Olá, pensadores!

Foi notícia nacional, essa semana, a sentença prolatada pelo juiz de Direito Jeronymo Pedro Villas Boas que, sem provocação de quem quer que seja, cancelou o contrato de união estável firmado entre Liorcino Mendes e Odílio Torres, em Goiânia. A notícia ganhou destaque devido à recente decisão tomada pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo da Corte, que, interpretando a Constituição, entendeu que a proteção reconhecida à união estável formada por um casal heterossexual se estendia aos casais homoafetivos.

A decisão do juiz singular reacende, além da polêmica social acerca dos efeitos do reconhecimento feito pela Suprema Corte, uma outra discussão, esta de cunho jurídico: o “poder” dos juízes monocráticos, ou seja, dos juízes de primeiro grau. A palavra “poder” está entre aspas porque, quando se trata de membros da magistratura, o termo correto a ser utilizado não é esse. Não é certo dizer que o juiz “pode” ou “não pode”. O acertado é saber se o juiz tem ou não “competência” para praticar tal ato.

Assim é que, por exemplo, ao STF é dada a competência de ser intérprete último da Constituição (art. 102, CF), o que ele faz através do que se chama de controle de constitucionalidade, ou seja, verificação se as leis, atos e decisões estão de acordo com a Constituição Federal. O controle pode ser difuso, quando, via de regra, as decisões valem apenas para as partes do processo, ou pode ser concentrado, caso em que o que o STF decidir deverá ser observado por todos os órgãos do judiciário e da administração pública.

Quando a Suprema Corte estendeu os efeitos da união estável para os homossexuais, fê-lo julgando uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), de n° 132, que foi conhecida, no caso, como Ação Direta de Inconstitucionalidade, forma concentrada de controle de constitucionalidade. Nesse julgamento, os ministros disseram que, para todos e qualquer um, o art. 1.723 do Código Civil deve ser interpretado à luz da Constituição “para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequência da união estável heteroafetiva”.

O juiz não só descumpriu o mandamento, como determinou, na sua área de atuação, que nenhuma outra união estável homoafetiva fosse registrada. É o fraco! A sentença do juiz singular, embora apoiada em suas crenças pessoais (ele é pastor evangélico) e quiçá no argumento de autoridade que ele imaginou ter, foi um ato despótico e abusado, proferido por alguém sem competência. Por isso, acertadamente cassada pelo TJ goiano. Falo em incompetência porque entendo que, embora os juízes singulares tenham competência para interpretar, nos casos concretos, as normas constitucionais, tal competência é derrogada quando o órgão máximo da interpretação constitucional já esposou, com efeitos vinculantes, seu entendimento sobre determinado dispositivo.

Resumindo, é isso: o senhor juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Registros Públicos de Goiânia, Dr. Jeronymo Pedro Villas Boas é, sim, autoridade. Mas somente para aquilo que lhe foi atribuído competência ou nos casos em que esta não lhe foi tirada. No resto, como a maioria dos mortais, o meritíssimo é abraçado em cheio pelo adágio popular que diz “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Aliás, para magistrados autoritários e que se acham a foice do capataz, o ditado ganha uma variação, para resguardar a deferência. Para tais togados, há mais sentido no ditado “manda quem é competente, obedece quem é só juiz”.

 

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