As 70 vacas leiteiras da fazenda de Francis Claudepierre, na pequena cidade de Migneville, a cerca de 450 km de Paris, produzem, em média, 2.000 toneladas de cocô por ano. O material poderia ser simplesmente jogado fora, mas o fazendeiro está usando esse lixo para produzir energia elétrica suficiente para iluminar 450 casas e faturar R$ 35 mil (15 mil euros) por mês.

Claudepierre, que não fez faculdade e aprendeu a lidar com a terra na prática, instalou no local um sistema de "metanização", um processo natural que transforma a matéria orgânica (no caso do francês, são os dejetos de animais, cereais que não são próprios para consumo e resíduos de fábricas, como a Nestlé) em metano, um gás de potencial explosivo e que é apontado como um dos vilões do aquecimento global, mas também é uma fonte importante de energia. Ele não gasta nada com o resto do material necessário, já que o recebe de empresas que precisam eliminar os resíduos gerados na fabricação dos produtos.

O processo funciona assim: o "lixo" é colocado em uma espécie de batedeira e misturado. Por meio de canos, o material chega a uma cuba que é revestida por uma manta elástica feita com uma borracha muito parecida com aquela que é usada em câmaras de pneus - para mostrar a elasticidade, Claudepierre até subiu sobre o reservatório e brincou em uma espécie de cama elástica improvisada.

Lá dentro, essa massa por um processo de "digestão", feito por bactérias alojadas ali, que quebram as moléculas de matéria orgânica e as transformam em energia para si próprias e também em metano - algo que também acontece no estômago dos animais. O reservatório, chamado digestor, precisa trabalhar a temperaturas entre 37ºC e 40ºC e estar livre de oxigênio, já que as bactérias realizam seu trabalho em condições anaeróbias, ou seja, sem a presença dessa substância.

O gás é, então, usado para alimentar um gerador de energia elétrica, que é usada na própria fazenda e também vendida para a Électricité de France (EDF), empresa que é a maior produtora de eletricidade do país. A companhia paga uma quantia fixa de 15 mil euros por mês pela eletricidade, que sai da propriedade por cabos de alta tensão, mas se dispõe a oferecer mais dinheiro ao fim de cada ano se ficar provado que a produção ultrapassou as metas.

Esse processo também gera uma boa quantidade de calor, usado no aquecimento de prédios públicos e escolas da cidade de Migneville. Além disso, nos meses entre outubro e abril, quando faz muito frio na região, esse calor é usado para secar as pastagens da fazenda, por meio de máquinas, em um processo parecido com algo que as mulheres conhecem bem: o secador de cabelo.

Apesar do ganho, Claudepierre teve de suar a camisa para instalar o sistema. Além do investimento de 900 mil euros (R$ 2,1 milhões), com 40% vindo de financiamentos do governo, a burocracia fez com que ele tivesse de esperar dois anos para receber a autorização para implantar a tecnologia e vender o serviço.

- Na França nós temos muitos problemas para implantar energias renováveis, porque o lobby da energia nuclear e do petróleo é muito forte. Não é que o governo tenha má vontade, mas é difícil mudar as leis e os regulamentos. Na Alemanha, por exemplo, os movimentos ecologistas têm uma importância muito grande, o que fez com que as leis favorecessem as energias renováveis, que hoje representam 30% do setor no país. Aqui isso está acontecendo só agora.

Ao contrário do Brasil, em que cerca de 95% da energia elétrica é gerada por usinas hidrelétricas, na França o forte são os geradores nucleares - 80% da eletricidade do país é obtida dessa forma. Para o agricultor, isso dificulta o uso de outras fontes.

O resto do faturamento da propriedade, que chega a 500 mil euros por mês (R$ 1,1 milhão), vem da fabricação de leite orgânico - o pasto em que as vacas comem não recebe agrotóxicos ou fertilizantes industrializados e os animais também não recebem alimentos que são geneticamente modificados.

Andar pela fazenda de Claudepierre é também caminhar pelo cenário de um evento importante no século passado, a Primeira Guerra Mundial, que aconteceu entre 1914 e 1918. No local, que fica na região da Lorena, ainda é possível ver vestígios de trincheiras usadas por soldados durante os combates - ali, está preservado inclusive um local cavado entre as árvores para que os soldados pudessem se esconder. Um dos fatores para a guerra foi o revanchismo francês em obter de volta a região da Alsácia-Lorena, perdida para a Alemanha durante a Guerra Franco Prussiana, no fim do século 19. No fim do conflito, os alemães tiveram de devolver a área para os franceses.

O agricultor diz inclusive que, durante o trabalho de preparar a terra, "é comum encontrar bombas e granadas lançadas durante a guerra".