Longe do figurino indiano e dos estúdios, Laura Cardoso em nada lembra a composição sisuda que traçou para a amarga Laksmi de Caminho das Índias. Aos 81 anos, bem-humorada e com voz doce, a atriz mostra que nem passa pela sua cabeça a ideia de se aposentar e passar de intérprete a telespectadora. Tanto que, mesmo com tanta demanda de cenas para a novela da Globo, Laura conseguir dividir seu tempo também com o cinema.
"Enquanto eu estiver viva, vou fazer todos os personagens que achar que valem a pena. Depois, vou ser lembrada por eles", simplifica, enquanto atende a uma ligação para marcar a prova de figurino do novo longa de Daniel Filho, Chico Xavier - O Filme.
Para Laura, esse momento não poderia ser melhor. A atriz não disfarça sua queda por papéis dramáticos e, por isso mesmo, considera Laksmi um dos personagens mais fortes de sua carreira na TV. "Nunca imaginei viver uma indiana, mas sempre acreditei que eu poderia interpretar qualquer coisa. Essa novela foi um grande exercício para mim, mesmo depois de tanto tempo de interpretação", derrete-se.
Para interpretar a Laksmi de Caminho das Índias, você ficou três meses em workshops. Depois de 65 anos de carreira, ainda existe motivação para tanto esforço em função de um personagem?
O ator sempre sonha interpretar todos os papéis do mundo. O que eu mais quero, como atriz, é experimentar, viver novas vidas. Sempre imaginei que podia e queria fazer qualquer trabalho. E, nesse ponto, uma indiana veio bem a calhar. Eu nunca tinha feito uma novela que abordasse uma cultura tão diferente da nossa. E é bom, porque você aprende, absorve informações que serão úteis em outras produções. Não tem como dizer que não é cansativo, mas sempre vale a pena. Fora que é um tempo que você passa com a equipe. Ali começa a interação entre as pessoas. Pelo menos quando você sabe que aquilo é sério e vai ser levado dessa forma por todos. Sou meio chata com essas coisas.
Por que você se acha "chata" com o trabalho?
Não é bem chatice. Eu diria que sou elitista demais com a minha profissão. Quero saber sempre quem é o autor, quem vai dirigir, quais nomes estão escalados, enfim, gosto de saber com quem vou trabalhar naquele projeto. Cuido bastante do que faço. Durmo com o texto do lado para estudar durante a noite. Na verdade, fico com ele o tempo todo. Sou muito apegada ao que faço.
Como é o retorno do público em relação às cenas da Laksmi?
Sinto que o público gosta muito de mim, mas reclama que a Laksmi não sorri e está sempre brava. Eu entendo essas reclamações, mas é por aí mesmo a construção do papel. Eu não posso esquecer que tenho de representar ali as frustrações de uma mulher que largou tudo o que achava que a deixaria feliz em função dos valores familiares. É nas cenas em que outros personagens tentam se livrar do peso da tradição que eu tento deixar a Laksmi mais carregada.
Você prefere os personagens dramáticos?
Sim, sempre tive uma queda maior pelo drama. São 65 anos de carreira, acho que já posso falar isso sem qualquer dúvida. O que não quer dizer que só tenha vontade de fazer isso. Gosto demais da comédia também. Até porque é uma das coisas mais difíceis de se fazer. Mas prefiro um texto mais pesado, mais forte. Cada um tem uma preferência, a minha é essa. Gosto dos autores mais densos, que abordam questões mais complexas.
Aos 81 anos, é difícil conseguir personagens assim?
Minha carreira é limpa, bonita, de muita luz. Sou vaidosa mesmo nesse ponto. Até agora, não passei por dificuldade alguma em conseguir papéis. E, sinceramente, acho que não vou passar. Não vou permitir. Gosto muito de trabalhar e não largo por nada. O ator coloca o mundo dentro dele através de seus papéis. Mas acho uma cretinice não chamar atores mais velhos. O que acontece com uma mulher de 30 anos pode muito bem acontecer com outra de 70 ou 80.