Uma disputa jurídica entre os juízes Francisco Alexandre Ferreira Mendes e Yale Sabo Mendes, primos do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, resultou numa surpreendente derrota da família na Justiça mato-grossense. Depois do embate entre parentes, os dois acabaram perdendo, no último dia 17, a eleição para juiz-membro do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT).
Francisco Mendes, que atua na comarca de Cuiabá, havia sido eleito para o cargo em dezembro do ano passado, ao derrotar Yale Mendes, que ficou como juiz substituto. Yale não aceitou a vitória do primo e recorreu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também presidido por Gilmar Mendes, alegando descumprimento das normas de publicidade dos atos.
“Não teve nenhum edital e o TJ foi lá e resolveu escolher. E escolheu o juiz Francisco Mendes”, explicou Yale ao Congresso em Foco. O CNJ decidiu anular a eleição de Francisco.
Mas a batalha entre os Mendes continuou com novos recursos na Justiça, até que os dois primos resolveram firmar um acordo e abrir mão do litígio judicial em troca da realização de uma nova escolha. Dessa vez, respeitando os princípios de publicidades dos atos, conforme havia reclamado Yale.
A nova eleição, ocorrida no último dia 17, opunha mais uma vez os dois primos e outros seis concorrentes. Contrariando as expectativas que se voltavam para os Mendes, o eleito foi o juiz Sebastião de Arruda Almeida, com 16 votos. Yale Mendes recebeu dois votos e Francisco Mendes, dessa vez, apenas um. Ao todo, votaram 29 dos 30 membros do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Yale acabou ficando em segundo lugar, novamente eleito juiz-substituto.
Os “Mendes” e o Judiciário
O embate entre os dois primos é o mais recente capítulo da história da família do presidente do Supremo Tribunal Federal com o Judiciário. Além de Gilmar, outros nove integrantes do clã são ou foram magistrados (juízes ou desembargadores) e outros dois estão ligados ao direito, um como defensor público e outro como procurador do Estado
Tudo começou no norte de Mato Grosso, na cidade de Diamantino, a 205 quilômetros de Cuiabá, município considerado “berço” da família Ferreira Mendes. O patriarca da família, desembargador Joaquim Pereira Ferreira Mendes, presidiu o Tribunal de Justiça de Mato Grosso por quase dez anos (1908-1913, 1916-1917 e 1918-1920).
Joaquim era avô do atual presidente do Supremo Tribunal Federal. Outro neto de Joaquim, Milton Ferreira Mendes também alçou voo na magistratura, exercendo o cargo de juiz. Depois, foi promovido a desembargador, cargo que exerceu por oito anos, juntamente com o primo Mário Ferreira Mendes.
Mas os Mendes não estão presentes apenas na Justiça mato-grossense. Joazil Maria Gardés é desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e filho de Zilda Ferreira Mendes, mas acabou herdando apenas o sobrenome do pai.
No Acre, está o juiz Élcio Sabo Mendes Junior, que já atuou em casos emblemáticos. Ele conduziu, no ano passado, o caso do ex-deputado Hildebrando Pascoal. Acusado de ter matado um homem e ter cortado seu corpo com uma motosserra, o ex-parlamentar foi condenado semana passada a 18 anos de prisão. Élcio é filho do juiz aposentado Élcio Sabo Mendes, tio de Gilmar.
Outro representante da família no Judiciário é o desembargador Ítalo Ferreira Mendes, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, que contempla 13 estados e o Distrito Federal.
Defensoria Pública
A nomeação de um primo de Gilmar Mendes como defensor público-geral de Mato Grosso também foi cercada de controvérsias. Djalma Sabo Mendes Junior disputou o cargo no fim do ano passado com a até então defensora pública-geral Karol Rotini. O sistema de eleição, por lei, é feito por lista tríplice entre a categoria. A nomeação cabe ao governador do estado.
Na eleição da categoria, Djalma ficou em segundo lugar com apenas 29% da preferência entre os defensores. Karol foi a vencedora com 71% dos votos. No entanto, o governador Blairo Maggi (PR) nomeou o primo do ministro, contrariando a vontade da maioria da categoria. O pai do defensor-geral, Djalma Mendes, é procurador do Estado de Mato Grosso aposentado.
À época, o grupo que perdeu o comando da Defensoria chegou a denunciar que a nomeação de Djalma havia sido motivada por questões políticas. A alegação era de que Djalma contou com a influência do primo, presidente do Supremo, enquanto o corregedor André Pietro, que compunha a chapa de Djalma Mendes, seria ligado ao então presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, o deputado estadual Sérgio Ricardo (PR). Os dois, no entanto, negam qualquer interferência no processo.
TCE multa ex-prefeito irmão de Gilmar Mendes
A presença dos Mendes em outras esferas do poder público também é cercada de polêmica. O ex-prefeito de Diamantino Francisco Ferreira Mendes Junior, o Chico Mendes (PR), irmão mais novo de Gilmar Mendes, foi multado pelo Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) em 871 UPF’s (Unidade Padrão Fiscal), o que corresponde a R$ 27.863,29, por supostas irregularidades nas contas do exercício de 2008. Mas ainda cabe recurso contra a multa.
As contas foram aprovadas com ressalvas pelos conselheiros, no último dia 28 de agosto, apesar de o Ministério Público de Contas (MPC) ter elaborado parecer pela rejeição das contas de Chico Mendes. Foram apontadas 26 irregularidades, duas das quais classificadas como de natureza gravíssima.
O relator do processo de julgamento das contas, conselheiro José Carlos Novelli, apontou precariedade no sistema de controle interno e patrimônio da Prefeitura de Diamantino. Entretanto, justificando equilíbrio fiscal nas contas, o conselheiro votou pela aprovação das contas com ressalvas, parecer acompanhado por todos os demais conselheiros.
Chico Mendes foi prefeito de Diamantino por dois mandatos, entre 2000 e 2008. Mas continua participando da vida política da cidade. No ano passado, o candidato apoiado pela família Mendes, Juviano Lincoln (PPS), foi derrotado pelo grupo político adversário, que tinha Erival Capistrano (PDT) como candidato.
Em decisões cercadas de polêmica, o Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, cassou e “descassou” Erival Capistrano por várias vezes. Em menos de um ano, a cidade já trocou de prefeito por quatro vezes, entre confusas decisões da Justiça eleitoral.
Erival denunciou, por diversas vezes, a influência de membros da família Mendes nas eleições do município. Em Diamantino, o clima é de disputa política constante. A cidade, sistematicamente, é divida entre grupos ligados à família Mendes e seus opositores.
Procurado pelo Congresso em Foco, o ex-prefeito Chico Mendes disse que só teve acesso ao processo de análise das contas depois do julgamento. Ele garantiu que após analisar os documentos, sua defesa vai recorrer da multa estabelecida pelo TCE.
“Depois de analisar as contas, vimos que têm coisas absurdas, como por exemplo, uma acusação de apropriação indébita de um notebook. Isso não existe e temos condições de comprovar toda a regularidade das contas”, afirmou o ex-prefeito. Ele diz acreditar que o tribunal irá reconsiderar a aplicação da multa.