A evolução tecnológica permitiu ter em casa componentes que até pouco tempo atrás só se podiam ver e ouvir no cinema - tela grande, imagem em alta definição, som surround. Esse cenário fez o público trocar a sala de cinema pela sala de casa, o que colocou o mercado cinematográfico do mundo todo em crise. Porém, esse cenário vem mudando. E esse super-herói que salvou a indústria do cinema tem um nome: tecnologia 3D.
Só no Brasil, de 2008 pra cá o público nas salas de cinema teve um aumento de 50%. Eram apenas 89,1 milhões de pessoas em 2008, número que saltou para 112,7 milhões em 2009 e fechou 2010 em 135 milhões de espectadores. "O mercado 3D se consolidou e deixou de ser uma tendência para se tornar um fato. Ele trouxe para o cinema o que o público queria, participação e interatividade", diz Bettina Boklis, diretora de Marketing da rede Cinemark. Segundo Bettina, há dois anos havia apenas 10 títulos em 3D disponíveis, e o calendário oficial já prevê 35 filmes para este ano. "É uma resposta do mercado para um produto que deu super certo", afirma Bettina.
Mas se engana quem pensa que o Brasil só consome 3D. A produção nacional de filmes em três dimensões não se compara à indústria de Hollywood, mas já dá os primeiros passos. Em janeiro, estreou nos cinemas brasileiros o primeiro longa nacional usando a tecnologia. Brasil Animado, dirigido por Mariana Caltabiano, mistura imagens reais do País com personagens animados. A ideia de fazer o filme em 3D veio só depois do roteiro pronto. "Depois de apresentar o projeto para a Globo Filmes e a Tele Image, vimos que seria o filme ideal para testar a tecnologia. A história permitia e não seria tão complicado de fazer", afirma Mariana.
Antes disso, no ano passado, o animador Ale McHaddo lançou o curta-metragem em animação Bugigangue - Controle Terremoto, o precursor da produção em 3D para o cinema no País. O filme vem sendo usado como uma forma de mostrar a viabiliadade do 3D e para captar recursos para o longa Bugigangue no Espaço, com previsão de estreia em dezembro do ano que vem. "Nós definimos em 2009 que seria interessante fazer em 3D. Nem era uma necessidade, porque o 3D não era tão forte como é agora", conta o diretor.
Divisor de águas
Os dois filmes brasileiros estavam em produção ao mesmo tempo em que James Cameron rodava Avatar. Mesmo não sendo a primeira produção da nova leva de filmes 3D que invadiram as salas, o longa é visto por Ale como um "divisor de águas" para a tecnologia no cinema. "Avatar virou o jogo da indústria pelo visual que mostrou e pela bilheteria que alcançou. O filme mostrou para o mercado que o 3D tinha viabilidade e que agradava o público. Os outros filmes acabaram indo na onda", diz o cineasta.
O impacto que o filme de Cameron causou na indústria fez com que Mariana fizesse uma brincadeira no começo de Brasil Animado, quando um dos personagens avisa que o filme "não é assim um Avatar". Ainda mais se forem comparados os orçamentos dos dois filmes. Enquanto Avatar custou US$ 237 milhões (quase R$ 400 milhões), Brasil Animado foi produzido com R$ 3 milhões. "James Cameron choraria com esse orçamento", diz Mariana.
A cineasta calcula que o filme teria custado a metade do preço se fosse feito em 2D. E não são só o aluguel do equipamento e a pós-produção mais trabalhosa que aumentam os custos do filme. "Paguei muito excesso de peso nas viagens pelo Brasil por causa do equipamento. Se fosse em 2D, eu poderia viajar com a metade da equipe", calcula. Ale calcula que a tecnologia causa um impacto de 30% a 40% no orçamento final do filme, se ele já for planejado em três dimensões. "Remodelar de 2D para 3D um projeto em andamento custaria o dobro", analisa.
A boa notícia é que pesquisas realizadas no Brasil permitem fazer da tencologia 3D uma tecnologia mais barata. Hélio Souza, doutor em semiótica e sócio da Photon 3D, uma empresa incubada na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), pesquisa a tecnologia há oito anos. O trabalho no Laboratório de Pesquisas em Imagem e Som (Lapis Digital) da UFMS, segundo ele, permite a produção de uma forma mais barata do que vem sendo apregoado no mercado. "A gente usa câmeras mais baratas, resolve os problemas monitorando o que existe no mercado. Existem soluções que podem habilitar uma produtora média ou pequena a trabalhar com 3D", garante.
Entre os equipamentos pesquisados e desenvolvidos pelo Lapis estão os "rigs", suportes onde são colocadas as câmeras para que elas gravem as imagens em tempos iguais. É com junção dessas câmeras, um jogo de espelhos e muitos cálculos que o laboratório produz seu material. "Não se faz filme 3D com tecnologia, mas com conhecimento de como funciona", afirma.
A dificuldade na produção
Com uma dimensão a mais, já não não basta o diretor decidir apenas qual o melhor ângulo e enquadramento da imagem. A profundidade também precisa ser pensada. Isso colocou mais um profissional no set de filmagens: o estereógrafo. Ele é responsável pelos cálculos que medem a separação das câmeras e dos objetos, o que vai definir qual imagem vai saltar para fora da tela e qual vai ficar mais para dentro. "O estereógrafo toma conta do efeito 3D. É muito trabalhoso, completamente diferente da produção em 2D. Se filmar errado uma cena, se tiver uma sujeira na câmera, vai ser muito mais difícil, ou até impossível, corrigir o erro", afirma Ariel Wollinger, estereógrafo de Brasil Animado.
Wollinger diz que começou na função pela necessidade do mercado. Segundo ele, há cursos no exterior para formação de estereógrafos, mas o seu aprendizado veio das feiras, da compra, aluguel e até mesmo da construção do próprio equipamento. "Há muito conhecimento da técnica, mas pouco consenso dos conceitos ainda", diz.
A filmagem, que requer muito cálculo e planejamento, é lógico, dificulta a vida da equipe. "O que facilitou pra gente foi ter feito filmado cenas do Brasil. Se fosse um filme mais complicado, como um filme de ação, seria mais difícil", diz a diretora de Brasil Animado. "Se aparecesse uma onça, por exemplo, não ia dar tempo de recalcular e reposicionar a câmera para fazer a imagem. O 3D não permite trabalhar no improviso, pois pode até causar uma sensação desagradável no espectador", diz. O que chamou a atenção da diretora foi o fato de conseguir ver as imagens em 3D ainda durante as gravações. "Eu pensava que só ia conseguir ver o 3D na pós-produção, mas já dá pra ver no monitor da câmera a profundidade, o que possibilita corrigir na hora alguma falha."
A captação de imagens reais é a parte mais difícil da produção em 3D. "Na animação, passar para o 3D não é tão difícil. A computação gráfica consegue fazer com que as coisas saiam mais da tela, a imagem real tem uma limitação", afirma Mariana. Ale McHaddo diz que nunca filmou em 3D, e acha que não filmaria. "Na animação é tudo virtual. É só adicionar mais uma câmera e aprender a animar com isso", compara. "É uma vocação da animação ser 3D. A gente tem como controlar, a gente pode exagerar e potencializar o efeito", afirma.
Mesmo mais fácil que o filme real, Ale não esquece do acúmulo de trabalho que o 3D provoca na produção. "De qualquer forma, você tem que adicionar elementos e mexer em uma rotina que já estava estabelecida. Ela fica mais trabalhosa e com muito mais etapas", diz. Mas, segundo ele, o desafio vale a pena. "Tem que pensar em cada detalhe, em como usar o efeito para não cair no óbvio de tudo cair da tela. Você tem que convidar o espectador para o filme, e não ficar lembrando a toda hora que ele está no cinema vendo um filme 3D."
3D é solução para o mercado?
Do ponto de vista financeiro, o cinema 3D ajudou a elevar os lucros de produtores e exibidores com o ingresso mais caro. E também a resolver um problema que vinha se arrastando, a implantação do cinema digital. "O cinema estava com problemas de financiamento para implantar a tecnologia digital, e o 3D vem facilitando isso", diz Hélio Souza. "Com o 3D a tendência é digitalizar as salas, o que permite uma resolução maior até para filmes 2D e ajuda a disseminar outros tipos de conteúdo nas salas de cinema", afirma a diretora de Marketing do Cinemark.
Se por um lado os filmes em três dimensões tiveram um papel decisivo em levar o público de volta às salas de cinema, por outro essa tecnologia não é vista como uma "solução" para a indústria cinematográfica. "Começaram a chamar de solução porque o ingresso é mais caro e dá uma levantada nas bilheterias, mas já foram lançados filmes 3D que não tiveram sucesso", diz. "A prioridade tem sempre que ser a história, os personagens. O roteiro tem que pedir que seja em 3D. Em muitos filmes não faz muito sentido, o resultado não compensa o gasto", afirma ela.
Ale McHaddo concorda que a história chama um filme 3D, e não o contrário. "Muito por conta do sucesso de Avatar, há um equívoco em entender quais filmes merecem ser feitos em 3D. O 3D é uma solução paliativa para a indústria. É uma nova opção de entretenimento que permite uma experiência cinematográfica diferente", afirma o diretor de Bugigangue - Controle Terremoto. "Isso ajudou a transformar o cinema em um momento especial, mas tende a mudar quando a TV 3D estiver estabelecida", prevê.









