Com o território da axé music lotado de Ivetes, Claudias e Margareths (sem contar as dezenas de genéricas), Daniela Mercury abriu o leque de influências em seu novo disco, o conceitual "Canibália". Com acento mais eletrônico do que baiano, a cantora investe em novas e curiosas entre as 14 faixas do álbum. A mais surpreendente delas é um dueto com Carmen Miranda, feito a partir de um fonograma de 1939, sobre o qual Daniela ousou inserir uma batida dançante e digital na música de Dorival Caymmi. Certamente irá irritar os puristas, apesar de devidamente autorizado pela família da Pequena Notável.

O disco abre com um reggae ("Sou do sul") e termina com a balada de toques afoxé "Cinco meninos". As músicas dão nome a duas das cinco capas distintas que o designer Gringo Cardia criou para o álbum a pedido de Daniela, bossa extra no lançamento. As outras três são "O que é que a baiana tem", "Trio em transe" (um rap cinematográfico com uma levada típica de Lenine) e "Oyá por nós" (em que tambores de candomblé e beats de drum\'n\'bass se entrelaçam). O número cinco parece importar para ela: foi este o número de produtores do CD. Além da própria Daniela, Ramiro Musotto, Alfredo Moura, Gabriel Povoas e Mikael Mutti também mexeram no caldeirão musical da artista.

Em "Preta", a cantora aprofunda a orientação antropofágica do disco e mistura samba, tambores de axé e hip hop ao fundir três músicas: "Eu sou preta" (J. Velloso e Mariene de Castro), "Sorriso negro" (Adilson Barbado, Jair Carvalho e Wallace Jefferson) e "Rap do negão" (Seu Jorge , Gabriel Moura e Wallace Jefferson). Seu Jorge participa da faixa de exaltação à negritude, que dialoga com outra das canções, "This life is beautiful", composta em inglês com Wyclef Jean, do grupo americano Fugees. Prestes a completar 20 anos de estrada, Daniela se arrisca em novas praias, que podem dar novo gás à sua carreira.