As obras em curso na Igreja de Nossa Senhora dos Anjos estão restaurando cores originais de paredes e recuperando bens móveis do conjunto arquitetônico reunido no convento franciscano de Penedo. A mais recente descoberta mostra que a imagem da Virgem Imaculada pintada sobre a madeira do arco-cruzeiro carrega uma criança em seu ventre, representação da gestação do Cristo que foi encoberta durante alguma das várias intervenções efetuadas no templo.

Os trabalhos revelam, aos poucos, traços da originalidade da igreja construída a partir de 1682, local onde já havia uma capela desde 1660. No mesmo arco em processo de desmonte para sua restauração completa, as prospecções revelam as cores originais da representação de um encontro entre São Francisco de Assis, padroeiro dos franciscanos, e o Menino Jesus, quadro produzido com tinta a óleo aplicada diretamente sobre a madeira, sem camada de preparação.

Brasão franciscano esculpido em pedra

Sob a mesma peça decorativa feita com madeira entalhada, pintada e dourada com ouro brunido, a equipe encontrou uma surpresa: um brasão que representa a Ordem Franciscana esculpido na pedra, obra em cantaria desconhecida pelos próprios frades, seguidores da ordem que está em Penedo há 350 anos. Além desse achado histórico, outras descobertas também aconteceram na atual fase dos serviços iniciados em 15 de maio do ano passado.

Especialista em restauro e coordenador dos trabalhos, Vítor Cornejo informa que os nichos de laterais situados nas duas bases do arco do cruzeiro, ambos feitos com madeira, foram instalados depois da construção das paredes. As marcas de escavação mostram que foi preciso abrir espaço nas paredes para a instalação das peças, ao contrário dos três nichos localizados na nave principal, à esquerda de quem entra na igreja conventual, e do nicho da sacristia, pequenos altares que foram originalmente projetados em alvenaria.

Fôrro do altar-mor restaurado
As constatações que surgem com o desenrolar das obras mostraram também que a pintura do fôrro do alta-mor não recebeu camadas de tinta posteriores ao trabalho original. Toda a estrutura foi cuidadosamente retirada, peça por peça, para a realização do processo de limpeza e de proteção contra os maiores inimigos da madeira, a umidade e os cupins. Entre o desmanche, a realização dos serviços e reposição do fôrro foram quatro meses de trabalho, concluído no início da semana.

Do alto dos andaimes onde jovens aprendizes que residem Penedo trabalham na minuciosa remoção da repintura e restauro das peças, a contemplação do resultado eleva a auto-estima do visitante. A oportunidade de presenciar a realização de intervenções desse porte num canteiro de obras abertos à visitação pública gerou a possibilidade de pôr em prática um projeto de educação patrimonial com a participação de alunos do curso de Turismo da unidade Penedo da Universidade Federal de Alagoas.

Visitas guiadas para alunos de escolas públicas

Alunos e professores de escolas públicas das redes estadual e municipal deslocam-se ao convento para conhecer o que está sendo feito, visita guiada por universitários previamente treinados para passar informações sobre a obra. Enquanto a reportagem do aquiacontece.com.br coletava informações nesta sexta-feira, 06, um grupo da Escola Estadual Gabino Besouro também adquiria mais conhecimento.

“Um dos alunos chegou para mim e disse que agora entende que Arte, História e Geografia caminham juntos”, declarou a professora Cristina Maria dos Anjos sobre a avaliação que ouviu ao final do passeio pela igreja em obras.

Para quem se interessar em fazer a jornada, o aquiacontece sugere começar o roteiro conferindo o processo de restauração dos três nichos laterais da nave principal da igreja. O visitante vai se deparar com o altar, sem imagem, com as iniciais SVF – que podem significar Salve Virgem de Fátima. Por falar nas imagens sacras, todas elas foram retiradas dos nichos antes do começo dos serviços, por medida de precaução, e entregues à guarda dos franciscanos.

Novas intervenções dependem de mais recursos

De volta ao primeiro nicho, as letras de tom esverdeado estão com sua pintura original, assim como o altar, revelação que não se fez por completo nas paredes porque essa intervenção não estava contemplada no primeiro projeto, mas poderá ser feita caso se consiga mais recursos, intenção já declarada por representantes em Alagoas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/AL) mas que depende agora da disponibilidade de verbas para o setor que o governo federal já anunciou inclusive cortes.

A pintura original do primeiro nicho que leva ao pequeno altar pode ser vista em uma ‘janela’ aberta na parede durante a prospecção das camadas de tinta que ao longo dos anos cobriram um painel similar ao de um revestimento com azulejos coloridos. A aplicação de pinturas diferentes das primeiras não visava destruir a originalidade da obra, conforme avaliam especialistas, mas tão somente renovar o revestimento e, quem sabe, dar uma nova ‘cara’ ao ambiente.

Sucessivas camadas de tinta sobre a original

Com a missão de coordenar as intervenções no convento franciscano que tentam resgatar o que sucessivas pinceladas esconderam, Vítor Cornejo disse que somente no altar sem imagem cerca de cinco ou seis camadas de tinta foram removidas. Além dessa intervenção, o restauro precisou de ‘enxertos’ de madeira de cedro para completar partes apodrecidas do altar, recuperação com matéria-prima importada do Sul da Bahia ao custo de R$ 4 mil por metro cúbico.

Para essa recuperação das peças, já foram utilizadas cinco toneladas de cedro, madeira distribuída em peças fixas da igreja e os chamados bens móveis, com destaque para a restauração do púlpito instalado próximo ao arco-cruzeiro, na parede direita de quem se encontra na nave principal do altar. Antes de chegar até ele, é preciso voltar ao segundo nicho já recuperado, dedicado à Nossa Senhora Mãe dos Homens.

Tons verde e dourado redescobertos
Os tons verde e dourado predominam no altar com sua pintura original descoberta, móvel desmontado e restaurado, processo minucioso, realizado em todos os locais onde houve e estão sendo feitas intervenções que tomam conta do espaço onde ficam os bancos para acompanhamento das missas. Sobre mesas ou em apoiados no chão, tribunas também já foram recuperadas, peças que ficam nas janelas da nave principal.

Entre os espaços e os bens móveis já restaurados, o visitante pode observar o trabalho de cada artesão, cada qual com sua missão de resgatar as marcas da singularidade da Igreja de Nossa Senhora dos Anjos, trabalho conjunto que merece ser conferido de perto.