O Cada Minuto está nesta semana apresentando uma série de cinco matérias produzidas pelas graduandas em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Larissa Fontes e Laura Teresa Barbosa. A série integra Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) composto por reportagem sobre a homofobia em Alagoas. Nesta sexta (23), na quinta e última matéria da série, leitor poderá conferir o que dizem a legislação e as autoridades sobre a homofobia. O TCC é orientado pelo Prof. Msc. Clayton Santos.
Perversidade: vítimas da homofobia em Alagoas narram traumas
O ato de violência deixa marcas que não se apagam, e sua principal cicatriz é o medo, que intimida as vítimas, tornando-as prisioneiras do receio da covardia. Independente de serem verbais ou físicas, as agressões causam constrangimento moral e atinge a ambos os sexos. É por isso que muitas vezes as vozes se calam e os casos não são registrados.
Assim como em outros tipos de violência, tornar público permite que outras pessoas tomem a coragem de fazer o mesmo e não aceitem a reincidência. O grito dói aos ouvidos de quem ouve devido a maldade, mas é necessário pelo alerta de que algo precisa ser feito.
Confira o depoimento de algumas vítimas alagoanas desse ato injustificável.
Barbárie em Marechal enterra jovem vivo
Fugindo à ordem natural das coisas e sentindo a dor que uma mãe jamais espera e quer sentir, Dona Josefa Vieira dos Santos teve seu filho brutamente assassinado aos 27 anos. Josenildo Barbosa dos Santos, Nildo, artesão da cidade de Marechal Deodoro saiu de sua residência numa quinta-feira (27de maio de 2010), dizendo apenas que teria um “encontro”.
“Meu filho sempre saía, eu nunca me incomodei, mas nesse dia não me senti bem e pedi que ele não fosse. Porém, ele respondeu que voltaria logo, a tempo de jantarmos juntos, como fazíamos todas as noites, e saiu muito feliz de casa”, declara Dona Josefa. Às 22h, Nildo foi visto na companhia de um rapaz, indo a um local mais afastado da cidade.
No final da tarde de sexta-feira, desconfiada de que seu filho teria sido assassinado, D. Josefa resolveu ir à delegacia fazer um boletim de ocorrência do desaparecimento. “Esperava que a polícia fizesse buscas, mas ela afirmou que sem corpo ou outros indícios, nada poderia ser feito”, afirma inconformada.
Na manhã de sábado, Dona Josefa, familiares e amigos resolveram procurar o corpo de Nildo por conta própria, procuraram no rio e nos matagais, sem sucesso.
Na tarde do domingo, foram descobertas apenas manchas de sangue na fazenda onde o suspeito trabalhava. Na segunda-feira, encontraram as roupas com as quais Nildo havia saído. Tempo depois, observou-se que não havia capim em determinado local. Então, um rapaz começou a escavar com suas próprias mãos, achando o corpo de Nildo.
“Vivo. Meu filho foi enterrado vivo. Seu corpo mostrava que ele havia se mexido já embaixo da terra. Ele tinha várias perfurações de faca, estava nu e coberto por um plástico. Seu rosto, além de inchado, tinha expressões de quem havia feito muita força. Ele lutou muito para sair de baixo da terra”, desabafa emocionada.
Para Dona Josefa, não foi apenas um assassino, já que seu filho teria força suficiente para lutar com um homem; ela acredita na participação de outras pessoas no crime. Mesmo depois do corpo de seu filho ter sido encontrado, não houve qualquer tipo de investigação, busca ou mandado de prisão para o acusado.
O que chocou a todos foi, não somente a barbaridade com que o crime foi cometido, mas por Nildo sempre ter sido uma boa pessoa, bom cidadão e respeitar a todos. É tanto que a comoção e mobilização por sua busca foi intensa. Todos na cidade têm boas referências sobre o jovem que morreu por ser homossexual.
A violência faz vítima refém do medo
Aqui será retratada a violência sofrida por um personagem que prefere não ter sua identidade revelada. Serão utilizadas as iniciais A.G.L., fictícias, em sua referência.
Há cerca de dois anos, quando o vendedor A.G.L. passava num local pouco iluminado, quatro homens se aproximaram e pediram-lhe um real (R$1), ele disse que não tinha e continuou andando. Então, os quatro homens começaram a batê-lo aos gritos: “É veado, é veado!”, chegando a rasgar sua roupa. Ele conseguiu escapar sem grandes traumas físicos, mas, abalado psicologicamente.
Em outro dia, quando passava perto da casa de um dos agressores, A.G.L. foi agredido por um dos agressores anteriores, ele levou um soco no olho e desmaiou. Ao acordar, já estava no hospital, com dez pontos na boca, um dente quebrado, um tímpano estourado, derrame no olho, a cabeça inchada e muitas dores.
“A primeira agressão não foi tão forte, mas a segunda, tinha a intenção de matar mesmo. Quem viu a cena disse que mesmo depois de me deixar desacordado, ele pedia e procurava uma faca para me matar. Se ele tivesse encontrado, eu não estaria aqui, estaria morto”, declara.
É necessário frisar que nenhum dos agressores tinha a menor ligação com a vítima. A vítima foi à polícia e fez exames de corpo de delito, buscas momentâneas foram feitas, contudo os acusados fugiram. Depois disso, nada foi feito.
“Foram as primeiras e únicas agressões físicas que sofri. Suficientes para me deixarem bastante traumatizado. Hoje eu evito sair de casa, principalmente sozinho. Tenho medo que isso se repita”, fala.
Lojista troca sapatos de Drag Queen por preconceito
Manuel Estevão Barbosa Neto, 42, que já foi presidente do Grupo Gay do Benedito Bentes, sofreu ao tentar comprar sapatos femininos para ir a uma festa no mesmo dia. Como de costume, ele escolheu, provou, pagou e foi para casa. Mas, no momento de se arrumar para o evento, quando pegou os sapatos ainda embalados, percebeu que colocaram os dois pés esquerdos. Era um sábado à noite, não havia o que ser feito, ele não poderia trocar naquele instante, então, calçou outro par e esperou a segunda-feira para isso.
“Na segunda fui até a loja e mostrei os sapatos ao gerente, que disse: ‘É, vocês veados são assim mesmo, compram o sapato sábado de tardezinha, calçam e depois querem trocar”, conta.
Diante do que escutou, Manoel afirmou que procuraria seus direitos junto ao PROCON e o fez. Dois anos mais tarde, ganhou R$5 mil com a ação. Depois de ter saído a sentença, voltou à loja acompanhado de uma representante do órgão para que o gerente efetuasse o pagamento. Contudo, o gerente afirmou que só poderia pagar em parcelas.
“Eu o perguntei: 'você me chamou de veado parceladamente? Não! Então eu quero meu dinheiro de uma vez só'. Ele teve que pagar o valor integral no dia marcado. Ficou a lição para ele nunca mais discriminar alguém", relata.
Manuel é conhecedor de seus direitos e não sofre calado. É assim que ele acredita que algo pode mudar. “As pessoas têm medo de abrir a boca e denunciar as agressões, tem gente que deixa pra lá e isso é pior, porque assim o preconceito nunca acabará”, afirma.
Famílias "preferem" morte à homossexualidade
A Presidente do Dandara - movimento de lésbicas fundado dentro do Movimento do Axé -, Maria José da Silva Santos, 33, tem se deparado desde muito cedo com situações constrangedoras e ofensivas. Ela, que afirma ter se descoberto lésbica aos oito anos, sofreu as primeiras rejeições em casa, pelo seu pai, que, com valores tradicionais, nunca aceitou sua orientação sexual.
“Meu pai já afirmou que se soubesse que eu seria ‘sapatão’, preferia que tivesse nascido morta’. Foi um dos piores momentos da minha vida”, declara.
Atualmente Maria namora uma mulher de apenas dezenove anos, o que representam catorze anos de diferença. A jovem tem sua orientação sexual assumida em casa, contudo, não aceita pela família, devido à religiosidade. “O preconceito é tanto que eu já fui ameaçada de morte por seu tio. Por cautela, nos afastamos por um tempo e evitamos confrontá-los”, afirma.