Com a conclusão do voto do relator do processo do mensalão, Ricardo Lewandowski, os demais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) analisam nesta quinta-feira as acusações de lavagem de dinheiro e corrupção contra réus ligados a partidos da base aliada do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O clima, no entanto, deve continuar tenso já que os ministros vão decidir se seguem o entendimento do relator, Joaquim Barbosa, que condenou a maioria dos réus, ou do revisor, Ricardo Lewandowski, que apresentou posicionamento divergente, principalmente relacionado à lavagem de dinheiro.

Na sessão de ontem, os dois protagonizaram momentos de acalorada discussão. Primeiro, Barbosa criticou o revisor por não distribuir seu voto aos colegas durante a sessão. O relator ainda insinuou que Lewandowski não estaria sendo transparente, o que causou um desagravo por parte dos ministros Marco Aurélio e Celso de Mello. A segunda discussão, mais áspera, ocorreu quando Lewandowski divergiu de Barbosa sobre a acusação de corrupção passiva imputada ao ex-tesoureiro do PTB Emerson Palmieri. Barbosa se exaltou quando Lewandowski afirmou que tinha dúvidas sobre a participação de Palmieri no esquema de desvio de dinheiro.

"Eu acho que nós, como ministros do Supremo, não podemos fazer vista grossa a respeito do que consta nos autos", disse Barbosa, que praticamente mandou que Lewandowski distribuísse o voto por escrito aos outros ministros. "Vossa Excelência não dirá o que tenho que fazer. Eu cumprirei meu dever", respondeu o revisor. "Mas faça-o corretamente", rebateu Barbosa. A confusão só terminou com a intervenção do presidente da Corte, Carlos Ayres Britto.

A sessão de hoje será aberta com o voto da ministra Rosa Weber, a mais nova integrante da Corte. Depois quem assume a palavra é o ministro Luiz Fux, seguido de Dias Toffoli, Cármen Lucia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e pelo presidente da Corte, Ayres Britto. Como o voto dos demais membros da Corte é bem mais rápido que os do relator e revisor, é possível que o item seja concluído ainda hoje. Assim, a partir da sessão da próxima segunda-feira, justamente na semana que antecede o pleito do dia 7 de outubro, poderá ter início o julgamento do envolvimento dos líderes petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.

Os ministros julgam nesta quinta a relação de políticos e assessores do PP, PL (atual PR), PTB e PMDB com os repasses feitos pelas empresas de Marcos Valério. Além do ex-deputado e delator do esquema do mensalão, Roberto Jefferson (PTB), estão na berlinda o ex-deputado do PTB Romeu Queiroz, o ex-secretário do partido Emerson Palmieri, o deputado federal Valdemar Costa Neto, ex-presidente do PL, Jacinto Lamas, ex-tesoureiro do PL, o ex-deputado do PL Bispo Rodrigues, o ex-deputado pelo PMDB José Borba, ex-deputado do PP Pedro Corrêa, o ex-assessor do PP João Claudio Genu e os sócios da corretora Bonus Banval, Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg.

Próximas votações
Após ser concluído o voto de todos os ministros sobre o capítulo item seis - incluindo o julgamento dos petistas José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno -, o julgamento deve prosseguir com a análise do item sete, que tem como foco os saques feitos no Rural por petistas e pelo ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto. O penúltimo capítulo, o oitavo, é dedicado à evasão de divisas e lavagem de dinheiro atribuídas aos publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes.

Por fim, o capítulo dois deverá levar ao plenário do Supremo o ápice do julgamento. É nesse ponto que estão descritas as condutas de Dirceu, Delúbio e José Genoíno, ex-presidente do PT, que resultaram na acusação de formação de quadrilha.

O mensalão do PT
Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural Kátia Rabello e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR (ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson.

Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e do irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas.

A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão. Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.