“A ordem foi para que eu cortasse o pescoço de Lampião, mas não tinha frieza para isto”. A afirmação foi dada pelo sargento da reserva Elias Marques de Alencar em entrevista à Assessoria de Comunicação da Polícia Militar de Alagoas no dia 30 de agosto do ano passado. Durante a produção da revista institucional da corporação, a equipe foi até o município de Olho d’Água do Casado, onde ele residia, para colher informações sobre a participação da PM na luta contra o fenômeno ocorrido no Nordeste brasileiro em meados do século XIX ao início do século XX, o cangaço.

 

Por volta das 2 horas da madrugada de ontem, dia 9, aos 96 anos, o sargento Elias faleceu, em casa e de morte natural. Ele era o último integrante vivo da volante que combateu o cangaço com a batalha que resultou na morte de Lampião e seu bando, no dia 28 de julho de 1938, na Grota de Angicos, Poço Redondo (SE).

 

Ontem, no velório, que ocorreu em sua residência, o genro do sargento Elias, José Gualberto Pereira, de 48 anos, contou um pouco da trajetória de vida do sogro. “Ele era um exemplo para todos nós. Uma pessoa verdadeira e de caráter. Qualquer um pode percorrer toda a nossa região, que a referência sobre ele será a mesma”, frisou.

 

O enterro ocorreu às 17 horas no cemitério municipal de Olho d’Água do Casado em clima de comoção. O toque fúnebre da corneta e muitos aplausos marcaram a despedida de amigos e familiares.

Biografia do Sargento Elias

Nascido em 14 de abril de 1914, o sargento Elias deixou oito filhos e a companheira, Maria José Pereira, conhecida como Dona Lili, de 89 anos.

 

 

Confira abaixo, na íntegra, a reportagem gerada através da entrevista com o sargento Elias. Ela foi veiculada em outubro do ano passado na revista institucional da PM:

 

 

Memória Viva: remanescente da volante que combateu o cangaço conta detalhes da batalha que resultou na morte de Lampião

O sargento da reserva Elias Marques de Alencar tinha apenas três anos de corporação quando se deparou com uma das mais importante e perigosa missão durante a carreira na Polícia Militar de Alagoas: apanhar Lampião e seu bando. Mas, vamos contar esta história por parte.

Antes de tudo, quase que a empreitada que desencadeou na morte de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, não iria fazer parte da saudosa memória do veterano Elias. É que o ingresso na briosa, no ano de 1935, só foi possível com uma ajuda política. Como durante o período de recrutamento o comandante da PM tinha negado a sua entrada na corporação, a intervenção externa foi determinante.

Poucos dias depois, Elias voltou para o Quartel Geral onde ouviu do comandante um “Pronto! Agora você já é um soldado da Polícia Militar”. Sem acreditar no que tinha escutado, disse em pensamento: Já! Ele falou um dia desses que eu não poderia está aqui! Daí então passou pela guarda do QCG (Quartel do Comando Geral) em Maceió, foi destacar na cidade de Penedo e depois em Piranhas, município sertanejo que fica próximo à cidade de Mata Grande, onde Elias nasceu.

Com o crescimento do cangaço – fenômeno ocorrido no Nordeste brasileiro de meados do século XIX ao início do século XX e caracterizado por ações violentas de grupos armados que viviam como nômades – surge na região sertaneja as chamadas volantes, grupos formados por policiais com conhecimentos geográficos das regiões interioranas dos estados nordestinos. Elias era um dos que faziam parte das volantes.

Para combater os cangaceiros, que conheciam a caatinga e o território nordestino muito bem, era preciso uma boa desenvoltura na vegetação árida do sertão, algo que os policiais da capital não tinham. E mesmo com o surgimento das volantes, o cangaço se perdurou por 18 anos, até que no dia 28 de julho de 1938 um ataque surpresa põe fim a dinastia de Lampião. Considerado o mais famoso cangaceiro da época, o “Rei do Cangaço” atuou com o seu bando durante as décadas de 20 e 30 em praticamente todos os estados do Nordeste do país. Era considerado uma espécie de mito e misturava heroísmo e bravura com brutalidade e medo.

Temido por muitos, Lampião e o seu bando viviam de assaltos, da cobrança de tributos de fazendeiros e de "pactos" com chefes políticos. Praticavam assassinatos por vingança ou por encomenda. A fama alcançada torna Lampião o inimigo número um da polícia nordestina. O então soldado Elias sabia que a missão passada para ele e toda a volante comandada pelo tenente João Bezerra poderia ter um fim impróprio.

A ordem dada pelos superiores era de não contar para ninguém sobre a missão de capturar Lampião. Mesmo assim, Elias avisou a esposa da possível não volta para casa. Maria Pereira de Alencar, mais conhecida como Dona Lili, então pediu que o marido levasse consigo a imagem de Padre Cícero Romão no bolso da farda e foi com ele e a coragem que o soldado Elias partiu de Piranhas, no sertão alagoano, para a fazenda Angicos, cidade sergipana de Poço Redondo e que fica há cerca de 15 Km de Piranhas, em Alagoas.

Elias conta que duas canoas foram utilizadas para o transporte da volante alagoana à noite pelo Rio São Francisco. Na manhã seguinte, após subir e descer uma serra, já em Angicos, o grupo cerca a grota onde estava Lampião e o bando. Segundo ele, foi quando um cangaceiro saiu da toca para lavar o rosto que os policiais, em número de aproximadamente 40 homens, começaram o confronto.

Na troca de tiros, Elias lembra que viu muito mandacaru e xique-xique caindo com bala que vinha de tudo que era lado. Um estilhaço de uma pedra acertou o rosto do soldado e foi então que um sargento perguntou: Você está baleado Elias? E sem ainda ver o sangue escorrendo pelo rosto ele disse: Até agora tá tudo em paz.

Àquele não era realmente o dia do soldado Elias terminar sua trajetória dentro da PM. Um tiro, possivelmente endereçado à ele, veio a atingir o companheiro que estava na retaguarda. “Por pouco àquele tiro não pegou em mim. Não tinha chegado a minha hora de morrer”, brinca com o destino. O policial que não teve sorte foi o único morto da volante.

Enquanto isso, uma outra fronte nem chegou a travar uma batalha com Lampião. Quem diria que o mais temido cangaceiro tivesse um final tão sem graça, diferente do que se imagina em uma briga entre o bem e mal, com dificuldades para ambos os lados a fim de se buscar a vitória.

A versão dada por Elias foi a de que não houve tempo para Lampião reagir. Quando partiu para pegar a arma, foi atingido na cabeça e morreu juntamente com a sua fiel companheira Maria Bonita. Na mesma sequência Elias relata que Luís Pedro, homem de confiança de Lampião, também foi morto no confronto. Ao todo, onze cangaceiros morreram e os demais conseguiram fugir.

Como forma de concretizar a vitória da volante, surgiu a idéia de decepar a cabeça de Lampião e dos demais cangaceiros mortos para serem expostos em praça pública. “A ordem foi para que eu cortasse o pescoço do Lampião, mas não tinha frieza para isto”, lembra o veterano Elias. De volta, ele e todos os integrantes da volante foram recebidos pelo governador de Alagoas, Osman Loureiro, que entregou para cada um o prêmio de 1 conto de réis. “Dava pra comprar um bom apanhado de terra na época”, disse. Com o fim do bando de Lampião os outros grupos de cangaceiros não eram os mesmos. Pouco a pouco foram se desarticulando e no final da década de 1930 encerra-se de vez a era do cangaço.