A revolta na Líbia já dura quatro meses, e a intervenção internacional já se arrasta por três. Ao contrário de Tunísia e Egito, a Primavera Árabe em solo líbio se transformou uma guerra civil na qual os atores principais são muitos - e pouco claros. Mas embora não se saiba como os próximos capítulos desta venham a ser escritos, o desfecho é, para o cientista político Maurício Santoro, da Fundação Getúlio Vargas (RJ), bastante palpável: "A maior probabilidade é que, de algum modo, Kadafi saia do poder".

Vive-se um impasse. Após um início de forte avanço dos rebeldes, sediados no Leste do país, a revolta se viu quase que inteiramente suprimida com a contraofensiva das forças do regime de Kadafi. Nesse momento, a ONU autorizou uma operação no país, que desembocou na intervenção militar liderada pela Otan com o objetivo oficial de preservar a vida da população, ameaçada pela guerra civil.

Em solo líbio, a situação se resume agora a um intricado xadrez entre as forças rebeldes e as leais a Kadafi, que avançam e contraem posições, sobrevoados por jatos e mísseis da Otan. No escalão diplomático, o conflito também tenta ser decidido: o Conselho Nacional de Transição, o órgão oficial dos rebeldes, vem sendo aos poucos reconhecido por potências ocidentais como o verdadeiro representante da Líbia, enquanto que membros do governo de Kadafi, como ministros e embaixadores, apresentam renúncia.

Desse impasse até a (ao que tudo indica) provável derrocada do coronel, Santoro enxerga ao menos três caminhos: "Talvez ele consiga negociar essa saída, trocando um acordo pacífico pela garantia de impunidade; talvez ele simplesmente seja morto em um ataque da Otan; ou talvez ele seja derrubado por um golpe interno."

A primeira saída, que seria a da diplomacia pura, implicaria um acordo que livraria Kadafi (e provavelmente familiares e aliados políticos) de sanções e punições pelos crimes cometidos durante a repressão do país. A alternativa tem contra si o fato de que o Tribunal Penal Internacional já optou por indiciar o coronel, além de ir contra as aspirações do povo líbio. "Isso é tudo o que os rebeldes líbios não querem: eles querem que (Kadafi) seja punido e enfrente processos judiciais, como é, por exemplo, o que tem acontecido no Egito", avalia. (No Egito, o presidente deposto, Hosni Mubarak, está preso e será levado a julgamento em agosto, juntamente com seus filhos.)

O segundo caminho envolveria a negociação política mais à feição dos rebeldes líbios: seria a alternativa de uma transição política negociada, na qual Kadafi gradualmente passaria os poderes a um novo governo, caminhando na direção do que ocorre na Tunísia e no Egito. (Uma alternativa híbrida entre o primeiro e o segundo caminhos seria um golpe de Estado dado por membros do governo, que, tirando Kadafi do poder, poderiam abrir diálogo com a oposição.)

O terceiro e último caminho seria a morte de Kadafi em um ataque da Otan a Trípoli. "Se Kadafi fosse morto num bombardeio, de maneira intencional ou acidental, abriria um espaço melhor para a resolução do conflito, para interromper o que já se configurou como uma guerra civil envolvendo as diversas tribos que compõem a Líbia", estima Santoro. Seria uma alternativa polêmica e contestável, mas pragmática e simples - similar inclusive à ação dos Estados Unidos que terminou com a morte de Osama bin Laden no Paquistão, em maio.

Seja qual for o caminho, a pressão contra Kadafi é tanto interna como externa. "É muito difícil que ele permaneça no poder porque ele tem, contra si, metade do país, e a metade onde estão situados os poços de petróleo", avalia. E, mais que isso, "não interessa para ninguém a permanência do Kadafi no poder. Ele virou uma fonte de problemas. Então é interessante - inclusive para os russos, para os chineses - que tenha algum tipo de solução na Líbia, um governo que possa garantir um mínimo de estabilidade".