Para imigrantes, nova lei do Arizona é apenas mais um desafio a superar

14/05/2010 09:43 - Brasil/Mundo
Por Redação

Apesar de sua intenção de “desmotivar e evitar” a entrada ilegal nos Estados Unidos, a nova e dura lei de imigração do Arizona não foi o que impediu que Veronica entrasse no estado sem a documentação necessária. Afinal, ela já tinha aguentado uma desgastante viagem de trem, espaçado de traficantes perigosos e enganado autoridades mexicanas que buscavam o dinheiro que ela tinha escondido na roupa íntima.

Veronica disse, com tristeza, que não conseguiu chegar aos Estados Unidos simplesmente porque ficou nervosa. Sua palma da mão começou a suar e ela escorregou do mastro em que ela e outros do grupo se seguravam para cruzar a cerca da fronteira e entrar no Arizona.

Foi uma queda dura e Veronica, imigrante hondurenha que nao quis fornecer o sobrenome com medo que de que isso pudesse prejudicar suas chances de migrar para o norte no futuro, apresentava hematomas e mancava quando relatava sua história fracassada de atravessar a fronteira. Ela também estava grávida e se preocupava se o feto tinha lidado bem com o trauma.


Embora a nova legislação de imigração do Arizona possa ser rígida, levando o governo mexicano a lançar um alerta advertindo que “qualquer cidadão mexicano pode ser abordado e questionado sem razão aparente e a qualquer momento”, trata-se de brincadeira de criança em comparação ao que muitos imigrantes ilegais sofrem no caminho para tentar entrar nos Estados Unidos.

“Se eles acham que os imigrantes vão parar de vir, estão enganados”, disse Rafael Limon Corbala, chefe do gabinete regional de migração do estado mexicano de Sonora, em relação aos legisladores do Arizona que aprovaram a lei. “Ainda há emprego lá, e muitas pessoas ainda querem cruzar a fronteira”.

Se um imigrante consegue pagar o suficiente, chegar ao norte pode ser tão simples quanto esperar em uma fila na fronteira, entregar um documento de identidade falsificado a um guarda e, se funcionar, entrar nos Estados Unidos. Porém, muito provavelmente esse é um caminho que mais parece um pesadelo ambientado no interior do México e depois no deserto do Arizona.

De qualquer forma, os imigrantes juntam quantias significativas, de US$ 2.500 a US$ 5 mil, para fazer a passagem. Em suas cidades de origem, o valor é suficiente para construir uma casa simples ou começar um pequeno negócio, mas é amplamente considerado por imigrantes como um investimento que vale a pena.

A nova lei do Arizona – que solicita que policiais com “suspeitas razoáveis” em relação à situação de imigração de uma pessoa exijam prova de residência legal no país – foi amplamente mal-recebida pelos muitos imigrantes entrevistados nesta cidade de fronteira no México. A crítica parecia a mesma entre os que se preparavam para atravessar, os que estavam decidindo o que fazer depois de serem deportados e os que estavam no meio da passagem, que falaram enquanto andavam, nervosos, em direção ao norte.

“Trabalhamos para o povo do Arizona, e agora eles não nos querem”, disse Miguel, que alegou fazer parte de um grupo de várias dezenas de pessoas flagradas pela Patrulha de Fronteira no deserto e enviadas de ônibus até a fronteira. Ele disse que logo faria outra tentativa – sua oitava nos últimos anos.

Relativamente poucos imigrantes disseram que a lei os impediria de cruzar a fronteira, embora planejassem ficar longe de policiais, mais do que antes.

Muito embora se espere que a nova lei dê a autoridades locais responsáveis pelo cumprimento da lei mais poder para deter imigrantes ilegais, isso já ocorre, segundo os imigrantes. Veja o caso de Salvador, que, como outros, se recusou a ser identificado. Ele contou que sua deportação, no ano passado, foi causada por uma prisão por atravessar a rua sem obedecer às regras de trânsito.

Salvador disse que, depois de morar em Phoenix durante 20 dos seus 23 anos e se formar em uma escola de lá, ele estava atravessando a rua, no ano passado, quando um policial o abordou. Ao verificar seus antecedentes, foi descoberto que ele tinha uma multa não-paga de excesso de velocidade. Então, seus registros de imigração foram verificados, ele disse. Quando ficou determinado que Salvador estava ilegal no país, ele foi enviado ao México, país que tinha deixado quando ainda era um bebê.

“Devia ter atravessado no sinal verde”, ele disse.

Claudia também contou que foi uma abordagem de rotina no trânsito e um registro de veículo expirado que a levou à deportação. Ela contou ter sido enviada de volta para o México, confusa e com várias outras pessoas, sem planos sólidos de como se reencontrar com o marido e dois filhos, que moram na outra Nogales, no Arizona.Os imigrantes começam sua jornada em vários países diferentes e fazem uso de um leque impressionante de esquemas para cruzar sorrateiramente a fronteira, fazendo com que cada tentativa de imigração seja diferente. Porém, os mexicanos geralmente o fazem de forma mais fácil que os centro-americanos, que muitas vezes são pegos por autoridades mexicanas antes mesmo de chegar à fronteira dos Estados Unidos, cada vez mais fortificada.

“Viajando de forma precária em cima de trens de carga, muitos enfrentam discriminação e xenofobia, sendo alvos de traficantes de pessoas e presas de sequestros por parte de grupos criminosos”, segundo relatório da Anistia Internacional divulgado este mês.

“Todos os anos, milhares de imigrantes são mal tratados, raptados ou estuprados”, de acordo com o grupo de direitos humanos. “A detenção arbitrária e a extorsão por parte de autoridades públicas são comuns”.

A Anistia Internacional atribuiu em parte ao governo do presidente Felipe Calderón o aumento do empenho dos imigrantes em cruzar a fronteira. As condições em centro de detenções melhoraram, disse o grupo, e os imigrantes que são pegos cruzando o México passam menos tempo sob custódia esperando a repatriação.

Além disse, o governo estadual de Chiapas estabeleceu, pela primeira vez, um promotor público especial para crimes contra imigrantes. Como resultado, cinco membros de uma unidade policial local de elite foram presos por ataques contra imigrantes.

No entanto, o México tem sido muito mais forte em criticar os Estados Unidos em relação à imigração do que em estabelecer práticas exemplares, de acordo com a Anistia Internacional e outros grupos.

No México, teoricamente deveriam ser autoridades federais de imigração e a polícia federal os responsáveis por verificar a situação legal dos imigrantes. Mas qualquer pessoa com um distintivo pode fazê-lo, uma situação que, de acordo com vários imigrantes, os preparam bem para o que eles podem enfrentar no Arizona.

Há poucos dias, ao cair da noite, um traficante nervoso que ajuda imigrantes a entrar nos Estados Unidos estava em pé no topo de um monte, a apenas alguns metros da fronteira, gritando ordens em um rádio de mão. Ele tinha vigias monitorando os movimentos da Patrulha de Fronteira do outro lado e aliados com um carro estacionado do outro lado da fronteira, esperando para levar os imigrantes que tinham pago um valor a mais. Ele não teme que os negócios comecem a decair.

“Eles vão continuar vindo”, disse o homem, confiante.

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