Para alguns, "o melhor emprego do mundo". Para outros, "o pior emprego do mundo". Mano Menezes está em Kiev, onde recebe o Terra para 1h15min de entrevista exclusiva sobre a Eurocopa. O treinador da Seleção Brasileira mostra seu lado estudioso e diplomático ao deixar o País para 14 horas de viagem, "apenas" para acompanhar a decisão entre Espanha e Itália no domingo.

O "melhor emprego do mundo" é justamente por poder selecionar programas como esse para seus fins de semana. Mano não abre mão: foi à final da Liga dos Campeões recente, por exemplo, entre Bayern de Munique e Chelsea. Visitou treinadores dos grandes da Europa. É a antítese de Dunga em quase todos os aspectos, exceção feita ao Estado onde nasceu.

O "pior emprego do mundo" é ser sempre cobrado por resultados por dirigir a seleção que mais gera expectativa onde quer que vá. Em Kiev, o gaúcho Mano conversa tranquilamente sem ser reconhecido e fala sobre a Espanha, a Itália, a Alemanha, as torcidas, a Copa das Confederações e muito mais. O fato de ser um quase anônimo na Europa dá o tom do que precisará conquistar em 2012, 2013 e enfim 2014.

Confira a entrevista exclusiva com Mano Menezes no Terra

Terra - O que você conseguiu acompanhar da Eurocopa como um todo além da final em Kiev? Que análise faz do torneio?
Mano Menezes - Acompanhamos todo o torneio, monitoramos detalhe por detalhe porque temos uma equipe montada para isso. Depois esmiuçar em fundamentos do futebol tudo aquilo que interessa para guardarmos como informações dessas seleções para o futuro, quando encontramos elas em 2014. A Euro é uma das competições que eles valorizam mais, e vão apresentar no Brasil o que apresentaram aqui.

Não apresentou taticamente muita novidade a não ser que as equipes de modo geral procuraram jogar mais, principalmente aquelas que chegaram na reta final. O que comprova a tendência que o campeão sempre proporciona: a sequência traz uma tentativa de todos se aproximarem mais daquele que vem conquistando títulos e jogando um futebol característico como o da Espanha.

Terra - Desde o seu blog no Terra, na Copa do Mundo em 2010, você sempre colocou a Alemanha como referência de estilo para o Brasil. Que análise fez sobre a participação deles na Eurocopa? A comparação continua a valer?
Mano - Não é exatamente uma comparação em gênero, número e grau, né? Penso que a Espanha tem uma característica muito peculiar da Espanha para esses jogadores, com uma ideia de futebol que se desenvolveu por muitos anos, pelo menos nos últimos anos, e é muito difícil tentar se aproximar. Nem se deve imitar isso em uma escola muito tradicional como a brasileira.

A Alemanha de agora tem um futebol técnico, bem jogado, sem abrir mão do posicionamento dos seus atacantes. Essa é a ideia do que nós estamos fazendo na Seleção e sempre foi nossa característica. Um jogador mais de lado e um central. Talvez possamos jogar com dois jogadores de movimentação, aí diferenciando um pouco do que a Alemanha faz com Klose ou Mario Gómez.

Mas como ideia de futebol, a busca do gol, o fato de jogar em mais profundidade que a Espanha, que já joga com muitos toques laterais envolvendo o adversário. Nesse aspecto, a Alemanha se aproxima mais daquilo que queremos fazer.

Terra - Chamou bastante a atenção o envolvimento dos torcedores com as seleções durante a Eurocopa. A forma de torcer, as músicas, a cultura de apoio às seleções. Você acha que o Brasil consegue formar isso até 2014?
Mano - Acho que serve de exemplo para nós brasileiros, né? A maneira como os torcedores apoiam as suas seleções, independentemente de a partida apresentar mais dificuldades ou não. Na própria final foi possível ver isso muito forte, o estádio apoiou muito a Itália porque os italianos estavam orgulhosos do que a seleção fez durante a Eurocopa.

Terra - E mesmo com uma derrota por 4 a 0, não?
Mano - O resultado foi forte da maneira que aconteceu. Vai ser doído para ser assimilado? Vai. O torcedor entendeu que ele tinha papel a desempenhar nessa final e durante a Eurocopa como um todo, e não abriu mão disso.

Terra - O que você observou das anfitriãs?
Mano - As locais como Polônia e Ucrânia, a Alemanha, os espanhóis com momento de êxtase total. Serve de exemplo para nós brasileiros e não só o apoio como comportamento. Mas o comportamento como um todo. A educação, maneira de receber bem o adversário, que é só adversário, não é inimigo. O ambiente da final foi maravilhoso e fico esperançoso de que a gente também vá fazer isso no Brasil.

Terra - A possibilidade de enfrentar a Espanha e outras grandes seleções te soa de que forma? Preocupa?
Mano - Estamos monitorando as principais seleções do mundo desde a última Copa. A gente analisou, esmiuçou o desempenho delas durante a Copa da África do Sul para ver o caminho que escolheram para algumas modificações, que vai significar uma tendência. Elas vão ser na Copa das Confederações e um ano depois o que forem em um período todo, é a construção de um trabalho.

Terra - O torneio se anuncia muito duro para o Brasil.
Mano - Vejo com bom olhos que as principais seleções do mundo, ou uma boa parte delas, estejam na Copa das Confederações, que ela seja o mais qualificada possível. Já que não jogamos as Eliminatórias, então a competição, quanto mais forte ela for, para a gente será altamente positivo. Não pensamos especificamente na Espanha, mas em formar a seleção que precisa estar forte, e no enfrentamento precisa entender em que estágio está em relação aos adversários e ter as estratégias.

Terra - Se fala muito do toque de bola da Espanha, mas pouco sobre como roubam a bola e se desmarcam, por exemplo. Quais as virtudes maiores?
Mano - Tradicionalmente não valorizamos muito a marcação. Por isso não se fala muito da retomada de bola da Espanha e por isso se fala do toque, a gente gosta do jogo jogado. No basquete sofremos muito por isso, não gostávamos de marcar e só queríamos fazer a cesta, mas primeiro precisa tomar do adversário.

No futebol, a mesma coisa, e hoje está mais necessário ainda. Sempre tivemos por regra esperar o adversário errar, por setor, para nos organizarmos e jogar ofensivamente. Não basta mais isso. Se esperar a Espanha errar por 90 minutos, vão errar muito pouco.

Terra - Como se deve enfrentá-los?
Mano - Precisa induzir a errar, e isso requer um entendimento do jogo, pressão sobre o homem da bola sem deixar espaço dentro das linhas, o que proporciona a eles esse toque qualificado para chegar no seu setor defensivo. Sem dúvida eles fazem isso melhor que todos que vi, em todos os tempos. Com a escola do Barcelona se transferindo para toda a seleção espanhola.

Terra - São todos muito inteligentes, não?
Mano - O entendimento deles para jogar é impressionante. Jogadores como Xavi e Iniesta, que não têm pressa para receber a bola, sabem o momento em que ela vai chegar e dificultam muito a marcação do adversário com um posicionamento aberto em campo. São as virtudes que fazem a Espanha ser uma seleção difícil de ser batida.

Terra - A Itália foi um exemplo de time que construiu um trabalho em dois anos, fez boa Eliminatória e se encaixou durante o torneio. Você sempre cita esse tipo de exemplo. Cabe para o Brasil?
Mano - Temos dois exemplos a ilustrar isso. Positivamente a Itália e negativamente a Holanda, que também chegou credenciada como uma seleção para uma grande Eurocopa e não passou da primeira fase porque nesse momento não estava bem. A Itália se afirmou durante a competição, o que é muito característico da Itália ao longo de suas conquistas. Se tiver um escândalo, então, fecha a receita (risos).

Terra - Você teve o Anderson no Grêmio que te deu algumas dores de cabeça. Já encontrou um jogador como o Balotelli?
Mano - Nunca trabalhei. Nessa proporção, não. Acho perigoso levar um jogador tão alto para a seleção do país. Para um clube já é muito difícil ter um jogador que te preocupa mais que o normal, e ele pode se desequilibrar emocionalmente, tem que sempre controlar tudo. Parece que não tem aquela alegria de que o futebol precisa para ser jogado. O futebol se completa com todas as ações, e transmitir isso é importante para as pessoas te verem feliz fazendo o que faz. E ele é o contrário de tudo.

Terra - A Eurocopa apresentou 15 seleções que jogavam com jogadores abertos e a Itália como exceção tática. Houve algo que te chamou a atenção?
Mano - A Itália usou Cassano um pouco pelo lado e um atacante mais central. Quase que jogou com dois atacantes todos os jogos. E as outras equipes com um mais central e três meias chegando. Ou, às vezes, com dois atacantes de lado e um meia central. De exceção a Espanha, que varia muito e joga sem referência nenhuma, se movimenta muito de forma organizada. Os demais estão dentro de uma linha. Itália se posiciona muito como o Brasil se posicionou, um de lado (Cassano) e uma referência (Balotelli).

Terra - Desde organização a nível técnico, dá para comparar com a Copa América em alguma coisa?
Mano - As condições da disputa foram muito melhores. Os estádios melhores, condições de gramado melhores. A Uefa e a Fifa têm preocupação de manter esse nível de qualidade do gramado para o futebol que vai oferecer. Não é possível tocar a bola como a Espanha e outras seleções tocaram, em um campo como o que jogamos na Argentina contra o Paraguai. É uma preocupação de que eles não abrem mão e favorece o jogo. E os estádios, né? São verdadeiras maravilhas. Você entra e se sente bem, muda o teu espírito, você não tem vontade de fazer coisa ruim, né? Só de fazer coisa boa para que o espetáculo fique melhor ainda.

Terra - Qual o craque da Eurocopa?
Mano - Até a final, talvez Pirlo tenha sido o jogador que mais se destacou individualmente. Em uma final marcante como essa, não pode deixar o que a Espanha vem fazendo como um todo. Para mim Iniesta é o mais cerebral, que organiza as movimentações, que faz as variações, que conduz a bola, assume o jogo quando está complicado e é mais vertical que os outros.

Terra - Você chegou a ter contato também com alguns desses treinadores da Eurocopa? Sei de suas visitas ao Real Madrid e ao Arsenal, por exemplo. Qual a importância disso?
Mano - Eu observo o trabalho de todos porque precisamos aprender com eles. São os principais treinadores do mundo, têm o mesmo tipo de dificuldade: fazer grandes jogadores renderem, a maneira como farão eles se comprometerem com ideia de trabalho longo de quatro anos na seleção, como fazê-los abrir mão de vaidades pessoais pelo trabalho de grupo, por algo maior.

Terra - O que se tira desse contato?
Mano - Você vai conversando com os técnicos. Aproveitei mesmo as oportunidades que a seleção dá, visitei os clubes europeus e você vai estreitando a relação. Vamos conviver no Arsenal com o Arsene Wenger durante a Olimpíada, e falei de futebol com ele. Conversei com o Mourinho sobre ideias de futebol, com o Allegri no Milan, e são oportunidades que o futebol nos dá e a gente deve aproveitar. Faço também no futebol brasileiro com técnicos que tenho mais intimidade, porque a gente passa quase todos pelos mesmos tipos de dificuldades. Quanto menos errar, melhor.