Revisor do Mensalão condena 2 ex-dirigentes do Banco Rural por gestão fraudulenta
O ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo do mensalão, seguiu o relator Joaquim Barbosa e votou nesta segunda-feira (3), durante sessão de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), pela condenação dos ex-dirigentes do Banco Rural Kátia Rabello, ainda acionista da instituição, e de José Roberto Salgado por crime de gestão fraudulenta.
A acusação foi da Procuradoria Geral da República, que pediu a condenação de Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Ayanna Tenório e Vinícius Samarane por gestão fraudulenta, crime previsto na lei de crimes contra o sistema financeiro e que pode resultar em prisão de 3 a 12 anos. Lewandowski ainda não analisou as acusações a Ayanna e Samarane. Após a condenação de Salgado, a sessão foi encerrada e será retomada nesta quarta (5).
"As operações de mútuo do Banco Rural traduziram em um ato de gestão fraudulenta. Isso porque a classificação do risco teve objetivo de ludibriar o Banco Central [...], mascarar os números, fazendo com que o banco contasse com uma imerecida credibilidade junto ao mercado", afirmou o revisor em sua argumentação.
Os ex-dirigentes – somente Samarane continua na diretoria do banco – foram acusados de não observar as regras previstas pelo Banco Central na concessão de empréstimos ao PT e às agências de Marcos Valério, apontado como o operador do mensalão, suposto esquema de compra de votos no Congresso.
Quando Ricardo Lewandowski concluir a avaliação sobre o item 5 da denúncia da Procuradoria Geral da República, que trata do chamado “núcleo financeiro”, os demais oito ministros darão o voto a partir de quarta (5) seguindo a ordem de antiguidade – do ministro com menos tempo de STF para o mais antigo.
Cinco réus do processo já foram condenados na análise do item sobre desvio de recursos públicos - veja como cada ministro votou, o primeiro a ser analisado pelo Supremo. A dosimetria da pena (cálculo de quanto tempo cada condenado ficará preso) será feita ao final do julgamento.
Em sua argumentação, Lewandowski disse que os ex-dirigentes do Banco Rural tinham "relação promíscua" com o grupo de Marcos Valério – as acusações contra ele serão analisadas no próximo item, que aborda lavagem de dinheiro.
“[Fica evidenciada] Relação promíscua que a cúpula da instituição mantinha com os corréus Marcos Valério, Ramon Hollebarch e Cristiano Paz, sobretudo com Marcos Valério. Marcos Valério agia como espécie de agente de negócios do Banco Rural, encarregando-se de providenciar empréstimos da instituição financeira com agentes do governo.”
Lewandowski disse ainda que as provas colhidas no andamento do processo demonstram a ocorrência do delito por parte dos ex-dirigentes do Banco Rural.
“Entendo que, bem revisado os autos, a materialidade surge cristalina da prova técnica recolhida [...], a qual, a meu ver, foi corroborada pela prova testemunhal”, disse Lewandowski.
'De pai para filho'
Segundo a denúncia, o banco repassou R$ 29 milhões às empresas de Marcos Valério e R$ 3 milhões ao PT por meio de empréstimos fictícios.
O objetivo do grupo, conforme a Procuradoria, era financiar o suposto esquema de pagamento a parlamentares da base aliada em troca de apoio na aprovação de projetos de interesse do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O revisor comparou a concessão dos empréstimos a um negócio "de pai para filho".
"Os valores emprestados eram incompatíveis com a capacidade financeira do tomador dos empréstimos.[...] Os patrimônios somados dos representantes das empresas SMP&B e Grafitti não suportariam nem um dez avos dos valores contratados, R$ 29 milhões. O mesmo se dá ao empréstimo concedido ao Partido dos Trabalhadores, garantido pelos avais de José Genoino [ex-presidente do PT] e Delúbio Soares [ex-tesoureiro do partido]”, afirmou o revisor.
O ministro-revisor citou perícia que atesta que os empréstimos às empresas SMP&B e Graffiti Participações foram concedidos sem “qualquer embasamento técnico de crédito” e que o valor era incompatível com o patrimônio dos tomadores do crédito.
De acordo com laudo do Banco Central, os empréstimos foram sucessivamente renovados para que não fosse configurado atraso no pagamento pelas agências de Marcos Valério e o PT, o que acarretaria reclassificação do nível de risco das operações.
Para Lewandowski a omissão do elevado risco dos empréstimos concedidos acarretou risco ao sistema financeiro.
“A classificação dos riscos é fundamental para que haja a correta provisão dos empréstimos de caráter duvidoso. Se houvesse a provisão dos créditos duvidosos de modo a abalar o crédito financeiro, o Bacen (Banco Central) tomaria as providências necessárias, mas como essa informação não se tornou pública a situação continuou, provocando, a meu ver, risco ao sistema financeiro”, disse o ministro.
O ministro-revisor citou auditoria do Banco Central, segundo a qual os dirigentes do Banco Rural falharam “deliberadamente” no controle das operações de crédito.
Renovação de empréstimos
De acordo com Lewandowski, os ex-dirigentes do Banco Rural ignoraram, ao conceder crédito a Marcos Valério e ao PT, normas praticadas pela instituição financeira.
“Essas operações de mútuo foram concedidas e renovadas à revelia e contraditando as normas internas e práticas que o banco levava a cabo ao avaliar a capacidade de adimplir com esse banco.”
No voto, o ministro disse que “impressionam as inúmeras e sucessivas renegociações de prazos” dos empréstimos.
“Para o PT, foram dez renovações, todas sempre pactuadas de modo a evitar-se que os aludidos devedores ficassem inadimplentes. Tais operações mostraram-se claramente incompatíveis com aquilo que cotidianamente se observa no mercado de crédito”, afirmou.
Na opinião do revisor, os empréstimos só foram concedidos em virtude da “relação pessoal” e “troca de favores” entreos ex-dirigentes do Banco Rural e os tomadores do crédito.
Versão dos acusados
Segundo a acusação, Kátia Rabello e José Roberto Salgado autorizaram os empréstimos fictícios. Ayanna Tenório teria autorizado renovação de empréstimos e Samarane teria omitido saques feitos em agências do banco.
A defesa de Kátia Rabello negou a concessão de empréstimos fictícios. O advogado de Salgado viu "construção mental" na acusação. A defesa de Samarane disse que todos os saques realizados foram notificados ao Banco Central.
Segundo o ministro-revisor, a ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello praticou ações que invadem a “seara de delitos penais”. “O dolo na conduta da ré passou ao largo do salutar desejo de preservar a instituição financeira, ingressando decididamente na seara dos delitos penais.”
O Banco Rural divulgou nova nota nesta segunda afirmando que os empréstimos concedidos pela instituição foram declarados "verdadeiros" por perícia da Polícia Federal. Disse ainda que a renovação de empréstimos não envolveu novo desembolso de dinheiro.
"As acusações contra os quatro executivos do Rural à época dizem respeito exclusivamente a procedimentos bancários que, analisados tecnicamente à luz da legislação vigente na ocasião, foram todos realizados de forma correta."
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