O futuro líder da China, Xi Jinping, machucou não só as costas --motivo do seu sumiço durante duas semanas, segundo fontes--, como também feriu a sua própria credibilidade.

Especialistas em política chinesa ficaram perplexos com a forma como o Partido Comunista (partido único) tratou do afastamento de Xi, provando que continua sendo um regime cheio de mistérios, apesar de fontes próximas à liderança garantirem que tudo não passou de um mau jeito nas costas, enquanto ele nadava.

Xi, 59 anos, é amplamente cotado para assumir o comando do Partido Comunista no congresso partidário previsto para outubro, e a presidência do país em março. Durante seu sumiço, disseminaram-se rumores de que ele teria sofrido um ataque cardíaco, um derrame ou mesmo um atentado. Mas no sábado o dirigente reapareceu, sorrindo para as câmeras, numa universidade em Pequim.

Foi como se a desaparição dele -que faltou a encontros com a secretária norte-americana de Estado, Hillary Clinton, e com os primeiros-ministros de Cingapura e Dinamarca- nunca tivesse ocorrido.

"A questão básica é que eles não chegaram a termos com o que significa comandar uma potência globalizada hoje em dia", disse Roderick MacFarquhar, especialista da Universidade Harvard na história do Partido Comunista. "A próxima liderança terá de lidar com isso, porque vai piorar. Haverá momentos em que há problemas reais", disse ele, acrescentando que o partido deverá pelo menos reavaliar seu comportamento no episódio.

A ausência de Xi ilustra os riscos dessa tendência do partido ao sigilo num momento politicamente delicado, a poucas semanas do 18º congresso partidário, cuja data ainda não foi oficialmente anunciada.

Xi deverá assumir as rédeas de uma nação que se transformou economicamente, mas, como se viu, mantém velhos hábitos políticos. "Basicamente, você tem um sistema herdado do começo do século 20, que é totalmente inapropriado para as demandas da China do século 21", disse Damien Ma, analista de China na consultoria Eurasia Group.

O partido sempre zelou muito pelas imagens públicas de seus líderes. Detalhes de suas vidas privadas, inclusive da sua saúde, são tratados como segredo de Estado desde a época de Mao Tsé-tung - quem, aliás, sumiu da vista do público em várias ocasiões.

Ele deixou de ser visto, por exemplo, entre o final de 1965 e meados de 66, provavelmente por razões de saúde. Seu retorno foi em grande estilo, para passar uma imagem de vitalidade - nadando no rio Yang-tsé. Mas isso tudo aconteceu antes de o país entrar num processo de rápida industrialização, que faria do país um dos epicentros da economia global, e de a internet surgir.

"Eles não se aclimataram às diferenças entre dirigir uma economia dinâmica e se apegarem ao passado com uma liderança pouquíssimo dinâmica", disse MacFarquhar, de Harvard.

Lendo nas folhas de chá
Os rumores sobre a saúde de Xi se espalharam por sites como o popular Sina Weibo, espécie de Twitter chinês. Alguns usuários especulavam que ele estaria incomunicável após ser vítima de um atentado, ou que teria sofrido um ataque cardíaco, um acidente vascular cerebral ou uma cirurgia num câncer hepático em estágio inicial.

Hong Lei, porta-voz da chancelaria, passou vários dias driblando perguntas sobre o tema, e chegou a recriminar um jornalista que lhe pediu a confirmação de que Xi continuava vivo.

Xi havia sido visto pela última vez em 1° de setembro, mas a imprensa estatal levaria 12 dias para publicar uma nova declaração dele -uma mensagem de condolências à família de um funcionário partidário que morreu -, e outros três para mostrá-lo em carne e osso.

Enquanto isso, o vácuo de informações foi preenchido por especulações tresloucadas e potencialmente perigosas, num ano que já se provou tumultuado para o partido, especialmente por causa do escândalo que resultou na destituição do dirigente regional Bo Xilai e na condenação da mulher dele pelo assassinato de um empresário britânico.

"A não-comunicação permite que as pessoas vejam fraquezas no sistema que podem não existir", disse Dane Chamorro, diretora de Ásia-Pacífico da consultoria Control Risks. "As pessoas começam a questionar: Será que o sistema é fraco? Será que o sistema está quebrando? Será que ele consegue lidar com o mundo moderno?"

Por enquanto, o inexplicado sumiço de Xi não causou danos palpáveis. Os mercados financeiros, embora atentos, não exploraram os rumores. "Não (causou danos) desta vez, mas não significa que não irá causar no futuro", disse Ma, do Eurasia Group.

"O maior perigo sob a nova (...) administração, acreditamos nós, é que, se eles não tratarem de forma coordenada e séria algumas dessas questões num ambiente de informações intensas, eles vão enfrentar cada vez mais uma profunda crise de legitimidade."

Até lá, estamos "condenados a continuarmos lendo nas folhas de chá", disse Jean-Pierre Cabestan, especialista em política chinesa na Universidade Batista de Hong Kong. "E lá se vai a grande abertura da China ao mundo exterior, que começou em 1978."