O esquema industrial e de fácil compreensão das telenovelas sempre foi considerado menor ao serem colocado ao lado da arte do cinema. Porém, na produção audiovisual brasileira mais recente, gradativamente, nota-se certa aproximação entre os dois veículos. Não só no intercâmbio recorrente dos mesmos atores - como Rodrigo Santoro, Caio Blat e Leandra Leal. Mas na mão de obra de quem está por trás das câmaras, casos de diretores, fotógrafos, figurinistas, diretores de arte e, sobretudo, preparadores de elenco. "Os atores de TV viam no cinema processos de composição de personagem muito mais intensos e arrojados. A TV importou esses preparadores de elenco e a mudança é impressionante. O ator chega pronto e mais seguro para gravar", opina Cininha de Paula, diretora-geral de Aquele Beijo, novela que conta com o auxílio do preparador Sérgio Penna, nome fácil nos créditos de filmes, como Bicho de Sete Cabeças, Carandiru e Antônia - O Filme.
Foi a partir de Carandiru - Outras Histórias e Antônia, séries derivadas destes dois últimos longas, que Sérgio estreitou os laços com a TV. Primeiro, cuidando da preparação do elenco de seriados, até chegar às novelas. "Por ser o produto mais assistido da televisão, a visibilidade da atuação é gigante e aumenta minha responsabilidade. Ao invés de batalhar em cima do texto, faço um trabalho a partir das possíveis vivências do personagem. Minha busca é por uma atuação natural", detalha o preparador. Além de auxiliar todos os intérpretes da atual novela das sete e também do elenco de Vidas em Jogo, da Record, Sérgio é o nome por trás da composição individual de Deborah Secco em Insensato Coração e Marcelo Serrado em Fina Estampa, entre outros. "O Sérgio faz um trabalho de dentro para fora. Vai guiando o ator. Durante minha preparação para o Crô, ele me acompanhou em várias boates gays. Chegaram a achar que a gente era namorado", brinca Marcelo Serrado.
A chegada de profissionais oriundos do cinema na TV tem ligação direta com a equipe por trás das produções. E é geralmente motivada pela parceira entre as emissoras e produtoras de cinema. Quando foi convidado para adaptar outras histórias do livro Estação Carandiru, do médico Drauzio Varella, para a televisão, o cineasta Hector Babenco chamou, além de Sérgio Penna, o renomado fotógrafo Walter Carvalho e outros membros da HB filmes, que participaram do longa Carandiru, de 2003. Já Antônia, de 2006, seriado criado a partir do filme homônimo de Tatá Amaral, não só marcou a estreia da diretora na TV, como inaugurou a parceria entre a Globo e a O2 Filmes, produtora do cineasta Fernando Meirelles, diretor do longa Cidade de Deus e responsável pela inovadora Som & Fúria, de 2009. "Adorei fazer TV no Brasil. Consegui fazer um produto de qualidade, com o elenco que queria, já que todos eram contratados da emissora, sem corte nos custos e com uma abrangência incrível. A realidade de captação de recursos e visibilidade do cinema é bem diferente", compara Fernando.
A TV paga também tem sua parte na importação de profissionais do cinema. O braço latino da HBO, responsável por séries de apelo cinematográfico e rigor artístico, já TV boas experiências com cineastas como José Henrique Fonseca em Mandrake, de 2005, Cao Hamburger em Filhos do Carnaval, de 2006, e Alice, de 2008, dirigida a quatro mãos por Karim Aïnouz e Sérgio Machado. "Alice foi instigante e sempre tive vontade de fazer televisão. É a mídia mais influente no Brasil quando a gente fala de audiovisual. Porém, a TV é um caminho muito industrial e eu sou mais artesanal. Mas dependendo do projeto, faria de novo", assume Karim Aïnouz, responsável por longas como Madame Satã e O Céu de Suely, entre outros.
Novas apostas
Entre as emissoras abertas, a Globo sempre foi a que mais investiu em produções carregadas de referências e povoadas de profissionais do cinema. Inclusive, adaptando filmes para o formato de seriado, caso de Divã, de 2011, e fazendo longas baseados em suas séries, como Os Normais O Filme, de 2003. Até o final de 2012, a emissora já programa a exibição da série Xingu, feita a partir de um novo corte do filme homônimo, dirigido por Cao Hambuger, que ainda não estreou nos cinemas. "Gostei dessa parceria da Globo com os produtores do filme. A história de criação e preservação do Parque Nacional do Xingu deve ser amplamente divulgada", torce Caio Blat, um dos protagonistas do longa.
A Record também promete investir na conexão com o cinema ao longo do ano. O primeiro sinal foi a parceria com a produtora Contém Conteúdo com O Madeireiro, telefilme exibido no fim do ano passado e dirigido por Moacyr Góes, de Dom, longa de 2003. E, a partir de maio, a emissora leva ao ar o seriado Chapa Quente - título provisório -, feito em parceria com a produtora Gullane. Sob o comando de Johnny Araújo, a série policial, derivada da novela Vidas Opostas, de 2007, marca a estreia do diretor de O Magnata, filme lançado em 2006, na TV. "Outras possibilidades de produção surgem com as parcerias da emissora com produtoras. A nove série pede ação e tratamento de cinema. Ter um diretor experiente com esse tipo de estética dá um melhor resultado para a obra", destaca Hiran Silveira, diretor de teledramaturgia da Record.