Na sexta-feira passada, o editor de um boletim imobiliário promissor chamado Sonar Report levantou antes do amanhecer, vasculhou a internet em busca de material para a edição do dia e, às 09h04, enviou-o para sua lista de assinantes.
Sem que eles soubessem, o editor era Mark David Madoff, o filho mais velho do vigarista condenado Bernard L. Madoff
Menos de 24 horas depois de enviar o email, ele se enforcou em seu apartamento em Manhattan, deixando para trás uma vida de fardos e bençãos.
As bençãos pareciam sustentá-lo, mesmo naquele dia final, de acordo com pessoas próximas a ele. Elas lembram de um homem que estava construindo pacientemente um novo negócio, falando regularmente com os amigos, passando tempo com sua esposa e seus quatro filhos, e mesmo nas últimas horas de sua vida, passeando com seu cachorro, um afetuosos labrador.
Mas por trás dessa máscara, as dificuldades da vida como o filho de Bernie Madoff – a suspeita permanente do público, as duras acusações em inúmeras ações judiciais e seu exílio do mundo de Wall Street – foram progressivamente se tornando insustentáveis.
"A pressão dos últimos dois anos pesou muito para ele", disse uma pessoa próxima a ele desde a infância. "Ele ficou profundamente, profundamente irritado com o que seu pai fez para ele – para todos. Essa raiva parecia apenas alimentar a si própria".
O fardo tinha diminuído conforme a opinião pública parecia esquecer o caso, disse esta pessoa. Mas as ações movidas na semana passada pelas pessoas cujos fundos Madoff administrava incluiu uma medida preocupante contra seus filhos e "casos contra muita gente pequena da organização, entre as quais ele sabia estar alguns parentes", a pessoa continuou. "Isso reabriu as feridas. Deve ter sido muito mais do que ele podia suportar".
Mark Madoff, de 46 anos, também foi indiciado em pelo menos nove ações judiciais que procuraram recuperar milhões de dólares em danos e sujar sua reputação profissional, os amigos disseram. E ele estava incomodado com notícias que várias vezes – e, segundo seus advogados, falsamente – retratavam-o como sob investigação criminal por algum papel no épico crime de seu pai.
O mais frustrante de tudo, essa pessoa disse, era o fato de que nem ele e nem ninguém que o conhecesse poderia defendê-lo publicamente. "Haviam todos esses comentários dos administradores sobre como ele era um bobo incompetente, e ter todas as pessoas que você conhece amordaçados por seus advogados diante disso foi muito, muito difícil".
Sem emprego nem identidade
Ninguém no mundo financeiro, o único mundo no qual ele havia trabalhado, iria se arriscar publicamente e dar emprego a um Madoff.
Ele entendia quão contaminada sua identidade havia se tornado. Sua esposa, Stephanie, solicitou a um tribunal este ano que o sobrenome dela e de seus dois filhos fosse modificado para "Morgan".
O nome Madoff não aparece em nenhum dos registros corporativos da Sonar Report. Seu endereço é uma caixa postal perto de sua casa, onde ele passava regularmente para recolher a correspondência. Ele escondeu o seu papel como fundador e editor da newsletter de todos, exceto da família e de alguns amigos íntimos.
Pelo menos oito de seus fiéis amigos estavam dispostos a falar sobre sua luta fracassada para continuar no caminho, mas nenhum quis ser identificado para este artigo temendo que iriam se tornar o próximo alvo do que um deles chamou de "malucos" que circundam qualquer um envolvido na saga de Madoff.
A vergonha de ser um Madoff sacudiu os alicerces da vida e da identidade de Mark Madoff, disse um amigo próximo.
"Ele sempre teve muito orgulho de seu nome e de ser o cara que era filho de Bernie Madoff", disse o amigo. "E então, depois daquilo, tudo o que viam nele era o fato dele ser filho de Bernie Madoff".
A atenção da mídia, que apenas se intensificou após o suicídio de Mark Madoff, levou sua família a decidir cremar seu corpo e não realizar um funeral. Um serviço privado foi realizada em um local confidencial na quinta-feira.
Denúncia contra o pai
Mark Madoff e seu irmão mais novo, Andrew, se tornaram celebridades acidentais no dia em que seu pai foi preso. Um dia antes, os dois irmãos tinham relatado à polícia que seu pai tinha confessado que a sua empresa de investimento era "uma grande mentira", um bilionário esquema de Ponzi que ele executava há anos.
Bernard Madoff se declarou culpado e está cumprindo uma sentença de 150 anos em uma prisão federal da Carolina do Norte. Seus investidores têm perdas de caixa estimadas em US$ 20 bilhões, mas o valor mantido em suas contas quando a fraude foi percebida totalizavam US$ 64,8 bilhões. Mark Madoff não estava em contato com seu pai ou sua mãe, Ruth, desde que a fraude foi exposta, há dois anos.
Mark Madoff sofreu visivelmente no ano que se seguiu à detenção de seu pai. Em outubro de 2009, sua esposa chamou a polícia e disse que ele havia desaparecido depois de sair para uma caminhada após uma briga conjugal e não retornar por muitas horas, de acordo com uma pessoa familiarizada com o incidente. A polícia o encontrou no Hotel Soho Grand. De acordo com a pessoa próxima a ele desde a infância, ele procurou aconselhamento após esse episódio e parecia ter se firmado.
As atenções indesejadas voltaram à família de Madoff com o segundo aniversário da prisão de seu pai. De acordo com vários amigos, Mark Madoff tinha expressado raiva e frustração com a cobertura da mídia, especialmente os artigos que viu na véspera de sua morte, que sugeria que procuradores federais continuavam a investigar ele e seu irmão. Seus advogados disseram que nem Mark nem Andrew foram notificados pelo Ministério Público que seriam alvo ou objeto de uma investigação criminal.
A renovada atenção da mídia e os incessantes processos pesavam sobre Mark Madoff, dizem seus amigos. Mas um amigo que falou com ele na sexta-feira disse que sua preocupação com a cobertura do aniversário não parecia incomum.
"Não havia nada na sua conversa que sugerisse que ele achava que isso era um grande evento", disse o amigo. "Parecia que essa era a mesma notícia de novo".
Madoff e seu irmão foram criados em Roslyn, Nova York, em Long Island. "Ele era o menino lindo e loiro que a maioria dos rapazes invejava por sua aparência e com quem as meninas queriam sair, ou pelo menos flertar", o cantor Brett Harris, um colega de escola, escreveu em seu blog no dia de sua morte.
Ganhos com ações
Depois de se formar pela Universidade de Michigan, em economia, Madoff se mudou para Nova York e foi trabalhar na empresa de seu pai, a Bernard L. Madoff Investment Securities. Ele trabalhou no braço legítimo da empresa ligado ao comércio de ações. A unidade, que era comandada pelo Madoff mais novo e seu irmão, era distinta do negócio de gestão de dinheiro falso do pai e foi um formidável sucesso em Wall Street por décadas.
Madoff se casou com sua namorada da faculdade, mudou-se para o rico subúrbio de Greenwich, Connecticut, e teve dois filhos. Ele se divorciou e se casou com sua segunda esposa, a executiva de moda Stephanie Mikesell. Eles tiveram dois filhos e se estabeleceram no bairro de SoHo, em Manhattan. Ele mantinha uma casa em Greenwich e também possuía uma casa de praia em Nantucket.
Depois que a fraude de seu pai foi exposta, os gastos de Mark Madoff foram restritos e sujeitos à supervisão do administrador dos investidores. Mas antes disso, sua posição sênior em uma forte carteira de ações tinha dado a ele um estilo de vida luxuoso.
Mark Madoff ganhou US$ 29,3 milhões nos seus últimos oito anos na empresa, de acordo com uma ação judicial movida contra ele por Irving L. Picard, administrador dos investidores de seu pai que procura recuperar o dinheiro para as vítimas da fraude. Ele também se beneficiou de consultoria ao negócio de investimento falsos do pai, retirando pelo menos US$ 17 milhões a mais de contas de sua família do que depositou, afirma a ação. A ação tentou recuperar pelo menos US$ 67 milhões de Mark Madoff individualmente, e mais de US$ 130 milhões de outros executivos da família Madoff na empresa.
Na denúncia, apresentada em outubro de 2009, Picard descreve a compensação de Mark Madoff como "astronômica" e acusa ele e seu irmão de serem "completamente descontrolados" em suas funções e responsabilidades na empresa.
Mark Madoff tinha grande orgulho de sua carreira e ficou profundamente magoado com as acusações de Picard, segundo seus amigos. Sua empresa empregava cerca de 120 pessoas e negociava dezenas de milhões de ações por dia, de acordo com uma apresentação feita por Lazard, que ajudou os investidores a vender o negócio no ano passado.
Mark e Andrew Madoff também comandavam os negócios comerciais da empresa, que começou em 1997 e foi liquidada no ano passado. Esse negócio lucrou cerca de US$ 270 milhões ao longo de 11 anos e esteve substancialmente acima do mercado global, de acordo com o perfil elaborado por Lazard.
Mark Madoff sempre pareceu sensível às críticas e levava seus problemas para o coração, disse um amigo da família e parceiro de negócios. "É por isso que eu nunca acreditei que ele soubesse sobre as fraudes", esta pessoa disse. "Ele sempre foi uma pilha de nervos. Ele nunca teria sido capaz de manter um segredo como esse".
Últimas horas
Contrário a esse relato, seu comportamento na última semana não alarmou nenhum de seus conhecidos.
Eles nunca esperavam que a semana terminaria assim.
A polícia reuniu suas mensagens finais após apreender seu computador e telefone celular, apesar de seus advogados protestarem imediatamente e os equipamentos serem devolvidos à família nesta semana.
Segundo os relatórios da polícia, por volta das 16h de sábado, Mark Madoff enviou dois emails para a sua esposa, Stephanie, que tinha levado sua filha de quatro anos para visitar a Disney World na Flórida, na quarta-feira, dia 8 de dezembro, deixando o menino de dois anos de idade, Nicholas, sob os cuidados do marido.
Um de seus e-mails, dizia: "Por favor, mande alguém para cuidar de Nick".
Outro dizia: "Eu te amo".
Ele também escreveu a seu advogado, Martin Flumenbaum. Essa mensagem dizia: "Ninguém quer acreditar na verdade. Por favor, cuide da minha família".
Quando Stephanie Madoff viu as mensagens do marido, ela ligou para seu padrasto em Nova York e pediu-lhe para ir imediatamente até a casa da família em Manhattan.
Seu padrasto, Martin London, chegou pouco antes das 7h30 e encontrou o corpo de Madoff pendurado a uma viga de metal no teto da sala pela coleira do cachorro.
Não havia nenhuma evidência de luta no apartamento arrumado e bem cuidado, disse a polícia. Mas não havia provas da determinação suicida de Mark Madoff.
O filho da vítima foi encontrado ileso no apartamento, bem como o cachorro da família, Grouper.
A descoberta horrorizou os amigos de Madoff, que achavam que ele tinha deixado para trás a tormenta dos últimos dois anos e aos poucos reconstruído sua vida.
Um ávido atleta, ele tinha feito planos nas últimas semanas para fazer viagens de esqui com os amigos. Ele havia visitado o seu filho mais velho em uma faculdade. Ele havia mantido consultas de rotina – incluindo uma na tarde de sexta-feira, antes de sua morte.
Madoff não tinha ilusões de que poderia conseguir emprego no setor financeiro novamente, de acordo com a pessoa próxima a ele desde a infância, mas ele trabalhou duro nos últimos dois anos "para manter a rede de relações que tinha na indústria".
Um amigo próximo, um executivo de serviços financeiros, ofereceu a Mark Madoff uma mesa em seu escritório no centro, onde poderia fazer ligações e organizar reuniões para retomar sua vida profissional.
Madoff fez alguns trabalhos de consultoria e a cerca de um ano atrás começou a enviar o Sonar Report. Era uma operação solitária. Ele acordava às 4 da manhã, pesquisava na internet por notícias imobiliárias e compilava o boletim, de acordo com um amigo próximo.
Inicialmente, ele enviava o boletim de notícias gratuitamente para atrair seguidores. Após cerca de seis meses, ele começou a cobrar US$ 20 por mês.
Uma nota introdutória aos novos assinantes, dizia que o Sonar Report era produzido por uma "nova empresa" em busca de "expandir nossa base de assinantes".
Não está claro quantas pessoas pagavam pelo Sonar Report. Em maio, Mark Madoff disse a um amigo que tinha 1.000 pessoas na sua lista.
Um advogado de Madoff, que o aconselhava sobre questões de direitos autorais relacionados ao boletim de notícias, disse que o foco de suas conversas era sempre a viabilidade da empresa a longo prazo. Madoff estava esperançoso de que o modelo de negócios se tornasse "sustentável" e os boletins informativos pudessem ser desenvolvidos para outros setores que não eram amplamente cobertos, disse o advogado.
O Sonar Report não tem aparecido desde sexta-feira.
"Não está mais ativo?", perguntou um executivo de uma corretora de imóveis na terça-feira, depois que um repórter o questionou sobre o boletim que Madoff publicava anonimamente. "Eu não recebi nada deles esta semana".