LONDRES, 15 dez 2010 (AFP) -A Anistia Internacional intou nesta quarta-feira o governo do Brasil a investigar os abusos graves cometidos durante a ditadura militar, depois de a Corte Interamericana de Direitos Humanos invalidar a Lei de Anistia vigente no país.
"A sentença da Corte deixa claro que a Lei de Anistia (de 1979) viola as obrigações internacionais do Brasil e representa um obstáculo na busca da verdade", assinalou em comunicado a organização internacional de defesa dos direitos humanos, com sede em Londres.
Segundo a Corte Interamericana, tal lei "não pode seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos, nem para a identificação e a punição dos responsáveis, ou ter igual impacto sobre outros casos de graves violações dos direitos humanos previstos na Convenção Americana e ocorridos no Brasil".
"Agora, segundo a Anistia, deve aplainar o caminho para a justiça e as reparações. A impunidade não deve ter um papel no Brasil moderno e democrático".
Na sentença divulgada na terça-feira, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede em San José, condenou o Brasil por graves violações cometidas durante a ditadura (1964-1985). E considerou as normas da Lei de Anistia brasileira, que impedem investigar e punir os abusos, "incompatíveis com a Convenção Americana" de Direitos Humanos, pelo que "carecem de efeitos jurídicos".
A Corte ordenou que o Brasil esclareça, determine responsabilidades penais e aplique sanções por detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre elas, membros do Partido Comunista e agricultores.
A Anistia acusa o Brasil de "ter ficado atrás" de outros países da região, como Argentina, Chile ou Peru, no que se refere à investigação dos abusos cometidos por regimes anteriores.
"Enquanto o país debate temas relativos à interpretação da lei, outros percorreram um longo caminho para levar à justiça os que participaram de violações dos direitos humanos de milhares de pessoas, em governos anteriores".
A Corte decretou que "o Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal" de 61 pessoas, vítimas de operações do Exército contra o que se denominou a guerrilha do Araguaia, entre os anos 1972 e 1975, decretou a Corte.
Os juízes decretaram que o Estado brasileiro não cumpriu com a obrigação de adequar sua legislação interna às normas da Convenção Americana, pois a lei de anistia adotada pela ditadura segue vigente nos governos democráticos.
Em maio passado, o Supremo Tribunal brasileiro rejeitou uma ação envolvendo a guerrilha do Araguaia devido à lei de anistia.
A Corte Interamericana destaca que os familiares das vítimas da ditadura não foram atendidos em suas queixas à justiça e, ao contrário, sofreram diferentes formas de perseguição.
A sentença ordena ao Estado brasileiro "conduzir eficazmente, mediante a jurisdição ordinária, uma investigação penal dos fatos", determinar responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções previstas na lei.
Segundo a Corte, o Estado brasileiro deve determinar o paradeiro dos desaparecidos, dar tratamento médico e psicológico aos familiares das vítimas e publicar a sentença nos meios de comunicação.
Para familiares diretos e indiretos das vítimas, a Corte fixou indenizações que somam mais de 2,5 milhões de dólares.
Aos 42 familiares diretos, a Corte determinou o pagamento de uma indenização individual por danos morais de 45 mil dólares; e aos 28 familiares indiretos, de 15 mil dólares.
Também ordenou o pagamento aos 70 familiares das vítimas um valor adicional de 3 mil dólares, para tratamento médico e psicológico.