A intervenção militar na Líbia por uma coalizão formada essencialmente por países ocidentais - devidamente autorizados pela Resolução 1973, do Conselho de Segurança da ONU - deixa no ar, para muitos, dúvidas sobre o possível caráter seletivo da aplicação do Direito Internacional.
Por que a Líbia, mas não Gaza, onde se estima que 700 civis tenham morrido na ofensiva israelense em 2008 e 2009? Ou a Síria e o Iêmen, onde os ditadores mandam abrir fogo contra manifestantes, resultando em centenas de vítimas? Ou mesmo a Costa do Marfim, onde um presidente derrotado nas urnas se nega a largar o poder, dando início a um ciclo de violência que já deixou um rastro de quase 500 corpos desde dezembro?
Os ataques às forças de Muamar Kadafi estão respaldados pela chamada Responsabilidade de Proteger (RdP), conceito absorvido pela ONU em 2005 e que consiste basicamente na ideia de que cabe primordialmente ao Estado a proteção de seus cidadãos.
Quando ele inverte tal preceito e passa a atacá-los, abre-se a brecha para uma ação mais contundente da comunidade internacional.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam dois planos nem sempre concordantes entre si - um jurídico e outro moral - na decisão da ONU de dar sinal verde a uma ação militar na Líbia.
Para o professor Olivier Corten, da cátedra de Direito Internacional da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, o fato de o Conselho de Segurança atuar em certos casos, e não em outros, não é contrário à Carta da ONU em termos jurídicos. Por um motivo: o Conselho de Segurança foi concebido como um órgão político. Sendo assim, "vai agir em função das relações de força e da vontade política de seus membros".
Mas, no plano moral, ressalva ele, a aplicação seletiva da lei internacional complica o meio de campo.
- Temos um problema de aplicação discriminatória. Se olharmos por este aspecto, não se compreende por que se intervém na Líbia e não na Costa do Marfim, em Bahrein, na Síria e no caso da Palestina, que é o problema mais antigo e grave da região - aponta.