O secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, interrompe a entrevista com as badaladas do relógio centenário da mãe, pendurado na parede de seu gabinete, no prédio da Central do Brasil. Estava há uma hora e dez minutos falando, empolgado, sobre o assunto que mais domina: os avanços das Unidades de Polícia Pacificadora. Beltrame analisou os impactos da economia em alta e da pacificação das favelas no tráfico, mostrados pelo EXTRA, durante a última semana, na série “O trabalho compensa”.

Quais são os pesos da economia e da pacificação na migração de traficantes para o trabalho ou o estudo?

Eu acho que isso é muito parecido. Acredito que ambas têm um peso. A segurança pública é o primeiro dos direitos, mas, quando ela falta, ela deveria ser o último estágio. Porque, se você der dignidade, segurança e cidadania para as pessoas, menos polícia você precisa, que é o que se vê nos países de Primeiro Mundo. Você não vê polícia ostensiva, não vê muita coisa, por quê? Porque as pessoas têm as suas demandas sociais, os seus aspectos de cidadania, em grande parte contemplados.

E a economia?

A empregabilidade, a educação, o seguro-desemprego, uma série de coisas também influenciam. Porque não é o policial com um fuzil na escadaria da favela que vai levar a paz a esse lugar. O policial ali só vai permitir que as outras coisas aconteçam. Eu me canso de dizer isso, mas eu não me canso de achar que eu tenho que dizer isso.

O senhor sempre frisou que o objetivo não era acabar com o tráfico de drogas. Mas, hoje, ele está enfraquecido?

A droga vai existir sempre. Se tem vício e tem renda, vai ter droga. Em Londres, em Paris. O que aqui nós não podemos permitir é a violência, é a sua liberdade de ir e vir, você ir num lugar desses e ter de pagar para entrar, ou alguém perguntar aonde é que você vai.

Mas a queda das prisões por tráfico mostra que esse crime não é mais tão lucrativo. O senhor teme uma reação?

O que se percebe é que eles ainda tentam, esporadicamente, fazer um movimento de força, como tentaram na Rocinha, na Mangueira, ao mandarem fechar o comércio, na Cidade de Deus. Agora, ocupar ali (a favela), não posso ser louco de dizer que isso nunca mais vai acontecer. Mas eles não vão querer reocupar porque, se invadirem esta madrugada, às 8h tem 600 homens do Bope lá dentro. Eles não vão se instalar num lugar onde sabem que não vão conseguir ficar.

Podem ocorrer reações mais graves do que essas?

Não. O tráfico não tem um plano B. Quando inauguramos a UPP da Nova Brasília, nós vimos uma granada com o bilhete “morte à UPP”. E é essa a estratégia usada por eles (bandidos). Eles ainda não têm: “Vamos sair daqui e vamos fazer isso, vamos fazer aquilo”. Até porque o resto (as favelas) são ilhas distribuídas na cidade, cada uma tem um dono. É um salve-se quem puder, porque aqui você tem três facções que se odeiam. Você não pode fugir do São Carlos para o Alemão.

O aumento no número total de prisões indica que criminosos deixaram o tráfico para praticar outros crimes?

É lógico que pode ter migração. Se você faz uma repressão num determinado momento, tem que antever onde isso pode acontecer. Normalmente, é o crime de rua, o roubo a transeunte ou a residência.

Mas essa mudança da criminalidade já preocupa?Tudo isso (esses crimes), nas grandes cidades do mundo inteiro, se dá longe dos olhos da sociedade. A sociedade não assiste, não presencia a violência. Mas você aqui, na Tijuca, presencia, você escuta o estampido de um tiro ou um ato criminoso, e sofre junto a violência. Em Brasília, a taxa de homicídios é muito maior do que a nossa, mas ninguém ouve lá no Congresso, ninguém sabe.

Qual é sua preocupação com os jovens que, com a chegada da UPP, estão ociosos porque largaram o crime?

É que ninguém mostre a eles um outro caminho, a não ser o do tráfico. Que eles tenham outros exemplos. Que tenham outras oportunidades, outros horizontes, alguma proposta, algo que os seduza. O mundo precisa se abrir.

Para o senhor, os avanços sociais estão no mesmo ritmo da ocupação policial?

Os programas sociais ainda estão chegando, mas estão lentos. E nós precisamos de velocidade para mostrar a esses jovens que é melhor estar do lado formal, do estado, do que do lado do crime, do poder paralelo. É isso que vai fazer essa melhora. A UPP não é solução de todas as coisas. A UPP proporciona a solução.

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