A rotina de Michele Ferreira é parecida com a de muitos brasileiros. Acorda cedo, carrega a filha de três anos no ônibus em direção à creche, vai à faculdade e depois pratica sua profissão, que é o judô. Mas agora imagine fazer tudo isso sozinha e com menos de 15% de visão. Este é o cotidiano que poucos conhecem da primeira medalhista verde-amarela nos Jogos Paralímpicos de Londres 2012.
“É um pouco complicado, pois Campo Grande (MS) não é uma cidade das mais seguras. Até agora não me aconteceu nada, só que é bem perigoso. O mais difícil é chegar no ponto e conseguir chamar o ônibus certo... preciso da ajuda dos outros para ler. Mas ainda bem que até agora tudo deu certo”, comentou a atleta de 28 anos
Estudante de Educação Física, Michele consegue se manter graças ao programa Bolsa Atleta, que recebe do Governo Federal. Entretanto, a lutadora sempre encontrou sérias dificuldades para manter os treinamentos por conta dos problemas de locomoção com a deficiência visual.
Medalhista de bronze nas Paralimpíadas de 2008 e 2012, Michele é vítima de uma toxoplasmose congênita. Ainda sem rumo, ela estava à procura de algum projeto para cegos nove anos atrás quando conheceu o judô. Depois, rapidamente se adaptou à arte marcial e entrou na seleção.
Mas apesar de ter se tornado uma das melhores do mundo na modalidade, a judoca quase largou o esporte para cuidar da filha Emily. Mesmo contando com a ajuda dos pais, Michele é a principal encarregada da criança e às vezes chega a precisar de até duas horas por dia para levar e buscar Emily na creche em meio aos treinamentos.
“O que me dá mais medo é ser assaltada ou alguma coisa assim, mas é melhor pensar positivo”, destacou a judoca.
A boa notícia é que a partir do ano que vem, a rotina de Michele Ferreira deve mudar drasticamente. Ela foi uma das seis atletas paralímpicas selecionadas para integrar o recém-formado Time Nissan – que conta ainda com mais 25 atletas olímpicos. O maior benefício do patrocínio será fundamental para a lutadora: ela ganhará um carro zero quilômetro com direito a motorista para ajudá-la na locomoção diária.
“Para mim é mais difícil, pois não demoro o mesmo que uma pessoa normal no transporte público. Agora, vou levar 20 minutos para fazer o que antes eu demorava uma hora”, completou Michele no lançamento da equipe no Rio de Janeiro.
“Um dos maiores problemas que os atletas paralímpicos enfrentam é a locomoção. Eu lembro que demorava mais de hora para chegar ao meu treinamento e muitas vezes já estava morto e não rendia o que precisava. Os deficientes visuais e cadeirantes têm muitos problemas com isso”, comentou o veterano nadado paraolímpico Clodoaldo Silva, que selecionou Michele para o Time Nissan.