Durante quatro anos, Jovânia Marques de Oliveira e Silva, professora de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas, mergulhou no universo tranquilo e pitoresco da Ilha de Maré, na baia de Todos os Santos, em Salvador. Nesta comunidade simples, de artesãos, marisqueiras e pescadores, a pesquisadora avaliou o fenômeno da gravidez na adolescência, que é sempre cercado de traumas e preocupações, a partir de um olhar etnográfico. "Eu quis avaliar essa realidade, levando em consideração a história e a cultura onde a mulher está inserida", explicou Jovânia.
Levando esses elementos da antropologia para a área de saúde, Jovânia percebeu alguns aspectos que são diferenciados. "Em todas as regiões, na atualidade, as famílias pretendem que suas filhas priorizem os estudos, consigam um emprego e só então pensem em casar e ter filhos. Mas quando a notícia de uma gravidez na adolescência altera esses planos, o impacto na relação familiar pode ser diferente, dependendo dos valores de cada comunidade", ressaltou a pesquisadora.
A pesquisa, realizada durante o doutorado em Ciências da Saúde na Universidade Federal da Bahia, com orientação da professora Climene Laura de Camargo, foi concluída em fevereiro deste ano. Jovânia já retornou às atividades de professora na Escola de Enfermagem e Farmácia (Esenfar) da Ufal, onde integra grupos de pesquisa voltados para a gravidez na adolescência e saúde da mulher. Durante o período em que esteve na Ufba, Jovânia colaborou com o grupo Crescer, que desenvolve atividades de pesquisa, ensino e extensão para a atenção à saúde da criança e do adolescente, dentro de uma perspectiva étnica e racial.
As grávidas da Ilha de Maré
Durante a pesquisa, Jovânia acompanhou o cotidiano de sete adolescentes grávidas na faixa etária entre os 10 e os 19 anos. As entrevistas eram realizadas na ilha, durante os intervalos da rotina de trabalho das jovens. "Elas são marisqueiras e passavam horas nas margens da praia, na ilha, quando a maré estava baixa, coletando os mariscos que os pais e maridos iriam vender no continente. Mesmo com a gestação avançada, as jovens continuavam mariscando até enquanto conseguiam se abaixar, às vezes usando um banquinho para sentar na areia", relatou Jovânia.
Segundo observou a pesquisadora, para essas mulheres, a gravidez na adolescência não provoca um choque tão grande como costuma ser em famílias das grandes cidades. "As mães dessas gestantes também engravidaram muito jovens. Elas manifestaram querer outro destino para as filhas, mas aceitam bem quando a gravidez acontece. Muitas costumam dizer que filho é presente de Deus. A vida mais simples e a religiosidade dessas mulheres ajudam a ver a gravidez como um fenômeno natural", ponderou a pesquisadora.
A censura social também é mais amena. Na comunidade quilombola da ilha de Maré, ninguém olha para uma jovem grávida com ar de reprovação. Elas convivem naturalmente e continuam as atividades cotidianas até que se aproxime o período do parto. Mas, se socialmente, a situação é mais amena, do ponto de vista da saúde, as gestantes não encontram tantas facilidades. "Só tem um posto de saúde na ilha. As jovens poucas vezes conseguem fazer o pré-natal completo, com as sete consultas preconizadas pelo Ministério da Saúde", destaca Jovânia.
Outro problema sério é o parto. A comunidade é carente e depende da assistência oferecida no Sistema Único de Saúde. "A ilha de Maré não tem maternidade. Quando sentem as contrações, as gestantes são levadas de barco para o continente e de lá tem que pegar outro transporte para chegar ao hospital. Nem sempre dá tempo. Ouvi muitos relatos de mães que deram a luz na embarcação, durante a travessia na baia de Todos os Santos", conta a pesquisadora.
Nova pesquisa em quilombo alagoano
De volta à Alagoas, Jovânia quer continuar o estudo sobre as jovens grávidas em comunidades quilombolas. Em outubro, a professora inicia a pesquisa na comunidade do Muquem, em União dos Palmares. O projeto já foi aprovado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, com a participação de três alunos do 6º semestre de Enfermagem. Os primeiros contatos serão feitos nas oficinas de saúde, com orientação sobre métodos contraceptivos.
Jovânia quer observar se a gravidez na adolescência encontra a mesma aceitação no Muquem que foi observada na Ilha de Maré. Ela também quer avaliar como essa gravidez na adolescência é assistida pelo SUS, já que União dos Palmares conta com a maternidade São Vicente de Paulo. "Pelo menos no Muquem não existe razão para que as jovens corram riscos entrando em trabalho de parto durante o deslocamento para o hospital, mas vamos constatar isso durante a pesquisa", ressalta a enfermeira.









