 processos na Justiça Federal no Distrito Federal e em quatro Estados (Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo), no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em São Paulo, e no próprio STF, onde um inquérito tramita paralelamente à ação penal julgada pelo plenário. No total, são pelo menos 118 réus, contando os que estão sendo julgados pelo Supremo.
O ministro Ricardo Lewandowski, revisor do mensalão, preferiu não opinar sobre as declarações de Valério. Segundo o ministro, ele não conhece o teor do depoimento e, por isso, não pode emitir valor sobre se a PGR deve ou não investigar as denúncias.
De acordo com o depoimento de Marcos Valério, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou, em encontro no gabinete presidencial, empréstimos dos bancos Rural e BMG para o PT com objetivo de viabilizar o esquema do mensalão. O dinheiro também teria sido usado para pagamento de "despesas pessoais" de Lula. O advogado de Valério, Marcelo Leonardo, também teria os honorários pagos pelo PT, o que o partido nega.
O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.
No relatório da denúncia, a Procuradoria Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.
Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.
O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.
Em julho de 2011, a Procuradoria Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.
A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.