O estado, ainda, não produz soluções políticas para conter o genocídio da infância e juventude.

13/09/2010 10:07 - Raízes da África
Por Arísia Barros

Tinha exatos 16 anos, pequena, magra, semi-analfabeta, ainda uma menina, mas já cometera dois assassinatos. Era negra a menina que já cometera dois assassinatos e trazia preso no sorriso a inocência perdida entre o porto da fome e a ausência do afeto, como parentesco próximo. Negra,como quase todas as outras meninas em processo de “ressocialização”.
Era uma população de meninas segregadas e vitimizadas pela geografia das muitas violências: pobreza, tortura, abuso sexual, escravização e abandono. Eram reféns da indiferença social.
Armazenavam sonhos e revoltas. Quando a revolta entrava em combustão, incendiavam os colchões nos quartos insalubres em que viviam como a deportar a natureza atávica da ausência de afetos.
As sobreviventes continuam a percorrer os caminhos entre a tal “ ressocialização” patrocinada pelo estado, o pânico social e a retomada a criminalidade. Pão e circo. Todas náufragas, à deriva de medidas paliativas.
O estado, ainda, não produz soluções políticas para conter o genocídio da infância e juventude.
Segundo alerta o mais recente levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a cor dessa juventude que é riscada do mapa social é em sua maioria negra.
Ao não produzir soluções políticas o estado estabelece as fórmulas para a guerra civil e o extermínio de um grande percentual de jovens. Matam e morrem.
Durante toda sua infância, a menina fora brutalizada pela selvagem ejaculação do padrasto que memorizava em seu corpo os caminhos do total desprezo pelos sentimentos alheios.
O homem dizia que amava a menina e a espancava. A mãe desprezava essa menina por ter ser envolvido com seu homem e também a espancava. A mãe a queria morta. Chorava em vários colos femininos o amor materno que nunca tivera.
Na primeira possibilidade de liberdade a menina fugiu e efetuou seu primeiro crime. A menina cultivava em si o monstro da autodestruição. A menina tinha ódio do padrasto e “raiva” da mãe. Esse era o mundo da menina. A menina cultivava em si a identidade da violência como herança maldita da patologia social.
Pobre, pequena, semi-analfabeta e preta a menina era invisível para a sociedade e o mundo da criminalidade arrebanhou um novo cérebro.
A indiferença social impôs a essas meninas, quase mulheres, o exílio em um outro país: o da agressão como parâmetro para a sobrevida .
É incômodo falar dessa menina que caiu morta em um confronto, antes mesmo de completar 18 anos. Tinha nome de santa da igreja católica, mas morreu anônima e pagã da solidariedade humana.
Morreu no mesmo anonimato em que viveu. Anonimato como símbolo da miopia institucional que não “percebe” o genocídio generalizado que vem arrastando a população de jovens, em sua grande maioria pobres, semi-analfabetos e pretos, para vidas sem esperança de futuro.
São clandestinas, as meninas, no discurso político demagogo do estado que se exime da responsabilidade de salvaguardar os preceitos constitucionais da vida humana e possibilitar a cidadania de todas as pessoas.
Estamos tod@s nós assistindo, comodamente, a um novo holocausto: colonialismo, racismo e morte.
 

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