Por unanimidade, a quinta turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª região, em São Paulo, anulou decisão em primeiro grau da Justiça que havia extinguido uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) e que pedia a condenação de sete servidores públicos federais que tiveram participação na prisão, tortura e morte do operário alagoano Manoel Fiel Filho.
Com isso, o TRF determinou a reabertura do processo, que deverá ser julgado na primeira instância da Justiça Federal. Na ação, o MPF pede que os sete servidores reparem os gastos da União com indenizações aos parentes das vítimas, estimados em R$ 483 mil e também sugere a perda de suas funções e cargos públicos e cassação de aposentadoria.
Para os desembargadores do TRF, a decisão tomada pela 11ª Vara Cível de São Paulo que havia extinguido o processo foi precoce diante da complexidade da matéria.
Segundo nota da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, o procurador regional da República Marlon Alberto Weichert teria dito, na sessão realizada nesta segunda-feira, que a "velocidade impressionante" da Justiça Federal "abortou precocemente a ação".
O MPF também requer a declaração de responsabilidade em face da União Federal e do Estado de São Paulo pela omissão no caso, com a exigência da adoção de medidas de preservação da memória.
A ação é baseada em dados do livro "Direito à Memória e a Verdade", publicado pela Presidência da República, nos fatos reconhecidos pela Justiça Federal de São Paulo durante a ação indenizatória movida pela família da vítima contra a União em 1979 e nos elementos de prova colhidos no Inquérito Policial Militar conduzido pelo Exército na época.
Manoel Fiel Filho era metalúrgico e foi preso na fábrica em que trabalhava, em São Paulo, em 16 de janeiro de 1976. Os agentes que o detiveram não possuíam mandado de prisão. Sua casa foi alvo de buscas e apreensões, também sem autorização legal.
Levado à sede do Doi-Codi, no Paraíso, testemunhos apontam que foi torturado, vindo a morrer em virtude da violência sofrida. Foi identificado que seus interrogatórios foram realizados pela "equipe B" do Doi. Seu homicídio foi acobertado pela Polícia Civil, inclusive pelos peritos e médicos-legistas que realizaram a necropsia. Na versão oficial da época Fiel Filho teria se autoestrangulado com um par de meias.
Manoel Fiel Filho
Nasceu aos 7 de janeiro de 1927 em Quebrângulo, Estado de Alagoas, filho de Manoel Fiel de Lima e Margarida Maria de Lima. Operário metalúrgico, casado, tinha filhos.
Foi preso no dia 16 de janeiro de 1976, às 12:00 h, por dois homens que se diziam agentes do DOI-CODI/SP, sob a acusação de pertencer ao (PCB).
Levado para a sede do DOI/CODI, Manoel Fiel foi torturado e, no dia seguinte, acareado com Sebastião de Almeida, preso sob a mesma acusação.
Posteriormente, os órgãos de segurança emitiram nota oficial afirmando que Manoel havia se enforcado em sua cela com as próprias meias, naquele mesmo dia 17, por volta das 13 horas.
Entretanto, segundo os depoimentos dos companheiros de fábrica de Manoel, onde ele foi preso, o calçado que usava eram chinelos, sem meias, contrariando a versão oficial.
As circunstâncias da sua morte são idênticas as de José Ferreira de Almeida, Pedro Jerônimo de Souza e Wladimir Herzog, ocorridas no ano anterior.
O corpo apresentava sinais evidentes de torturas, em especial hematomas generalizados, principalmente na região da testa, pulsos e pescoço.
Um fato claramente demonstrativo da responsabilidade dos órgãos de segurança na morte de Manoel Fiel é o afastamento do Gen. Ednardo D’Ávila Melo, ocorrido três dias após a divulgação da sua morte.
Em ação judicial movida pela família, a União foi responsabilizada pela tortura e assassinato.
O exame necroscópico, solicitado pelo delegado de polícia Orlando D. Jerônimo e assinado pelos médicos legistas José Antônio de Mello e José Henrique da Fonseca, confirma a versão oficial.
Foi enterrado por seus familiares no Cemitério da IV Parada, em São Paulo.
Em documento confidencial encontrado nos arquivos do antigo DOPS/SP seu crime era receber o jornal Voz Operária de Sebastião de Almeida.
Recorte do Jornal da Tarde com carimbo do Setor de Análise do DEOPS, com a Nota do II Exército sobre a morte no DOI, diz:
“O comando do II Exército lamenta informar que foi encontrado morto, às 13:00 hs do dia 17 do corrente, sábado, em um dos xadrezes do DOI/CODI/II Exército, o Sr. Manoel Fiel Filho.
Para apurar o ocorrido, mandou instaurar Inquérito Policial-Militar, tendo sido nomeado o coronel de Infantaria QUEMA (Quadro do Estado Maior da Ativa) Murilo Fernando Alexander, chefe do Estado Maior da 2ª Divisão de Exército.”
Documento datado de 28 de abril de 1976 e assinado por Darcy de Araújo Rebello – Procurador Militar, pede o arquivamento do processo alegando: “As provas apuradas, são suficientes e robustas para nos convencer da hipótese do suicídio de Manoel Fiel Filho, que estava sendo submetido a investigações por crime contra a segurança nacional.”... “Aliás, conclusão que também chegou o ilustre Encarregado do Inquérito Policial Militar”.