A onda de protestos que está transformando a Líbia no palco de uma sangrenta guerra civil e que derrubou os regimes ditatoriais da Tunísia e do Egito nos últimos meses começa a ter seus primeiros reflexos em outras regiões. No Azerbaijão, protestos foram convocados para a última sexta-feira, 11 de março - data que marca um mês do início das manifestações egípcias.

O movimento, chamado de "11 de Março - Grande Dia do Povo", foi totalmente articulado através de sites de redes sociais. O governo reagiu violentamente nos dias que antecederam ao evento, que não divulgou o local onde as demonstrações ocorreriam, mas mesmo assim obteve a adesão de 3 mil pessoas através da internet.

O único organizador fisicamente presente no Azerbaijão, Bakhtiar Hajiyev, foi preso dias antes sob a acusação de violar os termos de sua prisão domiciliar, em um processo que corre contra ele por evasão do serviço militar obrigatório. Organizações de direitos humanos e a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, estão intercedendo junto ao governo azeri para garantir que Hajiyev seja solto e não sofra maus tratos na prisão - policiais estariam ameaçando estuprá-lo desde que o ativista foi detido.

O governo do presidente Ilham Aliyev, que governa o Azerbaijão com mão de ferro desde a morte de seu pai, o ex-presidente Heydar Aliyev, em 2003, determinou ainda que milhares de policiais tomassem as ruas e praças da capital do país, Baku, e impedissem as realizações de protestos. Além disso, o Ministério da Justiça do Azerbaijão determinou o fechamento de diversas organizações de direitos humanos e pró-democracia operando no país, dentre as quais a Human Rights House e o National Democratic Institute (NDI), presidido pela ex-Secretária de Estado americana, Madeleine Albright, segundo informou a rádio Free Europe. O Terra pode confirmar independentemente a ordem de fechamento dos escritórios do NDI em Baku.

As demonstrações de sexta-feira ocorreram em cinco pontos distintos da capital do país, além de outras três cidades no interior do Azerbaijão. A polícia agiu de forma preventiva e passou a prender possíveis manifestantes antes mesmo que eles chegassem aos locais de protesto, que contaram com pouco mais de 40 pessoas.

"A principal manifestação que pudemos observar foi a truculência e histeria do governo azeri em reprimir qualquer ato contra o regime. Chegava a ser cômico ver centenas de policiais para controlar um punhado de jovens. Na média até oito policiais encurralavam um único manifestante. Tivemos casos de pessoas sendo presas antes do início das demonstrações enquanto bebiam chá em um restaurante aqui em Baku - e isso apesar de a Constituição do país garantir a liberdade de manifestações públicas", disse ao Terra a jornalista independente Joanna Zielinska, de nacionalidade tcheca, mas baseada no Azerbaijão.

Cerca de 20 ativistas foram detidos nos protestos de sexta-feira, dentre eles o presidente do Centro de Estudos Democráticos e de Monitoramento Eleitoral do Azerbaijão (Cedeme), Anar Mammadli. "Três policiais me reconheceram e partiram para cima de mim, me levaram até uma viatura, mas acabaram me soltando pouco depois. Durante a manifestação, os policiais bateram em pelo menos quatro ativistas - a maioria muito jovem. A manifestação de sexta-feira não foi muito bem organizada, pois as pessoas no Azerbaijão não estão acostumadas a utilizar mídias sociais, mas o governo reagiu de forma desproporcional mesmo assim, pois compreendeu que isto é apenas o começo. Os protestos de 11 de março são apenas o começo. Nossos heróis - jovens ativistas - estão na prisão hoje, mas esse é o começo do dinamismo político no Azerbaijão", disse Mammadli.

O partido de oposição Musavat também organizou protestos no sábado (12/3), que mais uma vez foram reprimidos pelas forças do governo. "Cerca de 60 manifestantes foram encurralados na principal praça de Baku por centenas de policiais uniformizados e à paisana. Vi uma mulher sendo espancada enquanto gritava para o governo sair do poder. Este início de manifestações é totalmente inspirado nas revoltas do mundo árabe. Um grupo de ativistas jovens está conseguindo levar isso adiante, mas há muito medo nas pessoas. O governo monitora as comunicações e persegue quem participa desses atos. Mas mais protestos devem ocorrer nos próximos dias", disse ao Terra o ativista Zohrab Huseynov, 21 anos.

Anar Mammadli, do Cedeme, concorda com as opiniões de Huseynov. "Os protestos são totalmente inspirados no que assistimos agora ocorrendo nos países árabes. As pessoas sabem que se não mudarmos o regime, não teremos um futuro digno", afirmou.

Segundo o embaixador do Brasil em Baku, Paulo Antônio Pinto, apesar de as motivações por trás das manifestações serem as mesmas do Oriente Médio, há uma importante diferença histórica no caso azeri. "As ditaduras do Oriente Médio surgiram como uma resposta direta ao movimento colonialista e durante a Guerra Fria, no qual o apoio financeiro de Washington ou Moscou eram automáticos, dependendo da opção política do regime. No caso do Azerbaijão, as demandas foram muito maiores, pois esse apoio já não existia após a derrocada da URSS. Com o conflito ainda existente com a Armênia, apesar do cessar-fogo, o próprio governo local admite que não tem como conceder direitos plenos aos seus cidadãos, pois não controla cerca de um quinto de seu território. Há, entretanto, o objetivo declarado do país de ingressar na União Europeia e a consciência do próprio governo de que mudanças deverão ocorrer. O principal impacto dos protestos que começamos a ver é a quebra de inércia do 'frozen conflict, frozen minds' (conflito e mentes congelados), no qual nada ocorre em função de um conflito paralisado com a Armênia e dos resquícios da mentalidade soviética, onde as pessoas esperavam receber ordens e não a pensar por si próprias", afirmou o Embaixador.

Para a próxima semana, novos protestos estão sendo convocados por partidos de oposição e grupos de ativistas.

Sobre o país
O Azerbaijão é um pequeno país às margens do Mar Cáspio, no sul do Cáucaso, a fronteira natural entre a Europa e a Ásia. Com uma área um pouco menor que a do Estado de Santa Catarina, e população de cerca de 9 milhões de habitantes, em sua maioria muçulmanos xiitas seculares, o país é extremamente rico em petróleo e gás natural - seus principais commodities e fontes de renda.

Após a dissolução do império russo, o país tornou-se a primeira república parlamentarista e democrática do mundo islâmico, que perdurou sob o nome de República Democrática do Azerbaijão por 23 meses, entre 1918 e 1920, quando os russos efetivamente reconquistaram o território e o incorporaram como uma república à União Soviética (URSS).

Com o colapso da URSS, o país obteve novamente sua independência em 1991, mas travou uma sangrenta batalha até 1994 com a vizinha Armênia, na qual perdeu o controle sobre 16% de seu território (as províncias de Nagorno-Karabach), com um saldo de 30 mil mortos e cerca de 800 mil refugiados.

Em 1993, Heydar Aliyev, único azeri a ter sido membro do Politburo Soviético, foi alçado ao poder em um golpe militar. A família Aliyev e seus aliados passaram a dominar toda a esfera política e econômica do país, gerindo o país de forma autocrática, quase como uma monarquia dinástica. Quando Heydar Aliyev faleceu em 2003, seu filho Ilham Aliyev assumiu o poder e perpetuou o regime. Eleições parlamentares e presidenciais ocorrem periodicamente no país, mas, segundo diversas organizações internacionais, há fortes indícios de fraudes nos pleitos.