Apesar da dor indescritível que sinto neste momento; da sensação de vazio absoluto como se não houvesse forças capaz de consolo; sou obrigado a me confessar um privilegiado. Pude conviver com um homem honesto, íntegro que me ensinou a ser tudo que tenho e se despediu de mim falando em amor; pedindo para que eu fosse forte e tentasse sempre ser melhor que eu mesmo, sem me pautar pelo desejo autodestrutivo de querer ser melhor que alguém.

Assim foi meu pai. Humilde, reflexivo, de longas falas quando necessário, duro quando preciso, amoroso, sorridente e extremamente educado com aqueles a sua volta. O homem que me faz olhar a minha filha e me cobrar sempre ser para ela o que ele foi para mim. Uma referência de lealdade, de compromisso com a verdade. Um porto seguro para toda e qualquer tempestade. E não foram poucas! Por quantas vezes, diante do fim do mundo, o mundo novo se fazia justamente nos braços deste homem, que me pegava pela mão e dizia – com seu jeito – “o norte é aqui”.

Meu pai foi um conselheiro. Todas as minhas escolhas profissionais e pessoais se deram depois de ouvi-lo, mesmo quando discordava. “Escute meu filho, com atenção. Pois é isto que tenho a dizer, o que não significa que seja o que você tenha que fazer. As escolhas são suas, assim como as consequências e as circunstâncias”. Era um de seus períodos que se repetiam antes de algumas conversas. Muitas delas, ocorridas dentro de um carro, entre a cidade de Maceió e o município de Mata Grande.

E eu nunca imaginei que ele pudesse morrer. Para mim, mesmo depois de adulto, ele continuava sendo imortal. E apesar de sua morte física, aos 58 anos de idade, ninguém vai me convencer do contrário. Ele continuará sendo imortal. Continuará no papel de conselheiro. Escrevo agora – por incrível que pareça – ouvindo sua voz ao meu ouvido. Suas frases, desde as mais doces, aos rompantes de abuso que lhe era tão peculiar. “Errei meu filho. Eu também erro, mas na maioria das vezes que errei foi por amar demais. Você tem a obrigação de ser melhor que eu”. Foi uma de suas frases de despedida.

Pois é. Tive o privilégio de me despedir de meu pai. Sua morte não foi súbita. Ele enfrentou com dignidade um sofrimento na luta contra um câncer, que lhe tirou o movimento das pernas, que lhe colocou em cima de uma cama, depois 20 dias em um hospital antes de falecer. Mas, a doença nunca roubou dele a lucidez, a dignidade, força, a beleza de espírito. “Agora é o fim! Não há mais o que fazer. Estou esperando a morte. Seja forte! Cuide-se, pois você tem uma família e deve passar para ela mais do que o que lhe passei”.

Meu pai me pediu várias coisas antes de ir. Inclusive para não chorar, porque estávamos diante do inevitável. Este pedido eu não realizei. Às 2h15, de hoje, 05, quando recebi a notícia foi inevitável não chorar! Por isto, escrever o texto assim que possível. Uma sensação de que ele estará lendo! Uma sensação de que ele vai levantar o polegar sinalizando um ok, como fazia quando lhe dirigiam a fala e ele – já sem voz, em cima da cama – não podia mais responder.

O “ok” que foi o último sinal de comunicação que tive de meu pai. E se deu assim! Era domingo, ontem, por volta do meio-dia, quando deixava o quarto do hospital porque minha irmã chegou para ficar com ele. Eu me aproximei de seu ouvido e disse: “Pai, já estou indo. Minha irmã chegou. Amanhã (que no caso é esta segunda-feira, dia 05) eu volto para dormir com o senhor. Beijo e te amo”. Ele balançou a cabeça afirmativamente e tentou levantar o polegar, já sem muitas forças.

Não dormirei nesta segunda-feira com meu pai! Mas, como meu conselheiro é um imortal, é um homem eterno, escuto sua voz velando meus sonos hoje e sempre! Minha vida sempre terá sua presença, afirmando: “o norte é aqui”. E de tanto ter a luz dos olhos deles nos caminhos por onde eu passei, se cheguei aonde cheguei é porque sempre soube escutar o que ele tinha para dizer, mesmo quando silenciava. E assim, ele silenciou com a dignidade! Deixou em seu último silêncio mais que palavras. Uma lição de vida!

Meu pai – Gilvan Vilar da Silva, 58 anos – faleceu nesta madrugada no Hospital Universitário, onde foi muito bem tratado por todos até o fim da vida. Lutava contra um câncer. O primário foi de próstata, mas houve a metástase óssea e as complicações. Seu sepultamento será às 18 horas no Cemitério Parque das Flores. Grato aos amigos pelo apoio.

PS: escrevi este texto ao sabor da emoção! Não quis voltar para revisar. Não tive coragem de reler o que fiz. Por isto, perdoem-me se por ventura encontrarem erros de língua ou linguagem. A mensagem deve se fazer mais importante.
 

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