A menina tinha a pele muito clara e os lábios muito grossos. O cabelo da menina era loiro, mas os lábios desproporcionalmente grossos.
A mãe dizia à menina que seus lábios eram carnudos. Carnuda era denominação mais palatável e condizente com a genética européia,tão ferozmente,defendida pela família.
Um dia na escola da menina de pele muito clara e lábios muito grossos, o professor negro ensinava a turma de pequenos meninos e meninas não negros ,negros e pardos , os caminhos da geografia humana que culminaram com a constituição da população brasileira.
O professor negro falou da colonização escravagista e da usurpação de corpos de mulheres negras e indígenas, pela androcracia branca e estrangeira, que gerou a nossa tão decantada miscigenação brasileira.
A androcracia branca investida de poder e hierarquia dominando os territórios de posse dos femininos das senzalas brasileiras e promovendo o massacre dos iguais em força física e determinação: os homens escravizados.
O professor falou da miscigenação e de algumas características da tal “mistura”, e genericamente, citou os lábios grossos como uma das particularidades do legado africano na composição genética dos povos, desse país de Cabral.
A menina muito branca e dos lábios muito grossos entrou em pânico e disse à mãe que o professor negro tinha dito que ela, a menina muito branca, tinha parentesco com escravos por causa dos seus lábios carnudos.
A mãe que prezava sua descendência quase européia foi à escola se queixar do professor negro que estava sendo racista.
A diretora prezando sua clientela quase européia despediu o professor negro a pedido da mãe da menina.
Anos depois a menina, já adolescente, e com a pele muito clara fez vestibular para medicina e não conseguiu êxito.
Ao ler um prospecto sobre as cotas pensou no professor negro que falou dos seus lábios carnudos, como referência africana e ‘astutamente” ingressou no curso de medicina pelo programa de cotas – oferecido a alunos negros.
Ao ser perguntada por sua pele muito branca, a adolescente, através de advogado constituído, provou sua auto-declaração identitária- argumentando ser bisneta de escravos e, portanto afro descendente era.
A mãe da menina de descendência quase européia calou-se ante a perspectiva da filha “tirar vantagem, dos lábios muito grossos. Afinal era por uma boa causa.
Essa história quase inverossímil foi entreouvida numa fila de banco e achei que valia a pena contá-la.
Por quê?
Tirem suas conclusões.

Raízes da África